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Cinco crimes de mercado investigados pela CMVM

Compras realizadas antes do anúncio de fusões, operações realizadas sempre na véspera da divulgação de informação privilegiada ou compra de acções no leilão de fecho para puxar pelo preço. São alguns dos casos que fizeram disparar o alarme da CMVM e que foram investigados pelo regulador do mercado de capitais.

Victor Machado
20 de Junho de 2018 às 15:15
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O administrador que só negociava na véspera de informação privilegiada

Durante cerca de dois anos, um investidor particular negociou acções de uma determinada empresa. Mas há um pequeno senão. As operações de compra eram sempre realizadas na véspera de divulgação de informação privilegiada. Os títulos eram depois mantidos em carteira alguns dias e vendidas depois com a realização de mais-valias, devido à valorização provocada pela divulgação de informação.

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiu ainda que a transacção de acções apenas começou após o investidor em questão assumir funções de membro do conselho de administração de uma sociedade totalmente dominada pela empresa onde investia. "À data dos factos, exercia, ainda, funções de assessoria da administração de S", adianta o regulador no seu Relatório de Actividade e Contas relativo a 2017.

Face a estes movimentos, a CMVM decidiu comunicar ao Ministério Público este caso, por indícios de abuso de informação. O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa entendeu que "(…) todas as transacções foram efectuadas com uma tal proximidade temporal dos comunicados ao mercado (…) que não é credível que as suas opções para operações de bolsa não se prendam com o conhecimento privilegiado do arguido (…)", não tendo sido "(…) abalados, nesta fase processual (…)" os indícios da prática dos factos pelos quais o arguido vinha acusado. O investidor foi condenado pela prática de quatro crimes de abuso de informação, mas recorreu da sentença.

"Queres pôr Z para fazer X€, não é?"

Ao longo de um ano, um investidor qualificado, intermediário financeiro especializado na gestão de activos, efectuou operações de compra de uma determinada acção. Segundo a CMVM, as transacções tinham um nível de liquidez intermédio. As operações envolviam normalmente pequenas quantidades, mas tinham especial incidência nos leilões de fecho, sobretudo nos últimos instantes, provocando "de forma sistemática e reiterada" impactos positivos na cotação das acções.

"As compras foram efectuadas para as carteiras de fundos de investimento que o intermediário financeiro geria por contrato", refere o regulador. Estes fundos detinham uma participação qualificada na empresa em questão, acumulando uma menos-valia de cerca de 50%, face ao preço médio de aquisição. A CMVM concluiu, assim, que com estas aquisições, realizadas já nos leilões de fecho, o investidor pretendia sustentar o preço de fecho.

Os registos fonográficos citados pela CMVM confirmavam precisamente esta intenção: "queres pôr Z para fazer X€, não é? Sim sim… Pronto, fechou a X". E as operações em causa surtiram um efeito positivo na acção. Nas sessões em que comprou no leilão de fecho, o preço foi em 87% dos casos superior ao preço médio das transacções efectuadas durante a sessão. Em 2016, o Tribunal Criminal de Lisboa condenou dois dos arguidos (colaboradores do intermediário financeiro especializado na gestão de activos, um deles assumindo funções de chefia e direcção) ao pagamento de quantias pecuniárias (a título de multas penais), pela prática em co-autoria por manipulação do mercado.

Investimento de 750 mil euros antes de proposta de fusão

Nem todos têm o poder de antecipar o anúncio de operações de mercado, mas um então administrador executivo de um banco e a sua mulher parecem ter feito jackpot quando decidiram investir mais de 750 mil euros na compra de títulos de uma empresa, precisamente no dia em que foi anunciada uma proposta de fusão com outra sociedade. A CMVM concluiu que o montante envolvido na operação não apresentava precedentes no padrão histórico dos investidores e o investidor exercia funções de administração num banco com uma participação qualificada numa das sociedades cotadas envolvidas na fusão proposta.

O caso foi a julgamento em 2015, tendo entretanto sido alvo de recursos. Durante as sessões de julgamento, o arguido justificou a compra "certeira" com uma notícia que ouviu na rádio, durante uma viagem de carro, onde era referido um aumento do volume transaccionado no mercado nessa manhã. Na sentença, o investidor acabou por ser absolvido. O Tribunal Criminal do Porto (TCP) invocou o princípio in dubio pro reo: "Foi coincidência? Não sabemos. Foi com base em informação privilegiada? Também não o sabemos".

Cargo em supervisor evita perdas

Com um cargo numa autoridade de supervisão e uma formação académica especializada, um investidor terá tirado proveito de informação privilegiada para evitar uma perda significativa. De acordo com a CMVM, o investidor vendeu as acções que detinha numa sociedade no último dia antes da "divulgação de informação privilegiada de carácter muito negativo, permitindo ao investidor evitar uma perda significativa".

O Ministério Público (MP) considerou que o arguido "(…) bem sabia que, enquanto trabalhador do […] se encontrava sujeito a segredo quanto aos factos cujo conhecimento lhe adviesse exclusivamente do exercício dessas funções, estando-lhe vedada a divulgação ou utilização dessas informações". Face a isto, o MP proferiu três decisões de suspensão provisória, que envolveram perda das mais-valias obtidas pelos arguidos e pagamento de injunções a favor de instituições de solidariedade social.

Compra em dia de anúncio de OPA

Um investidor comprou acções no dia em que foi publicado o anúncio preliminar de OPA, mas antes da sua divulgação. Os títulos foram vendidos imediatamente no dia a seguir, com uma mais-valia. Devido a tratar-se de um investidor especialmente habilitado próximo de "insiders" da OPA devido à sua actividade profissional e ter sido a única vez que negociou acções desta empresa num período de três anos, a CMVM participou ao MP o caso, por indícios de abuso de informação.

Ainda assim, o Tribunal Criminal de Lisboa acabou por absolver o arguido em 2017, na "ausência de verificação do pressuposto informação privilegiada". O MP recorreu da sentença absolutória.

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