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A viagem D’ouro volta aos carris e custa 750 euros

As viagens de luxo a bordo de um comboio cheio de história não chegaram ao fim. O Comboio Presidencial volta em 2024, num projeto que une agora a CP, o Museu Nacional Ferroviário e o chef Chakall para sublimar a “identidade gastronómica local” pela região Património da Humanidade.

Bárbara Cardoso 19 de Novembro de 2023 às 15:00

Esteve ao serviço nas visitas de Isabel II e do Papa Paulo VI a Portugal. Transportou durante décadas chefes de Estado e respetivas comitivas, sobretudo no Estado Novo. O antigo "Comboio Real" chegou em 1890 e, vinte anos mais tarde, depois de resgatadas três carruagens, entrava em circulação na linha férrea portuguesa com o nome de Comboio Presidencial.

 

Em 1970 fez a sua última viagem de serviço – o funeral de Oliveira Salazar. Fez? Não, apenas estacionou.

 

15 de novembro de 2023: Na Estação de São Bento, no Porto, o Comboio Presidencial ocupa a linha 1 para levar cerca de 70 convidados até Foz Côa. Uma viagem experimental de um projeto que só terá início em marco do próximo ano – percorrer a linha do Douro com uma experiência gastronómica de luxo a bordo.

 

As seis carruagens, de cor azul vibrante, vão estar ao serviço do novo produto turístico numa parceria entre a CP – Comboios de Portugal, a Fundação do Museu Nacional Ferroviário (FMNF) e o chef Chakall.

 

"O objetivo é que as pessoas possam desfrutar do comboio, apreciarem o valor histórico desta peça museológica e degustar um menu que foi especialmente desenvolvido por este serviço, que foi buscar os traços e o valor gastronómico desta região", frisou o presidente da CP, Pedro Moreira.

 

Dentro do museu sobre carris

 

Com três minutos de atraso, o comboio parte pouco antes das 11 horas. A bordo da experiência estão administradores da companhia ferroviária, agências de viagens, jornalistas e outros convidados. O chef Chakall vem aos compartimentos cumprimentar quem a seguir iria saborear as iguarias preparadas a bordo. A primeira, para abrir o apetite - uma míni-francesinha. Trinta minutos depois é servido um vinho do Porto com dez anos.

 

A manhã foi passada a visitar as carruagens e a ouvir histórias do "restauro vivo" que apenas pode andar 70 quilómetros por hora devido à idade. Manuel Cabral, presidente da FMNF, quer que o Presidencial seja um "museu fora do museu" e que sirva para as pessoas experienciarem e não apenas "olharem". "Este comboio foi reabilitado para ser posto na linha. Está preparado para andar. A sua casa é no Entroncamento, mas está preparado para fazer viagens como esta", frisou.

 

 Mas esta não é a primeira viagem que o Comboio Presidencial faz depois dos anos 70. Em 2010, o Museu Nacional Ferroviário decidiu restaurar as carruagens. O empresário Gonçalo Castel-Branco, em visita ao museu, viu um comboio ainda com vida. Em 2016 as viagens gastronómicas de luxo começaram e percorreram a linha do Douro até outubro do ano passado, ano em que o projeto terminou por decisão da CP e da FMNF.

 

Quando se pensava que a peça iria voltar ao Museu Nacional Ferroviário de forma permanente, a CP decidiu continuar com as viagens de luxo, naquilo que Pedro Moreira diz ser uma "experiência completamente diversificada da anterior".

 

"Quisemo-lo fazer de forma mais democrática e com um maior envolvimento da região. O que existia na experiência anterior não tinha um envolvimento tão grande. Havia um acordo com uma quinta, nós temos acordos com dez quintas e com vários restaurantes da região", contrapôs o presidente da companhia ferroviária.

 

Douro aliado a gastronomia de luxo

 

O comboio segue os cerca de 200 quilómetros de viagem lado a lado do rio Douro. Ao barulho da locomotiva juntam-se aos detalhes e mobília antiga que compõe as carruagens, que transporta os convidados numa verdadeira viagem no tempo. As hospedeiras, que em tempos apenas serviam viagens de luxo (como é o caso), levam os passageiros para a sala onde iria decorrer o almoço servido por Chakall.

