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Como a Cimpor "ganhou vida" depois do fim da OPA

A volatilidade continua a marcar as sessões da cimenteira depois de conhecidos os resultados da OPA. Após a quebra para mínimos de 1998, a Cimpor recupera terreno. Pelo meio, há um desentendimento entre um grupo de pequenos investidores e a CMVM.

04 de Julho de 2012 às 18:47
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A Cimpor continua a registar uma forte volatilidade em bolsa. Desde que foram divulgados os resultados da Oferta Pública de Aquisição (OPA) pela brasileira Camargo Corrêa à cimenteira, o comportamento da acção tem sido irregular. Hoje não foi excepção.

Os títulos da Cimpor, que já estiveram a negociar em terreno negativo, valorizaram 8,77% na bolsa de Lisboa. Em duas sessões, as acções recuperaram 21,6% do terreno que perderam desde 20 de Junho, o dia em que foi anunciado que a Camargo tinha conseguido mais de 94% da Cimpor. Perdas que levaram a cimenteira a cotações que não eram registadas desde 1998 e que foram, nos últimos dois dias, parcialmente aliviadas.

Cada acção da empresa ainda presidida por Francisco Lacerda vale 3,70 euros. Um terço abaixo do preço pago pela empresa brasileira como contrapartida na OPA, os 5,50 euros.

Uma diferença de quase dois euros que se justifica com os últimos dias vividos pela Cimpor. Dias agitados para uma acção que ficou com pouco mais de 5% do capital em bolsa.

1) Os primeiros resultados

Terminada a sessão de 20 de Junho, são divulgados os resultados da OPA em comunicado emitido através da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). A Camargo, que antes da OPA detinha 32,9% da cimenteira, ficou com 94,81% do capital da Cimpor em resultado da operação e com 95,69% dos direitos de voto correspondentes a esse capital.

A expectativa logo passou a ser a de que a Camargo, através da InterCement - empresa por si detida e que fez a OPA -, poderia avançar com uma aquisição potestativa, ou seja, a compra das acções que não tinham sido adquiridas na OPA (perto de 35 milhões de acções, correspondentes a 5,19% do capital da Cimpor). No prospecto da OPA, a Camargo Corrêa declarava que, caso reunisse as condições para avançar com essa aquisição potestativa, o iria fazer.

No código de valores mobiliários, o artigo 194º define que, para se avançar com essa aquisição potestativa, é necessário satisfazer dois pré-requisitos: alcançar 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social da empresa visada, neste caso, a Cimpor; alcançar 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social abrangido pela OPA, neste caso, apenas 45,86% da Cimpor, já que a CMVM considerou que a Votorantim, segunda maior accionista da empresa, estava “concertada” com a Camargo, pelo que a sua participação ficou imputada à de oferente na OPA.

2) O diferendo entre CMVM e ATM: acções próprias

Segundo a CMVM, o primeiro requisito foi superado, o segundo não. Contudo, os órgãos de comunicação social noticiaram nessa quarta-feira, sem nunca serem desmentidos, que a OPA tinha sido um sucesso, o que poderia dar condições para que a Camargo Corrêa avançasse com uma aquisição potestativa.

A expectativa de que a OPA potestativa avançasse dava algum sustento às acções da Cimpor, já que, a acontecer, a Camargo teria de pagar 5,50 euros por cada uma dos títulos que não detinha. Na conferência de imprensa que se seguiu à apresentação dos resultados da OPA, José Édison (na foto), o presidente da Camargo, afirmou que ainda não tinha decidido se iria, ou não, retirar a Cimpor da bolsa nacional.

É aqui que entra um grupo de pequenos accionistas da Cimpor e a associação de investidores e analistas técnicos do mercado de capitais, a ATM. Para este grupo, haveria espaço para uma OPA potestativa porque, segundo os seus cálculos, a Camargo tinha obtido mais de 90% dos direitos de voto da Cimpor mas também mais de 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social sob oferta.

Isto porque, no entendimento deste grupo, o capital sob oferta não deveria contabilizar as acções próprias da Cimpor (que não conferem direitos de voto). Fonte oficial da CMVM disse ao “Dinheiro Vivo”, esta semana, que “uma OPA geral abrange a totalidade do capital emitido pela sociedade que não seja detido pelo oferente”, ou seja, contabiliza as acções próprias.

3) A rectificação dos resultados

É com base nesse pressuposto que este grupo de pequenos investidores considera ter sido prestada “informação falsa” pela Camargo e, por isso, pretende avançar com um processo cível contra a CMVM, Camargo, Cimpor e Euronext. Depois de apresentados os resultados, a 20 de Junho, passaram-se as sessões de quinta e sexta-feira, com quebras ligeiras da Cimpor em bolsa – justificadas, essencialmente, pelo facto de a empresa ter sido “expulsa” do PSI-20 com o fim da OPA.

