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Deficientes discriminados no crédito

Os deficientes com grau de incapacidade igual ou superior a 60% têm direito a condições mais vantajosas no crédito à habitação. Mas bancos e seguradoras continuam a colocar entraves ao processo

30 de Dezembro de 2013 às 09:59
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A lei de 1986, que regula o crédito à habitação para deficientes, garante que, cumpridos os requisitos necessários, os cidadãos com um grau de deficiência igual ou superior a 60% têm acesso a crédito bonificado para compra ou construção de habitação própria. Porém, quando já há um crédito contratado e a deficiência é adquirida mais tarde, nem sempre é fácil fazer a mudança para o regime bonificado.


A ausência de legislação quanto à migração para outro regime de crédito quando a deficiência é adquirida depois de contraído o primeiro empréstimo explica a posição assumida pela banca. Dos 12 bancos que responderam, em novembro, ao questionário enviado pela DINHEIRO & DIREITOS, oito afirmaram conceder crédito à habitação para deficientes e permitir a mudança de regime aos clientes que entretanto adquiram deficiência. Mas exigem todos os requisitos do Acordo Coletivo de Trabalho para o setor bancário (ACTV), como a taxa de esforço, o que acaba por inviabilizar a mudança de muitos pedidos. Embora a migração do crédito não resulte num risco acrescido para os bancos, antes pelo contrário, o vazio legal existente deixa desprotegidos os cidadãos que, tendo já um crédito, têm o infortúnio de ficar deficientes.


Dos bancos inquiridos, os únicos que apresentam uma política menos limitativa, requerendo apenas a apresentação de um atestado de incapacidade, são o Santander Totta e o Crédito Agrícola. Mas, mesmo nestes casos, nem sempre o processo é tão simples como querem fazer crer. Joaquim Martins, associado da DECO, viu o seu pedido de mudança de regime recusado pelo Santander Totta, com base na alegação de que seria um novo empréstimo, para o qual não reunia condições.


Clientes discriminados
Todos os bancos contactados, que afirmam fazer a migração do regime, garantem que o fazem sem custos e sem necessidade de nova escritura. No entanto, ao colocarem entraves aos pedidos de migração - e foram várias as queixas nesse sentido que chegaram à DECO - acabam por ter uma posição discriminatória para com eles. Uma prática tanto mais absurda quando a passagem para o regime bonificado não representa qualquer risco acrescido para a entidade bancária. Numa situação como a de Joaquim Martins, em que o crédito à habitação já tinha sido aprovado, a mudança acabaria por dar maior proteção ao banco, com o Estado a assumir a bonificação.


Independentemente da decisão de comercializar, ou não, o crédito à habitação para deficientes, as instituições bancárias deveriam ser obrigadas a fazer a migração para o regime bonificado. Não o fazendo, acabam por discriminar os clientes aos quais já concederam crédito, levando-os a requerer novo empréstimo junto de outras entidades, com as consequências que hoje isso implica: spread e taxa de juro elevados.


Prémios incomportáveis
Oito bancos confirmaram a concessão de crédito à habitação para deficientes: Millennium bcp, ActivoBank, Montepio, Banif, Santander Totta, Crédito Agrícola, Banco Espírito Santo e Banco BPI. A Caixa Geral de Depósitos não respondeu ao questionário, mas também concede este crédito. E, se não existem muitas queixas em relação à recusa dos créditos para deficientes por parte dos bancos, o mesmo não se passa no que toca às seguradoras. Perante a exigência de um seguro de vida para a concessão do crédito bonificado, muitas companhias recusam o seguro ou pedem prémios exorbitantes. Esta é uma situação já antes reportada pela DECO, mas que não sofreu alterações.


"Apesar de termos, em Portugal, uma lei antidiscriminatória de 2006, que proíbe e pune a discriminação com base na existência de deficiência e risco agravado de saúde, a legislação posterior salvaguarda as seguradoras. Estas, tendo em conta dados estatísticos, podem alegar a existência de risco de vida agravado, e recusar o seguro ou impor prémios exorbitantes", afirma Ana Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD). Para a responsável, as seguradoras aproveitam as contradições existentes na legislação. Os cidadãos com deficiência acabam por optar pelo arrendamento, onde deparam com casas pouco adaptadas e ficam dependentes da vontade dos senhorios para fazer as alterações necessárias.


Nos últimos anos, tanto a Procuradoria-Geral da República, em 2008, como o Mediador do Crédito, em 2010, emitiram pareceres em que aconselhavam a alteração da lei, com vista à clarificação e maior proteção do cidadão deficiente. Até hoje, nada foi feito.

 

 

 

Crédito bonificado para deficientes
Conheça os critérios de acesso a este regime


Grau de incapacidade: igual ou superior a 60 por cento.
Montante máximo permitido atualmente: € 180 426,40 e 90% do valor da avaliação do imóvel.
Prazo máximo: 35 anos (30 para construção) e liquidado até o mutuário completar 65 anos de idade (70 no caso de reforma por invalidez).
Taxa de juro: correspondente a 65% da taxa Refi (atualmente 65% × 0,25% = 0,1625%).
Taxa de esforço mensal máxima: 1/24 dos rendimentos anuais brutos do agregado. É considerado agregado o cônjuge ou unido de facto há mais de dois anos, e ascendentes, descendentes e filhos adotivos que vivam no domicílio permanentemente ou com periodicidade regular.
Seguros exigidos: vida (com coberturas de morte e invalidez permanente) e incêndio.

 

 

 

Consumidores exigem
Bancos sem poder para aprovar mudança


Os bancos não podem continuar a ser as autoridades competentes para aprovar um pedido de alteração de regime. Desde que esteja cumprido o requisito base da incapacidade igual ou superior a 60%, e com o crédito já em curso, à instituição bancária não deverá caber mais do que proceder à alteração do regime e informar o cliente das novas condições, como a nova taxa de juro ou a prestação a seu cargo.

 

Deve ser assegurada aos consumidores com deficiência a possibilidade de aceder a um seguro de vida cujos prémios tenham valores adequados. Poderia ser adotado um sistema semelhante ao do seguro automóvel, em que à terceira recusa o Instituto de Seguros de Portugal impõe a uma das companhias a aceitação do seguro.


A DECO fez seguir para a Assembleia da República e para os membros do Governo uma carta onde expressa as suas preocupações relativas a este assunto.

 

 

 
Quando a mudança é negada
Empregado da manutenção de uma unidade hoteleira, Joaquim Martins foi vítima, em 2005, de um acidente de trabalho. A caldeira de água quente em que trabalhava explodiu, deixando-lhe 30% do corpo com queimaduras de segundo e terceiro grau e um joelho "despedaçado". Das lesões sofridas nesse dia resultou uma incapacidade permanente de 67 por cento. 

Dois anos mais tarde, Joaquim tentou, junto do Santander Totta, o banco onde era titular do crédito à habitação, mudar para o regime bonificado aplicado aos deficientes. "Levei a documentação passada pela Junta Médica, pelo delegado de saúde, mas não aceitaram o meu pedido. Disseram que se tratava de um novo crédito", conta.


Perante os entraves colocados pelo Santander Totta, Joaquim Matias contactou a DECO, cujos juristas lhe deram razão. Contudo, este parecer não alterou a posição da entidade bancária e Joaquim acabou por deixar cair a pretensão de mudança de regime, por não ter meios para seguir com o caso para Tribunal.


Sem ter conseguido alterar o regime do crédito, Joaquim está desempregado, sendo o empréstimo pago com o orçamento do agregado familiar.


Joaquim Martins Desempregado, 54

 

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