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Quer mudar o conteúdo da sua empresa na Wikipédia? Pense duas vezes

A Ariadne Capital quis usar a Wikipédia a seu favor, mas o tiro saiu-lhe pela culatra. A empresa acabou acusada de manipular as informações da sua página. Mas não é a única a querer utilizar a enciclopédia mundial como ferramenta de marketing.

Nelson Ching/Bloomberg
19 de Março de 2016 às 16:00
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A maior enciclopédia do mundo vai tentando resistir, mas o marketing também se faz na Wikipédia. O caso da Ariadne Capital é flagrante, com a tentativa de "melhorar" a sua página exposta e sujeita a acusações de tentativa de fraude. Não é a única: Whole Foods, Exxon Mobil, Pepsi e até políticos tentaram editar as páginas a seu favor.

 

A empresa de investimento britânica Ariadne Capital queria cimentar a sua posição como a "principal empresa de investimento no Reino Unido" e, para isso, contratou a agência de relações públicas Lansons Communications. Julie Meyer, CEO da Ariadne, pediu que se actualizasse a página da Wikipédia da instituição e a Lansons enviou um e-mail à enciclopédia online, que acabou por se tornar público. Resultado: a empresa foi acusada de manipular a sua página e originou comentários negativos na enciclopédia.

 

Consequência: a Ariadne Capital processou a empresa de relações públicas porque a estratégia acabou por prejudicar a sua imagem, escreveu na terça-feira, 14 de Março, a Bloomberg. O processo, a que a agência noticiosa teve acesso, não especifica a quantia que a Ariadne Capital espera receber da parte da Lansons Communication, revelando apenas que o valor é superior a 100 mil libras (127,6 mil euros).

 

O e-mail enviado pela Lansons foi, entretanto, publicado na página Wikipédia da empresa: "Gostávamos de contribuir com novas informações sobre a Julie [Meyer] para ajudar a que a página ficasse mais actualizada e precisa", pode ler-se na área de discussão da página da Ariadne. "Todas as informações serão suportadas por documentos relevantes e ligações a fontes públicas", dizia o e-mail.

 

O carácter livre da enciclopédia online Wikipédia, em que qualquer um pode propor a edição de qualquer conteúdo, começa a dar azo a que as empresas a utilizem como forma de promoverem os seus serviços.

 

A internet pode promover o anonimato, mas isso pode não passar de uma ilusão, dizia o New York Times em 2007, contando a história de John Mackey, o CEO da cadeia de supermercados norte-americana Whole Foods que foi apanhado a alterar conteúdos na Wikipédia em seu benefício e da sua empresa. John Mackey usava o nome de utilizador de "Rahodeb" (um anagrama do nome da mulher, Deborah) e não se ficou por adulterar as páginas da Whole Foods na Wikipédia, o CEO também criticava positivamente os seus livros na Amazon e, pensando estar completamente anónimo, chegou a elogiar o seu próprio penteado no portal: "Gosto do penteado do Mackey. Ele está giro!". O New York Times escreve que esta passagem ficará na história como o comentário mais vaidoso publicado na internet por um CEO.

 

O jornal norte-americano conta ainda que em 2006 alguém da Pepsi eliminou vários parágrafos da página da Wikipédia da marca de refrigerantes que falavam sobre os efeitos da bebida na saúde e os executivos da Wal-Mart apagaram a parte onde se falava das compensações que a cadeia de retalho dava aos seus funcionários.

 

Já em 2004, um funcionário da Exxon Mobil utilizou um computador da empresa de energia para fazer mudanças substanciais na página do derrame de petróleo no Alasca, em 1989, minimizando o impacto ecológico na área. Na altura, Gantt Walton, porta-voz da empresa, disse que, apesar de estas alterações terem sido feitas através de um computador da Exxon, a empresa tinha mais de 80 mil funcionários em todo o mundo, o que tornava muito difícil encontrar a pessoa que fez as alterações. O porta-voz garantiu que os funcionários da Exxon Mobil "não estão autorizados a actualizar a Wikipédia com computadores da empresa sem a autorização da mesma".

