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Banca, bónus e disparidades

Foram 28,5 mil milhões de dólares distribuídos em bónus pela florescente cultura de Wall Street, o equivalente ao dobro do pagamento anual auferido por cerca de um milhão de norte-americanos que trabalham a tempo inteiro e recebem o salário mínimo. Nem a crise financeira de 2008, nem as tentativas para regular os comportamentos de “alto risco” da banca conseguem impedir que nela se viva uma eterna Primavera

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"As práticas remuneratórias de Wall Street contribuíram para uma cultura irresponsável e imprudente e para uma mentalidade ‘trimestre-a-trimestre’, a qual, por sua vez, semeou o caos no nosso sistema financeiro".

 

As palavras são de Barack Obama, num discurso proferido a 4 de Fevereiro de 2009, duas semanas depois de ter tomado posse como presidente dos Estados Unidos. Seis anos passados e o presidente continua a insistir com os reguladores para que alguma acção concreta seja, finalmente, tomada. Sem qualquer efeito aparente.

 

No passado dia 11 de Março, o New York State Comptroller – entidade responsável, entre competências várias, pela auditoria das operações governamentais, publicou os últimos números referentes à última "época de caça ao bónus" dos senhores de Wall Street: em 2014, a banca distribuiu a módica quantia de 28,5 mil milhões de dólares entre os seus 167,800 empregados, um valor 3% superior comparativamente a 2013, e tendo em conta que os lucros da indústria financeira sofreram um declínio de 4,5% no mesmo período. Estes bónus anuais, como é sabido, consistem numa recompensa extra "por cima" do salário base dos trabalhadores da área financeira – um espécie de cereja no topo de um bolo que já é suficientemente calórico: a um salário médio na ordem dos 200 mil dólares, acrescenta-se mais 172,860 dólares.

 

De forma a colocar estes números em perspectiva, o Institute for Policy Studies comparou os prémios generosos de Wall Street com os rendimentos dos trabalhadores norte-americanos que auferem os salários mais baixos. Num paper denominado The Wall Street Bonus Pool and Low-Wage Workers, assinado por Sarah Anderson, responsável pelo Global Economics Project, foram igualmente estimados os ganhos/peso que estes prémios chorudos teriam na economia norte-americana se somas similares fossem antes parar aos bolsos de milhões de trabalhadores que se encontram na base da escala das remunerações.

 

Os 28,5 mil milhões "doados" aos trabalhadores de Wall Street representam o dobro do pagamento anual auferido por cerca de um milhão de norte-americanos que trabalham a tempo inteiro, recebendo o actual salário mínimo federal de 7,25 dólares por hora. A dimensão dos bónus globais cresceu 27% comparativamente a 2009, a última vez que o Congresso aumentou o salário mínimo.

 

paper em causa fez ainda outras contas adicionais. Em 2014, milhares de trabalhadores alocados a diversos sectores que praticam os salários mínimos reuniram-se em manifestações várias em torno de um "salário justo", exigindo que o valor por cada hora do seu trabalho ascendesse aos 15 dólares. Apesar de serem ainda poucas, algumas cidades, incluindo Seattle e São Francisco, ganharam esta batalha. E, apesar também de este valor ser o dobro do que se pratica na esmagadora maioria dos sítios, mais uma vez o "bonus pool" de Wall Street coloca em perspectiva os montantes astronómicos oferecidos pela indústria financeira aos seus leais empregados. De acordo com Sarah Anderson, este valor é tão descomunal que seria mais do que suficiente para aumentar os ordenados dos cerca de 2,9 milhões de trabalhadores que trabalham no sector da restauração, para pagar os serviços de cuidados domiciliários de 1.5 milhões de pessoas e ainda para cobrir a duplicação do salário mínimo por hora de todos aqueles que trabalham no sector da preparação e serviços defast food, número que ascende a 2,2 milhões de pessoas.

 

O Global Economics Project foi ainda mais longe e faz os cálculos no que respeita ao valor destes montantes em bónus no peso da economia. Se é verdade que ao receberem estes bónus, os seus felizes receptores não resistem em animar o mercado dos produtos de luxo, um aumento no salário mínimo teria, na economia norte-americana, um peso muito mais expressivo. Na medida em que os trabalhadores de baixo rendimento tendem a gastar todos os dólares que recebem para satisfazer as necessidades mais básicas, existe um efeito cascata na economia. Com base em multiplicadores fiscais standard, estabelecidos pela Moody’s Analytics, por cada dólar extra que entra nos bolsos de um norte-americano que aufere rendimentos elevados, apenas 39 centavos de dólar são acrescentados ao PIB. Por seu turno, por cada dólar extra que caia no bolso dos trabalhadores de baixos rendimentos, a economia norte-americana ganha 1,21 dólares.

 

Em suma, se os 28,5 mil milhões de dólares pagos em bónus em 2014 fossem utilizados para aumentar o salário mínimo destes trabalhadores, o PIB americano teria crescido 34,5 mil milhões de dólares, o que se traduz em mais do triplo do que é esperado pela distribuição deste astronómico montante aos colaboradores de Wall Street: 11, 1 mil milhões.

 

 

As lições que não se aprendem

 

Foi preciso assistirmos ao descalabro da indústria financeira, em 2008, para que a há muita famosa cultura de bónus de Wall Street fosse entendida como um excelente incentivo para comportamentos de alto risco e, consequentemente, como mais de meio caminho andado para fazer perigar toda a economia. Na altura, e no discurso já citado de Obama, o presidente sublinhava que a América sempre tinha acreditado que os sucessos tinham de ser recompensados, mas que o que enfurecia as pessoas – e com toda a razão – resumia-se ao facto de "os executivos estarem a ser recompensados pelos seus fracassos", especialmente quando essas recompensas eram subsidiadas pelos próprios contribuintes. "O facto de os executivos se ‘auto-recompensarem’ com pacotes de compensações no meio de uma crise económica não revela apenas mau gosto, como má estratégia", afirmava. E jurava não tolerar tal infâmia enquanto presidente.

 

 

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