Notícia
Os novos tempos também chegam aos velhos negócios
A tradição já não é o que era mas, em muitos casos, apenas porque se tornou melhor. Conheça três negócios que exploram nichos de mercado em áreas onde muitas empresas estão a desaparecer, porque conseguiram adaptar-se a novos modelos de concorrência
22 de Julho de 2010 às 10:48
E se de um excedente de produção a contar com o boom do ano 2000, de uma desistência da parceira de negócios para abrir um café ou da mudança de modas, que fez com que determinado tipo de botas deixasse de ser usado, não resultassem fracassos? E se daí viesse a chama para dar o toque de inovação necessário para renovar três negócios tradicionais, familiares, que em áreas distintas se afirmaram como modelos de criatividade? Deram a volta ao texto e reescreveram a história, juntando-lhe uma perspectiva de internacionalização. Se assim fosse provava-se, mais uma vez, que os modelos tradicionais não estão condenados à morte… como aconteceu.
À família de Sandra Correia a cortiça chegou em 1935, quando o avô da empresária montou uma fábrica. A unidade começou por produzir tacões de sapatos e algumas rolhas. Uns anos mais tarde a estrutura foi industrializada, já sob a direcção do pai da empresária que reposicionou o foco da produção para os discos de cortiça natural. O produto, usado nas garrafas de champagne e espumante, ganhou lugar central, numa aposta que se revelou certeira. Mais ainda porque aconteceu antes da passagem do milénio, altura em que todos os fabricantes da bebida por excelência das grandes comemorações engordaram stocks e se preparam para grandes festejos. Na altura isso valeu à entretanto renomeada de Nova Cortiça uma produção diária de cerca de 2 milhões de discos, para um milhão de garrafas.
Nos anos seguintes uma quebra acentuada nas encomendas, consequência de algum exagero nas estimativas das marcas, que avaliaram mal a dimensão dos festejos para a entrada no ano 2000, obrigou a empresa - entretanto envolvida na modernização de toda a linha de produção para cumprir normas de qualidade - a pensar em alternativas.
E foi para dar uso a um excedente da produção que Sandra Correia, administradora da Nova Cortiça, juntamente com o pai, que dirige a empresa, levou para o terreno uma ideia que cozinhava na cabeça de Sandra, fazendo as primeiras peças do que viria a ser uma colecção de produtos de pele de cortiça.
Passaram cinco anos. "De tanto plantarmos acabámos por colher", diz Sandra. A colecção de produtos de cortiça expandiu-se, no número de peças à venda e nas montras que foi conquistando. A mais recente, e uma das mais importantes conquistas a apontar, é a presença no Moma, em Nova Iorque. O museu quis dar espaço de exposição aos produtos portugueses e o IAPMEI fez a ponte até à Pelcor (empresa que nasceu do projecto e que é hoje autónoma) que usou a oportunidade para acelerar o processo de internacionalização. Os Estados Unidos eram um dos mercados já explorados mas os impactos positivos de um maior conhecimento da marca começam agora a sentir-se. Reflectem-se num maior número de visitas ao site da empresa e numa receptividade diferente dos potenciais clientes. Pelo caminho ficou muita dedicação à ideia, perseverança e cuidado para não dar passos maiores que a perna, garante.
Serviço prioritário… sempre
Paulo Apolónia recorda a mesma receita quando conta a história do negócio da família: a mercearia que era para ser um café/restaurante e se tornou uma das lojas mais conhecidas do Algarve pela diversidade de produtos que entrega ao cliente. Avelino Apolónia veio do Canadá, onde trabalhou 10 anos, com intenção de montar um café/restaurante em Almancil. Já com o espaço preparado e equipamentos comprados, a esposa Célia disse-lhe que não partilharia com ele o projecto. Avelino decidiu não avançar sozinho, mas já era tarde para desistir do investimento em equipamento e as hipóteses de troca propostas pelo fornecedor também não eram muitas. Acabou por optar por um supermercado. O filho Paulo, que juntamente com o irmão e o pai mantêm a gestão do negócio, conta que desde o início houve um esforço grande para criar uma oferta diferenciada do comum a qualquer supermercado. Muito centrada no serviço ao cliente e tão diversificada quanto possível.
Dos três empregados iniciais, os supermercados Apolónia contam hoje com 300 e preparam a expansão para novas lojas, dentro e fora do País. Paulo Apolónia acredita que a experiência de cozinheiro numa empresa de catering que o pai trouxe do Canadá foi chave para o sucesso do negócio. Porque no país por onde passou já se experimentavam sabores diferentes: a qualidade de serviço ao cliente era fortemente valorizada e a isso juntou-se o domínio do inglês, relevante numa região fortemente marcada pelo turismo. "Quando nasceu o minimercado já tinha uma orientação muito dirigida e um conceito de serviço muito próprio", defende Paulo, recuando a 1983, altura em que o negócio deu os primeiros passos, pela mão dos pais.
