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"As exportações são a porta de saída da crise"

O banqueiro Ricardo Salgado e o empresário Paulo Fernandes falam da experiência - e da necessidade - de exportar e internacionalizar. É por aí que se está a crescer. Eis como. E para onde

"As exportações são a porta de saída da crise"
11 de Abril de 2011 às 10:57
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O BES está em 24 países e conhece as necessidades das empresas nos seus processos de internacionalização e exportação, que acompanha, assessora e financia. Já a Altri, empresa "irmã" da Cofina (proprietária do Negócios), exporta mais de 90% da sua produção, contribuindo para as exportações nacionais da fileira florestal. Para frisar a ambição dos prémios à exportação e internacionalização, lançados nesta edição pelo Negócios e pelo BES, reunimos os presidentes executivos dos dois grupos. O banqueiro e o industrial falam do que conhecem por dentro.

Quais são os sectores económicos com mais oportunidades nas exportações?
Ricardo Salgado: Para começar, a fileira florestal, que teve um desempenho absolutamente espectacular no ano passado. A Altri está de parabéns. 2010 foi um ano muito difícil e as exportações cresceram mais de 40% na pasta e 50% no papel. Há outra empresa que vale a pena referir, a Portucel, que hoje é um dos principais produtores de papel da Europa. No sector automobilístico, a Autoeuropa é um modelo de sucesso mas gostaria de referir outras empresas médias. Uma de que raramente se fala é a Sodecia: começou a produzir componentes para a Auroeuropa, internacionalizou-se a partir da experiência adquirida em Portugal para seis países, hoje é global, tem unidades de produção nos Estados Unidos e Brasil, exporta para China... Há empresas de dimensão média que estão num dinamismo tal que rapidamente se poderão classificar como grandes. E muitas são desconhecidas, o que é pena, há muitos empresários a trabalhar muito bem e que não são divulgados.

Esse é um dos objectivos deste prémio: dar a conhecer mais casos.
RS: Sim. Mas há mais sectores onde isso acontece: por exemplo no sector das máquinas - eléctricas, mecânicas, equipamento industrial - Portugal está a exportar muito bem.

E nos sectores tradicionais?
RS: Voltamos a ter empresas de referência mundial nos bens alimentares, basta pensar no grupo Nutrinveste, um dos principais produtores de azeite do mundo, ou na Sogrape, nos vinhos. Portugal tem marcas extraordinárias. Voltando à fileira florestal: Portugal é o número 1 na cortiça a nível mundial, onde o grupo Amorim é incontornável. A cortiça é um sector tradicional, passou mal mas já voltou a crescer.

O que aconteceu no calçado, também.
RS: Tivemos uma destruição de empresas muito forte no têxtil e no calçado. Mas conseguimos ultrapassar essas dificuldades, pela concentração e pela inovação, no têxtil e mais até no calçado. Há todo um segmento novo na área da inovação, que começa a ter expressão grande. Por exemplo, na Saúde, a Bial e a Hovione têm tido um sucesso marcante; nos softwares, há várias empresas com grande sucesso a nível internacional, muitas através da ligação muito positiva das universidades aos pólos empresariais. Temos de contar fundamentalmente com as exportações para ultrapassar as dificuldades que temos no mercado doméstico, que está marcadamente em contracção pelas medidas de política que tiveram de ser tomadas.

As grandes exportadoras podem criar mais exportadores, se tiverem fornecedores portugueses que levam consigo. Portugal tem uma rede de PME que podem ser fornecedores competitivos?
PAULO FERNANDES: A experiência da Altri é positiva. Temos vários exemplos, quer na exploração florestal, quer na produção, quer no sector da logística. Trabalhamos com PME que estão internacionalizadas e que prestam serviços fora de Portugal, em áreas em que inicialmente estiveram com o nosso grupo. Há diversos casos positivos de empresas que começaram com o "know-how" adquirido em Portugal.

A Altri escolhe-as por serem portuguesas?
PF: Nós temos de ter os melhores dos melhores. Os portugueses são, nas suas áreas, os melhores, é neles que encontramos as condições de competitividade e de qualidade que precisamos. Noutras áreas procuramos parceiros internacionais.

