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As dores da democracia

“O contrato implícito no sistema democrático – de que os políticos oferecem prosperidade em troca de votos – foi quebrado”. Esta é uma das ideias-chave do livro “The Last Vote: The Threats to Western Democracy”, no qual são exemplarmente catalogadas as principais ameaças ao sistema democrático actual. A desilusão com os políticos, em conjunto com a dieta da austeridade, está a favorecer o regresso das alas extremistas. Mas este é apenas um dos efeitos secundários indesejáveis do défice democrático

17 de Janeiro de 2014 às 14:10
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“A democracia é o pior de todos os sistemas, com excepção de todos os outros”. Esta famosa declaração, proferida por Winston Churchill em 1947, está de regresso às bocas de muitos analistas e pensadores do século XXI e têm sido vários os autores que se têm debruçado sobre as maleitas da democracia e sobre possíveis forma de restaurar o seu significado, algo que também nunca foi fácil definir.


E, em ano de eleições europeias, depois de mais de cinco anos a sofrer de uma dupla crise, económica e social, o que desejarão os eleitores do Velho Continente? Dar-se-ão ao trabalho de irem às urnas? E, se assim for, penalizarão as políticas de austeridade? Lembrar-se-ão dos elevados níveis de desemprego que teimam em persistir? Ou da protecção social que, entretanto, lhes foi retirada? Ou das oportunidades educacionais negadas a milhões de jovens? Ou estarão, ao invés, mais esperançados com a ligeira recuperação que se começa a sentir nesta Europa tão fustigada por desigualdades crescentes? Acreditarão que os líderes europeus se irão esforçar para inverter o caminho até agora seguido, que a Europa lhes poderá tornar a oferecer empregos de qualidade e um futuro firme que procure um fim para a austeridade, para a incerteza e para a divisão que se instalou no seu território? Terão os cidadãos europeus a vontade de votar por candidatos que possam alterar a forma como a União Europeia tem vindo a ser gerida? Ou lembrar-se-ão, estes mesmos cidadãos, agora com um sentido mais apurado de crítica, de que a Europa não tem agido em seu prol, mas antes em prol de políticas estabelecidas por entidades “maiores” que decidem o seu futuro?


As perguntas acima elencadas não são de fácil resposta, mas a verdade é que os cidadãos dos 28 países que terão de votar para eleger o Parlamento Europeu, em Maio deste ano, não deverão fugir à regra que tem vigorado há já umas boas décadas: a participação eleitoral tem vindo a decair gradualmente e a desilusão com os políticos é um fenómeno cada vez mais enraizado. Ou, como soam os alertas: a democracia está doente e, sem remédios para a sua cura, podemos estar a braços com efeitos secundários profundamente indesejáveis.


“Tornámo-nos gradualmente complacentes relativamente aos nossos sistemas democráticos e profundamente cínicos face aos políticos que lideram os nossos governos. Em todo o mundo ocidental, a participação eleitoral tem vindo a cair continuamente nos últimos 40 anos; o declínio é igualmente visível na adesão aos partidos políticos. A ausência de participação ao nível das bases na democracia cria um desafio para os estados ocidentais, numa altura em que estes enfrentam um crescimento letárgico no seguimento da crise financeira. O contrato implícito no sistema democrático – de que os políticos oferecem prosperidade em troca de votos – foi quebrado”.


O excerto acima traduzido foi retirado do livro “The Last Vote: The Threats to Western Democracy”, escrito por Philip Cogan, jornalista económico do Financial Times ao longo de mais de 20 anos e actualmente responsável pela coluna Buttonwood da revista The Economist. Ao longo de 10 capítulos, o autor faz um excelente trabalho a catalogar os problemas inerentes à democracia moderna – sem esquecer também a história deste sistema que se foi disseminando no mundo ocidental nos últimos 100 anos – devotando, no entanto e apenas, dois capítulos, menos convincentes, no que respeita a formas de os poder solucionar. Todavia, o livro oferece material mais do que suficiente para convidar à reflexão. O VER sumariza de seguida algumas das principais ideias formuladas por Coggan e convida os seus leitores a juntarem-se ao debate.


A dupla ameaça à democracia
Para Philip Coggan, as ameaças ao sistema democrático no Ocidente têm um carácter de “cara ou coroa”. Em entrevista ao website democraticaudit.com, Coggan afirma que este défice democrático pode ser vislumbrado das bases para o topo, mas também do topo para as bases. No primeiro caso, a ameaça provém do facto de “a democracia vigorar há 100 anos no mundo ocidental com base numa participação adulta plena mas, e mesmo assim, ter sofrido alguns revezes ao longo deste período”, destacando a Europa nos anos de 1930 que se viu a braços com um sistema de autoritarismo – como resposta à Grande Depressão e, durante os anos de 1970 e inícios da década de 80, o mesmo aconteceu na América Latina, com um regresso à autocracia. Como refere, “a vacilação do sistema democrático ocorreu em períodos de crises económicas e a democracia era assumida como um contrato ou acordo – [tal como a definia o economista Joseph Schumpeter ] – no qual os líderes eleitos prometiam a prosperidade aos seus eleitores e estes, em troca, davam o seu consentimento para serem governados nessa base”. Ora, explica o autor, os últimos anos demonstraram o quão difícil se tornou oferecer prosperidade aos cidadãos, o que levou à quebra do contrato. Adicionalmente, ao facto de a participação eleitoral apresentar níveis cada vez mais baixos (fenómeno bem ilustrado no livro), juntou-se a desilusão manifestada pelos cidadãos relativamente aos políticos que os representam.

 

Inversamente, a questão do topo para as bases é explicada por uma alteração da “arquitectura democrática”. Recorrendo à génese da democracia, a ateniense, Coggan relembra que esta tinha como base a participação massificada, em que os cidadãos (com excepção, é claro, para as mulheres e os escravos) se reuniam para tomar decisões, algo que funcionava para uma cidade pequena, mas não para um estado-nação. Assim, e do século XVIII para a frente, o despertar de uma nova democracia teve como base o modelo representativo, com os eleitores a terem o direito de escolher, e de demitir, os seus governantes. Mas, e como escreve Coggan, rapidamente caminhámos para um terceiro modelo no qual os nossos representantes delegam as decisões em “especialistas” – aos bancos centrais independentes, aos tribunais internacionais, às agências tecnocráticas e por aí adiante.


Para o autor, esta “ delegação” pode até ser compreensível, na medida em que governar uma sociedade moderna é uma tarefa muito complexa, mas e ao mesmo tempo, tal reduz o sentido de responsabilização democrática. “Com os políticos, é possível demitir os ‘parasitas’ quando eles nos desagradam. Mas se as pessoas mais poderosas do mundo são os responsáveis pelos bancos centrais, como Ben Barnanke [o presidente da Reserva Federal Americana, entretanto substituído por Janet Yellen], ou Mario Draghi [presidente do Banco Central Europeu] ou Mark Carney [governador do Banco de Inglaterra], como é possível demiti-las?”, questiona.


Assim, esta desresponsabilização da elite política contribui ainda mais para a desilusão do eleitor comum. E, aliado a este facto, existe um outro que conhecemos sobejamente: “são muitos os cidadãos que sentem que os partidos ‘mainstream’ na maioria dos países europeus têm poucas diferenças políticas”. Ou seja, os governos que estavam em funções no início da crise foram destituídos, mas a oposição que os substituiu nas funções de governação acabou por seguir programas similares de austeridade, respondendo às exigências de “poderes maiores”.

 

 

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