 

Aquando do convite para o projeto, o chef admitiu nunca ter percorrido a linha do Douro. Comprou um bilhete de Alfa Pendular e pelo percurso - que fez ao lado do maquinista - definiu a ementa ao se inspirar nas quintas, nos campos e nas paisagens da Cidade Europeia do Vinho de 2023.

 

O cardápio foi "especialmente concebido" para o Comboio Presidencial de 2024 de forma a "representar o bom da região". "O menu grande vai ser definido por mim e pela minha equipa, mas o prato principal será sempre de um cozinheiro ou cozinheira que não tem o reconhecimento que merece", disse o chef.

 

A viagem faz uma pausa na Régua. Chakall sai para receber quatro cestas com pães provenientes de Bragança que o chef diz serem "dos melhores de Portugal". Este momento resume aquilo que quer dar ao projeto – levar a gastronomia local para uma expêriencia de luxo e promover os produtos regionais na sua cozinha.

 

O pão vinha acompanhar a manteiga queimada servida na entrada. Pela janela viam-se as paisagens de xisto e o rio a cerca de dez metros de profundidade. As iguarias iam chegando - caldo de castanha com pato confinado, polvo e lombo de vaca, tarte de vitela à mirandesa e cabrito à padeiro. As refeições foram acompanhadas com dez variedades de vinhos distintos. Antes que se possa saborear o cabrito, o Presidencial chega ao destino.

 

Regresso e futuro do Presidencial

 

A aldeia do Pocinho ganhou vida com a construção da estação ferroviária. Agora com cerca de 3.500 habitantes, e a estação terminal da Linha do Douro, onde o presidente da Câmara Municipal de Foz Côa aguardava.

 

O autarca defendeu que o Douro não pode ser como um "sunset degustativo, em que as pessoas chegam e vão embora passado meia hora". Para João Paulo Sousa, esta é a ideia que une as entidades com a autarquia – a "preocupação constante e diária para atrair gente para o território".

 

São proferidas algumas palavras numa rápida conferência de imprensa e, pelas 16 horas, o "museu vivo" (nas palavras de Manuel Cabral) fazia o caminho de volta. Pelas carruagens podia-se ouvir "La Vie en Rose" tocada a violino. Os passageiros voltaram aos lugares para acabar a refeição e continuar o resto da tarde a provar as sobremesas servidas.

 

Os custos deste "museu sobre carris" não são conhecidos. O presidente da CP não quis adiantar o montante investido por sigilo comercial, mas admitiu que se trata de um valor "elevado". "Todos entram com uma parte do negócio, todos entram com risco e vai existir uma chave de distribuição de receita em função da participação de cada um dos três neste projeto", explicou aos jornalistas.

 

Com 72 lugares, o Comboio Presidencial deve ter uma lotação de 70% para ser rentável, fixa a CP. A companhia ferroviária sabe que os preços são elevados, mas alegam que a manutenção do veiculo a isso obriga. Para quem quiser desfrutar da experiência, os bilhetes têm um custo de 750 euros por pessoa.

 

A linha do Douro só volta a receber as seis carruagens azuis em finais de marco do próximo ano. A CP vai comercializar vinte viagens que serão feitas ao longo de dez fins de semana. Finalizado o projeto, o Comboio Presidencial voltará onde pertence – ao Museu Nacional Ferroviário, no Entroncamento.

 

Passam poucos minutos das 20 horas quando o gigante azul volta a linha 1 em São Bento. À saída, os convidados foram surpreendidos pela equipa que serviu e trabalhou durante a viagem que, alinhada em duas filas, os aplaudiu. Os passageiros passaram por entre o "staff" e agradeceram de volta o serviço prestado.

 

Após a divulgação da viagem experimental, a antiga empresa dinamizadora do Comboio Presidencial abriu um processo contra a CP, a FMNF e o chef Chakall. Num comunicado publicado nas redes sociais, a Lohad acusa a parceria de "utilizar de forma não autorizada o património intelectual da empresa e o reconhecimento mundial do projeto, causando-lhes danos reputacionais elevados".

 

 * Editado por Rui Neves

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