Contudo, após o fecho de mercados de sexta-feira, 22 de Junho, a Cimpor envia um comunicado da NYSE Euronext, através do sistema de difusão da CMVM, em que rectifica os resultados. Aqui, a Camargo conta com menos de cerca 6 milhões de acções na sua participação na Cimpor. Agora, a brasileira tinha 94,99% dos direitos de voto da Cimpor, correspondentes a 94,11% do seu capital social.

Mas a ATM, que defende que não deveriam ser tidas em conta as acções próprias como capital social abrangido pela OPA, considera que só com base nesta rectificação é que os investidores tiveram a indicação de que, afinal, não poderia haver lugar a uma aquisição potestativa, ou seja, não poderiam ter oportunidade de vender a 5,50 euros após a OPA.

A reguladora liderada por Carlos Tavares (na foto) defende que a rectificação de resultados nada alterou: a Camargo nunca reuniu as condições para avançar com uma OPA potestativa, nem com os resultados de 20 de Junho nem com a rectificação apresentada dois dias depois.

4) A quebra de mais de 25% a 25 de Junho

Certo é que, na segunda-feira, os títulos da Cimpor afundaram mais de 25% em bolsa, passando da casa dos 5 euros por acção para a casa dos 3 euros. O Negócios noticiou, nesse dia à noite, que a Camargo Corrêa não poderia avançar com uma OPA potestativa, porque não teria reunido as condições para a mesma seguir em frente. Para o operador Pedro Rodrigues, do Montepio, a queda justificou-se pelo facto de os investidores só, nessa segunda-feira, terem percebido que não haveria, mesmo, condições para a OPA potestativa. Uma queda que está a ser investigada pela CMVM.

Ocorreu a sessão de terça-feira, 26 de Junho, com a Cimpor a cair mais 2%. Nesse dia, pouco depois das 22 horas, é publicado um documento, pela Camargo Corrêa, a confirmar a “inviabilidade de aquisição potestativa ao abrigo do código de valores mobiliários”.

A confirmação ditou a quebra de quase 11% na quarta-feira. Um dia em que também ocorreu uma conferência de imprensa da Camargo. José Édison anunciou, nesse dia, que a Cimpor iria ficar em bolsa, pelo menos, mais seis meses. Seguem-se mais dois dias de quebras para a Cimpor que, na sexta-feira, chegou a descer aos 2,93 euros, o preço por acção mais baixo desde 1998.

5) O diferendo entre ATM e CMVM: alienação potestativa

Ao longo dos dias, esteve também a ser questionada a possibilidade de os investidores avançarem com uma alienação potestativa, prevista no código de valores mobiliários no artigo 196º. Esta alienação é a possibilidade de os investidores venderem as acções que ainda detém, após o fim da OPA.

Contudo, fonte oficial da CMVM veio esclarecer ao Negócios, na sexta-feira dia 29, que “não estão reunidas as condições para a alienação potestativa, uma vez que não estão reunidas as condições para a aquisição potestativa”. Algo contestado pela ATM, que indica que o artigo 196º, da alienação potestativa, não está dependente do artigo 194º, dos resultados da aquisição potestativa.

A presente semana começou com uma ligeira descida da cimenteira, contrariada, no dia seguinte, por uma valorização de 11,76%. Nesse dia, o “Diário Económico” avançou que era “quase certo” que a Camargo iria retirar a Cimpor da bolsa, depois de concluída a permuta de activos acordada com a Votorantim, ou seja, num prazo de seis meses.

6) O futuro

Para isso, a brasileira, que já tinha admitido essa possibilidade no prospecto, iria aprovar, em assembleia-geral, a perda de qualidade de sociedade aberta, e assim retirar a empresa da bolsa. Uma perda de sociedade aberta que deverá acontecer com base no preço definido por um auditor independente. Ou então, a Camargo seguirá com a compra, após seis meses depois da OPA, das acções restantes pelo preço médio dos últimos seis meses, caso siga o código de valores mobiliários.

A incerteza, portanto, continua. As dúvidas têm feito com que a Cimpor se destaque, diariamente, pelo elevado volume de acções, mesmo apesar de estar fora da principal montra da bolsa nacional, o PSI-20, e de só apenas 5% do capital estar disperso em bolsa. No conjunto das 10 sessões que já se viveu após o fim da OPA, já foram negociadas 20 milhões de acções da Cimpor, cerca de metade do capital ainda cotado.

(Notícia rectificada às 12h03: O documento enviado à CMVM que rectifica os resultados da OPA foi emitido pela NYSE Euronext e não pela Camargo, como estava anteriormente indicado)

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