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"Inimigos" sentados à mesma mesa para discutir o futuro do petróleo

Um jantar improvável, entre a OPEP e produtores de petróleo de xisto dos EUA, decorreu no passado domingo. Para trás ficaram as posições de força e debateu-se o futuro do "ouro negro".

Bloomberg
09 de Março de 2017 às 10:00
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Na passada segunda-feira, 6 de Março, arrancou em Houston aquela que é considerada a mais influente conferência anual da indústria petrolífera. Na véspera, aproveitando que já todos os intervenientes-chave estavam por terras texanas, houve um importante jantar que reuniu convivas improváveis: o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Mohammed Barkindo, e cerca de 20 dos principais executivos norte-americanos da área da produção de crude a partir de xisto betuminoso.

 

Da ementa, conforme diz o The Wall Street Journal, o mais importante não foi a comida. Com efeito, nesta refeição o conduto foi mesmo secundário, tendo o prato principal sido o futuro do petróleo.

 

Barkindo garantiu aos "executivos do xisto" que a intenção da OPEP não é pô-los fora de jogo, diz a Dow Jones Newswires. Mas também convém não "estragar" os esforços do cartel no sentido de reduzir a excessiva oferta mundial e conseguir, assim, estabilizar os preços num patamar que agrade a todos. E acontece que a produção norte-americana tem estado a aumentar – a reflecti-lo estão os inventários recorde de crude nos EUA –, ofuscando assim os bons resultados da OPEP no cumprimento do seu prometido corte de produção.

 

Entre os presentes estiveram personalidades como Scott Sheffield, da Pioneer Natural Resources, John Hess, da Hess Corp., Robert Lawyer, da Chesapeake Energy, Tim Leach, da Concho Resources e Jeff Miller, da Halliburton, avançaram à Bloomberg algumas fontes que marcaram presença neste jantar mas que pediram para não serem citadas em "on" dado o carácter privado do evento.

 

Mark Papa, o homem que ajudou a criar a indústria do xisto nos Estados Unidos, há mais de uma década, foi outra das presenças.

 

"Foi uma excelente troca de informação e de pontos de vista", afirmou John Hess numa entrevista na terça-feira, 7 de Março.

OPEP, produtores norte-americanos e hedge funds

 

Ambos os lados mostraram estar de acordo quanto à necessidade de o mercado precisar de um melhor equilíbrio e inventários menores. Isso seria benéfico para todos. Mas ao passo que os produtores da área do xisto disseram não estar preparados para abrir mão da oportunidade de crescimento que se lhes apresenta, a OPEP indicou que pretende ver preços mais altos para o petróleo, mesmo que isso signifique enriquecer as empresas dedicadas ao xisto, de acordo com uma das fontes.

 

A OPEP mostrou vontade de aprofundar este tema e disse estar preparada para debater o futuro do sector junto dos produtores norte-americanos e de fundos de cobertura de risco (hedge funds). Todos juntos, acredita, encontrarão um meio termo para travar o excedente da oferta, que seja vantajoso para os vários intervenientes e não faça descer as cotações. A ideia é mesmo reforçar os preços.

 

Este jantar precedeu a importante conferência CERAWeek, promovida pela IHS Markit, onde os principais agentes desta indústria têm encontro marcado ao longo de toda a semana. Ontem, o ministro saudita da Energia, Khalid Al Falih, comentou em Houston que a ideia de que a procura mundial está prestes a atingir o seu auge está errada.

 

Al Falih não se mostrou preocupado com esta teoria, afirmando que a ideia de que a procura vai atingir um pico muito em breve e que deixará o equivalente a milhares de milhões de barris por explorar em campos petrolíferos - que deixarão de ser prospeccionados por falta de procura – não faz sentido. Segundo as suas estimativas, a procura mundial de crude atingirá os 100 milhões de barris por dia "muito em breve".

 

O cartel, o xisto, as reservas e os preços

 

Recorde-se que, durante anos, a OPEP não mexeu no seu plafond de produção. No entanto, no passado dia 30 de Novembro, acordou um corte de produção de 1,2 milhões de barris por dia, para 32,5 milhões de barris diários, a efectivar partir de Janeiro de 2017.