A Altri diz que se tiver mais área florestal disponível, investirá e exportará mais (ver texto ao lado). Mas há restrições genéricas, não apenas da Altri, que se aplicam a outras exportadoras. Quais são elas?
PF: O primeiro problema é o excesso de burocracia: devia haver um plano, estável, para apoiar os exportadores nesse sentido. Há também o problema dos portos: o porto da Figueira da Foz deveria ser de águas profundas, para podemos importar e exportar, e ter um terminal logístico papeleiro com bons acessos ferroviários e rodoviários.

Ferroviários?
PF: Sim. Seria fundamental que a CP Carga funcionasse e prestasse os serviços de transporte e de logística que a indústria reclama mas que não estão disponíveis, por falta de flexibilidade e de capacidade de investimento. Esta é uma empresa que deveria ser privatizada, todos ganharíamos com isso. Outro problema de sermos portugueses é, neste momento, o crédito: há escassez e a um custo que é mais alto do que o dos nossos concorrentes.

O custo do financiamento é um ponto essencial...
RS: Esse é um ponto com que o centro da Europa terá que se preocupar. Se continuarmos a ser constrangidos pelos riscos soberanos, dificilmente conseguiremos poder apoiar as empresas em condições concorrenciais. O BES está a apoiar uma iniciativa europeia que pode ajudar a contornar esses constrangimentos, sem levar a uma mutualização dos riscos em termos europeus...

Como?
RS: Se olharmos para os programas de intervenção na Grécia e na Irlanda, as taxas de juro [nos mercados para as empresas] ficaram pior. Não é possível que as empresas dos países periféricos, mais fragilizados, possam competir se não tiverem custos do dinheiro num "level playing field" em termos europeus. O programa que estamos a apoiar defende a constituição de um fundo de garantia para PME, que poderia ser constituído com base nos princípios do BCE, em que cada País contribui com uma quota. Esse fundo daria garantias às PME dos países periféricos, credenciados por "ratings" dos bancos (de acordo com as regras prudenciais, os sistemas bancários europeus podem atribuir "ratings" às PME). Uma vez obtida a garantia, a empresa poderia recorrer ao mercado de capitais europeu em igualdade de circunstâncias e fugindo aos constrangimentos do risco soberano.

Mas, para os empréstimos às PME, há o Banco Europeu de Investimento (BEI).
RS: Sim, hoje temos o BEI, com empréstimos às PME que são repassados pelos bancos portugueses. Mas quando os "ratings" dos países são afectados, como foi o nosso caso, o BEI passa a exigir não só a garantia do banco mas um colateral em títulos da dívida pública do próprio país. Essa situação neutraliza a vantagem do BEI em grande parte. Voltamos a estar presos neste "cerco infernal" do risco soberano.

A UE ainda é o principal destino das nossas exportações, mas é para fora dela que há maior crescimento. Para que novas geografias se devem concentrar as exportações?
RS: Os mercados europeus estão mais envelhecidos, podem aumentar a procura com a ligeira recuperação económica que se verifica na Europa Mas a caminhada no sentido da internacionalização é incontornável.

E a China também.
PF: Sim, no sector das commodities, que é o nosso, a China não pode ser esquecida. Em 2010, 7% das nossas vendas foram para a China, este ano será mais.

E além da China e Índia?
RS: Devíamos olhar muito para a América Latina. Não só o Brasil, há outros países que estão a evoluir muito bem do ponto de vista económico, como a Colômbia, o Peru, a própria Venezuela, o México, mesmo a Argentina.

A nacionalização da Cosec falhou. Mas os seguros de crédito são uma reivindicação dos exportadoras.
PF: Os seguros de crédito são importantíssimos. A crise financeira afectou a capacidade creditícia das empresas e os seguros de crédito, sobretudo os apoiados pelo Estado, são essenciais. Concorremos com outros países que têm outras condições.

Tem de ser o Estado?
RS: Não tem de ser o Estado, mas na maioria dos países europeus há uma empresa de seguros de crédito associada do Estado. Isso é essencial para apoiar as iniciativas dos empresários para países de maior risco. A Cosec funciona muito lentamente e com limitações muito grandes.
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