Ao longo dos anos a evolução fez-se para responder aos pedidos que os clientes foram fazendo. Foi assim com a incorporação de uma peixaria e de um café no espaço do supermercado, ou com a criação de um serviço de entregas ao domicílio. "De alguma forma sempre nos limitámos a satisfazer os pedidos dos clientes", explica Paulo Apolónia.
Qualidade sobre o design
E também foi assim que Luís Couto conseguiu trazer a Trofal, que aos 18 anos criou com o pai, até aos dias de hoje. Tal como no caso dos supermercados Apolónia ou da Nova Cortiça, que ajudou a fazer nascer a Pelcor, os nichos de mercado estiveram desde início no horizonte dos empresários atrás dos negócios, mas o segredo passou por saber seguir o nicho certo.
Na Trofal, as tradicionais botas alentejanas ajudaram a dar o pontapé de saída do negócio numa fábrica já semi-industrializada, que misturava técnicas tradicionais com processos mais modernos. As modas mudaram e os empresários tiveram de procurar outras oportunidades. Luís Couto conta que em algumas alturas não foi fácil resistir à tentação de fugir do calçado mais técnico para uma produção em massa de produtos mais baratos, sobretudo em alturas de crise, quando o critério preço ganha relevância na balança do cliente. A falta de mão-de-obra especializada na região ajudou a impedir esse caminho e a mantê-lo fiel às linhas Goodyear, confessa.
A Trofal passou entretanto pelo calçado militar e pelas botas de bombeiro, que ainda fabrica e que representam uma fatia importante do negócio. A par com esta área tem procurado expandir a oferta para o mercado de consumo. Resiste à concorrência de preço e premeia o conforto e a resistência dos produtos que fabrica, o que lhe tem valido uma clientela fiel dentro e fora do País, uma vez que fabrica para toda a Europa. "A nossa preocupação principal nunca foi o design mas mais o conforto, a resistência e a durabilidade", assegura Luís Couto, que sempre conseguiu conduzir o negócio sem recurso a apoios do Estado. Queixa-se da concorrência desleal dos produtos que entram na comunidade europeia e chegam às lojas a preços fortemente competitivos, conseguidos à custa de legislação muito menos restritiva nos países de origem, do que aquela a que estão sujeitos os produtores de calçado no espaço europeu. E aí via com bons olhos intervenção dos poderes políticos. Contra o fenómeno tem refrescado estratégias e redobrado esforços que o levem para mais perto do potencial cliente. A presença em certames internacionais combina-se com a procura continua de novas parcerias para a distribuição e no contacto directo com o cliente existe uma marca própria e um site que, mais do que uma montra é também uma loja, ou uma forma de facilitar o acesso a uma, onde possa comprar-se os produtos fabricados pela empresa.
O factor Internet tornou-se aliás nos três casos uma ferramenta importante de contacto com o potencial cliente que, a diferentes níveis, ajudou a contornar limitações de escala. O mesmo estatuto de arma para a modernização parecem ter tido a capacidade de perceber o mercado, não descurar pormenores e (re)agir na altura certa.
À família de Sandra Correia a cortiça chegou em 1935, quando o avô da empresária montou uma fábrica. A unidade começou por produzir tacões de sapatos e algumas rolhas. Uns anos mais tarde a estrutura foi industrializada, já sob a direcção do pai da empresária que reposicionou o foco da produção para os discos de cortiça natural. O produto, usado nas garrafas de champagne e espumante, ganhou lugar central, numa aposta que se revelou certeira. Mais ainda porque aconteceu antes da passagem do milénio, altura em que todos os fabricantes da bebida por excelência das grandes comemorações engordaram stocks e se preparam para grandes festejos. Na altura isso valeu à entretanto renomeada de Nova Cortiça uma produção diária de cerca de 2 milhões de discos, para um milhão de garrafas.
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Nos anos seguintes uma quebra acentuada nas encomendas, consequência de algum exagero nas estimativas das marcas, que avaliaram mal a dimensão dos festejos para a entrada no ano 2000, obrigou a empresa - entretanto envolvida na modernização de toda a linha de produção para cumprir normas de qualidade - a pensar em alternativas.