 

A página de Wikipédia do parque aquático norte-americano SeaWorld também foi adulterada, aparentemente apenas por capricho do dono do parque. Em 2007, todas as referências a "orcas" na página da enciclopédia online do SeaWorld foram alteradas para "baleias assassinas" e a passagem onde se lia que o parque "não respeitava as orcas" foi eliminado. Mais tarde, veio-se a saber que ambas as edições tiveram origem no computador do dono do parque temático.

 

A The Atlantic conta que, em 2013, o artigo sobre a cifoplastia, tratamento para fracturas provocadas pela osteoporose, tinha sido alterado. Antes era caracterizado como um procedimento "controverso" e um utilizador não identificado alterou para "procedimento documentado e estudado". Ao cruzar informações, como a identificação do computador, o nome de utilizador da Wikipédia e e-mail do sujeito, chegou-se à conclusão de que quem fez a alteração foi Kim Schelble, um funcionário da Medtronic, empresa que vendia equipamentos médicos usados para a realização de cifoplastias.

 

Esta estratégia também é usada na política. No Reino Unido, o antigo líder do Partido Conservador Grant Shapps foi acusado de editar as páginas da Wikipédia sobre os partidos rivais e sobre o próprio. Ao The Guardian, os administradores da Wikipédia revelaram que acreditam que a conta usada para fazer estas alterações era, na verdade, o próprio Grant Shapps. O político negou todas as acusações.

 

A Time conta que começa a existir uma indústria paralela de edição de páginas de Wikipédia. A revista diz que não há uma tabela de preços, mas os clientes que querem ver as suas páginas alteradas pagam entre 400 e 1.000 dólares (353 euros e 884 euros) a agências publicidade. Mike Wood, um escritor "freelancer", revelou que era pago por muitas organizações para proceder a alterações na Wikipédia: "Podem ligar agora a televisão na Fox ou na CNN e no intervalo poderão ver anúncios de empresas para as quais eu criei ou editei conteúdos". O autor diz ainda que já trabalhou com "um dos cinco maiores bancos do mundo" e até membros de "várias administrações presidenciais". As empresas utilizam sempre pessoas isoladas ou agências de relações públicas para alterar os seus conteúdos para que seja mais difícil rastrear a origem das modificações nas páginas.

 

As regras de utilização da Wikipédia dizem claramente que as contribuições pagas para a maior enciclopédia do mundo são proibidas. Um comunicado publicado no blogue da Wikimédia (empresa que gere a Wikipédia a nível global) diz que "a neutralidade é chave para a qualidade da Wikipédia. Embora não aconteça frequentemente, as edições pagas sem transparência representam um sério conflito de interesses e podem comprometer a qualidade dos conteúdos". Os conteúdos que levantem dúvidas no que respeita à objectividade são levados para a página de discussão, onde os utilizadores debatem a entrada.

 

Em Setembro do ano passado, a Wikipédia tinha anunciado que expulsou 381 perfis de editores por "fraude" e "extorsão" por estes terem, a troco de remuneração, criado artigos sobre empresas e particulares. "Depois de semanas de investigação, os editores voluntários da Wikipédia em inglês anunciam hoje [31 de Agosto] que foram bloqueados 381 utilizadores" que aceitam e cobram dinheiro para promover interesses externos, pode ler-se no blog da Wikipédia.

 

Já no passado domingo, 13 de Março, Jimmy Wales, o fundador da maior enciclopédia do mundo falou sobre as empresas e pessoas que editam páginas a seu favor. "As empresas acham que é uma ferramenta de marketing poderosa, mas eu acho que elas são loucas e devem deixar-nos em paz", disse Wales citado pela Tech Crunch.

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