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Uber incitou à violência contra motoristas, fez lóbi junto de governos e violou leis. O caminho para o sucesso

Dão pelo nome de “Ficheiros Uber”. São milhares de documentos entregues ao Guardian e que mostram a forma como a empresa contornou regras e fez pressão junto de governantes para pôr em marcha a sua estratégia de crescimento global.

Reuters
Negócios jng@negocios.pt 10 de Julho de 2022 às 18:33

Um valioso conjunto de documento expostos pelo Guardian e pelo Consórcio Internacional de Jornalistas (ICIJ) mostra que a gigante tecnológica Uber contornou a lei, enganou polícias, pressionou secretamente governos e incitou à violência contra os seus motoristas numa estratégia global agressiva de crescimento. O Chefe de Estado francês Emmanuel Macron é um dos rostos envolvidos.

A fuga tornada pública pelo Guardian abrange um período de cinco anos em que a Uber era gerida por Travis Kalanick, seu cofundador. Os documentos relatam a forma como a empresa introduzir o seu serviço de transporte em tantas cidades do mundo, mesmo que isso significasse violar legislação ou regulamentos relativos ao setor do táxi.

Segundo o Guardian, a documentação mostra que os gestores da tecnológica tinham conhecimento que a Uber estava a contornar a lei. Um desses executivos terá mesmo ironizado, num desses documentos, em como se tinham transformado em "piratas", tendo um segundo responsável respondido: "Somos apenas ilegais".

O acervo de documentos, entre 2013 e 2017, inclui mais de 83.000 e-mails, mensagens escritas de telemóvel  e mensagens do WhatsApp, incluindo comunicações bastante transparentes entre Kalanick e sua equipa de executivos.

Numa dessas trocas de mensagens, cita o Guardian, Kalanick terá desvalorizado as preocupações de outros elementos da equipa de que enviar motoristas da Uber para um protesto em França os colocaria risco de serem agredidos por taxistas. "Acho que vale a pena", terá respondido o confundador da empresa. "A violência garante o sucesso."

A fuga de informação reúne ainda mensagens trocadas entre Kalanick e Emmanuel Macron, então ministro da Economia francês, que terá permitido o acesso direto da tecnológica à sua equipa de trabalho no ministério.

Segundo o Guardian, Macron parece ter feito um esforço extra para ajudar a Uber no seu país, chegando a dizer à empresa que havia feito um "acordo" secreto com opositores no ministério. Uma abertura que terá até levado os executivos da Uber a parodiarem outros governantes menos abertos à estratégia da empresa.

Na Alemanha, por exemplo, Olaf Scholz, então presidente da Câmara de Hamburgo, terá mostrado resistência à entrada da Uber e defendido o pagamento de um salário mínimo aos motoristas, o que, segundo as mensagens, terá levado os executivos da tecnológica a classificarem o atual chanceler alemão como "um verdadeiro comediante".

Métodos usados são questionáveis


Os documentos libertados nesta fuga de informação descortinam ainda os métodos que Uber usou para lançar as bases de seu império. Uma das maiores plataformas de trabalho do mundo, avaliada em quase 44 mil milhões de dólares, faz atualmente um número próximo de 19 milhões de viagens por dia em todo o mundo.

Os Ficheiros Uber cobrem as operações da Uber em 40 países nos anos de 2013 a 2017, período em que a empresa se tornou um gigante global, demolindo o serviço de táxi em muitas das cidades em que opera.

De acordo com o Guardian, a estratégia da empresa passou por minar os mercados estabelecidos de táxis e pressionar os governos a reajustar as leis de forma a permitir a entrada deste tipo de plataformas, com modelos de trabalho desregulados, e serviços em cada país.

E, segundo um documento citado pelo jornal inglês, a Uber chegou mesmo a prever gastar 90 milhões de dólares de forma extraordinária em 2016 para lidar com a opinião pública e para despesas de lobbying.

Os documentos ficheiros indicam também que a Uber era adepta de encontrar caminhos não oficiais para chegar ao poder executivo nos vários países, por meio de amigos ou intermediários, obtendo encontros com políticos nos quais assessores e funcionários não estavam presentes. Em Davos, no Fórum Económico Mundial, Kalanick esteve com vários chefes de Estado e de governo.

Segundo o Guardian, a Uber conquistou o apoio de figuras poderosas em países como Rússia, Itália e Alemanha oferecendo-lhes participações financeiras na empresa e transformando-as em "investidores estratégicos".

A tecnológica terá ainda pago a prestigiados académicos para produzirem estudos que confirmassem o acréscimo económico que a sua tecnologia trazia.

Numa declaração publicada no site do ICIJ, Jill Hazelbaker, porta-voz da Uber, reconheceu "erros" que culminaram, há cinco anos, numa mudança profunda na gestão da empresa. E assegurou que a Uber mudou completamente a forma como opera, a partir de 2017, depois de enfrentar processos judiciais e investigações que levaram à demissão de Kalanick e outros executivos séniores.

"
Não arranjamos desculpas para o nosso comportamento no passado, claramente desalinhado dos nossos valores atuais. Pedimos ao público que nos julgue pelo que fizemos nos últimos cinco anos e o que faremos no futuro", defendeu a mesma porta-voz.



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