 

O cartel foi logo de seguida acompanhado nessa decisão por mais 11 produtores de fora do cartel, que assumiram o compromisso de reduzira sua oferta em 600.000 barris diários – com a Rússia a assumir metade dessa meta.

 

Agora que começaram a ser divulgados os dados da produção global nos dois primeiros meses do ano, já se sabe que a OPEP – ao contrário do que vinha sendo hábito – está mesmo apostada em ser cumpridora. O incorrigível prevaricador deixou de contornar as regras e é agora um novo bom aluno. Mas tem um grande desafio pela frente: o aumento da produção noutras regiões, nomeadamente nos Estados Unidos.

Mas por que razão é que a OPEP esteve tantos anos sem reduzir a oferta para fazer subir os preços? A resposta é simples: ganhar mais quota de mercado. A OPEP esteve, durante muito tempo, apostada em que fossem os EUA e outros produtores a responsabilizarem-se pela redução da oferta excedentária.

 

Uma das razões que vinham a ser apontadas pela Arábia Saudita para não se cortar o plafond de produção do cartel residia precisamente no ímpeto produtor dos norte-americanos. Segundo os sauditas, se os preços continuassem baixos, não compensaria produzir petróleo a partir de xisto betuminoso, visto que são operações com um processamento muito dispendioso. Ora, tal como acontece com o petróleo do pré-sal brasileiro, que é prospeccionado a grandes profundidades, se as cotações do crude não estiverem num determinado patamar, não compensa estar a apostar numa extracção que sai muito dispendiosa.

 

No entanto, os planos sauditas saíram gorados. É que os Estados Unidos decidiram permitir que se pudesse vender crude ultra-ligeiro ao estrangeiro sem ser necessária a aprovação do Governo, o que deu um incentivo à produção, impulsionando a capacidade exportadora do país – além de que a valorização dos preços este ano trouxe de volta muitos projectos que estavam parados.

 

Sem um corte da OPEP para compensar este aumento da oferta norte-americana, os resultados foram visíveis: o petróleo passou de 114 dólares por barril (e já longe dos máximos históricos de 2008, quando rondou os 150 dólares em Londres e Nova Iorque) para menos de 28 dólares em 2014.

 

Produção norte-americana de vento em popa

 

Agora, com a Administração Trump a prometer uma desregulamentação em vários sectores, além da entre os quais o da energia, os produtores norte-americanos vêem-se ainda com mais incentivos. É esse, aliás, o receio da Agência Internacional de Energia, que sublinhou recentemente que o corte de produção da OPEP e dos restantes parceiros de pouco valerá se houver um forte aumento por parte de outras regiões.

 

E é, de facto, o que está a acontecer: o aumento da produção petrolífera nos EUA a partir do xisto betuminoso tem ofuscado o anúncio de que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo cumpriu a 90% o seu acordo de corte de produção.

 

Desde Maio do ano passado, refere a Bloomberg, os exploradores norte-americanos de xisto duplicaram o número de plataformas de prospecção no activo, levando a produção nacional a superar os nove milhões de barris por dia pela primeira vez em quase um ano.

 

A Agência Internacional da Energia (AIE) estimou esta semana que estes intervenientes deverão aumentar a sua produção em mais 1,4 milhões de barris por dia entre o momento presente e 2022, mesmo que os preços do petróleo se mantenham nos actuais níveis – abaixo dos 60 dólares por barril. E isto porque os custos de exploração de xisto têm vindo a baixar, o que torna mais rentável esta actividade.

 

Além da desregulamentação prometida por Trump, este sector tem mais dois aliados de peso nos EUA, que se chamam Keystone XL e Dakota Access Pipeline. São eles os dois oleodutos cuja construção o novo residente da Casa Branca já prometeu fazer avançar.

 

A OPEP tem agora marcada uma reunião para Maio, onde decidirá se prolonga este compromisso de redução da oferta.

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