E foi para dar uso a um excedente da produção que Sandra Correia, administradora da Nova Cortiça, juntamente com o pai, que dirige a empresa, levou para o terreno uma ideia que cozinhava na cabeça de Sandra, fazendo as primeiras peças do que viria a ser uma colecção de produtos de pele de cortiça.
Passaram cinco anos. "De tanto plantarmos acabámos por colher", diz Sandra. A colecção de produtos de cortiça expandiu-se, no número de peças à venda e nas montras que foi conquistando. A mais recente, e uma das mais importantes conquistas a apontar, é a presença no Moma, em Nova Iorque. O museu quis dar espaço de exposição aos produtos portugueses e o IAPMEI fez a ponte até à Pelcor (empresa que nasceu do projecto e que é hoje autónoma) que usou a oportunidade para acelerar o processo de internacionalização. Os Estados Unidos eram um dos mercados já explorados mas os impactos positivos de um maior conhecimento da marca começam agora a sentir-se. Reflectem-se num maior número de visitas ao site da empresa e numa receptividade diferente dos potenciais clientes. Pelo caminho ficou muita dedicação à ideia, perseverança e cuidado para não dar passos maiores que a perna, garante.
Serviço prioritário… sempre
Paulo Apolónia recorda a mesma receita quando conta a história do negócio da família: a mercearia que era para ser um café/restaurante e se tornou uma das lojas mais conhecidas do Algarve pela diversidade de produtos que entrega ao cliente. Avelino Apolónia veio do Canadá, onde trabalhou 10 anos, com intenção de montar um café/restaurante em Almancil. Já com o espaço preparado e equipamentos comprados, a esposa Célia disse-lhe que não partilharia com ele o projecto. Avelino decidiu não avançar sozinho, mas já era tarde para desistir do investimento em equipamento e as hipóteses de troca propostas pelo fornecedor também não eram muitas. Acabou por optar por um supermercado. O filho Paulo, que juntamente com o irmão e o pai mantêm a gestão do negócio, conta que desde o início houve um esforço grande para criar uma oferta diferenciada do comum a qualquer supermercado. Muito centrada no serviço ao cliente e tão diversificada quanto possível.
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Dos três empregados iniciais, os supermercados Apolónia contam hoje com 300 e preparam a expansão para novas lojas, dentro e fora do País. Paulo Apolónia acredita que a experiência de cozinheiro numa empresa de catering que o pai trouxe do Canadá foi chave para o sucesso do negócio. Porque no país por onde passou já se experimentavam sabores diferentes: a qualidade de serviço ao cliente era fortemente valorizada e a isso juntou-se o domínio do inglês, relevante numa região fortemente marcada pelo turismo. "Quando nasceu o minimercado já tinha uma orientação muito dirigida e um conceito de serviço muito próprio", defende Paulo, recuando a 1983, altura em que o negócio deu os primeiros passos, pela mão dos pais.
Ao longo dos anos a evolução fez-se para responder aos pedidos que os clientes foram fazendo. Foi assim com a incorporação de uma peixaria e de um café no espaço do supermercado, ou com a criação de um serviço de entregas ao domicílio. "De alguma forma sempre nos limitámos a satisfazer os pedidos dos clientes", explica Paulo Apolónia.
Qualidade sobre o design
E também foi assim que Luís Couto conseguiu trazer a Trofal, que aos 18 anos criou com o pai, até aos dias de hoje. Tal como no caso dos supermercados Apolónia ou da Nova Cortiça, que ajudou a fazer nascer a Pelcor, os nichos de mercado estiveram desde início no horizonte dos empresários atrás dos negócios, mas o segredo passou por saber seguir o nicho certo.
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Na Trofal, as tradicionais botas alentejanas ajudaram a dar o pontapé de saída do negócio numa fábrica já semi-industrializada, que misturava técnicas tradicionais com processos mais modernos. As modas mudaram e os empresários tiveram de procurar outras oportunidades. Luís Couto conta que em algumas alturas não foi fácil resistir à tentação de fugir do calçado mais técnico para uma produção em massa de produtos mais baratos, sobretudo em alturas de crise, quando o critério preço ganha relevância na balança do cliente. A falta de mão-de-obra especializada na região ajudou a impedir esse caminho e a mantê-lo fiel às linhas Goodyear, confessa.
A Trofal passou entretanto pelo calçado militar e pelas botas de bombeiro, que ainda fabrica e que representam uma fatia importante do negócio. A par com esta área tem procurado expandir a oferta para o mercado de consumo. Resiste à concorrência de preço e premeia o conforto e a resistência dos produtos que fabrica, o que lhe tem valido uma clientela fiel dentro e fora do País, uma vez que fabrica para toda a Europa. "A nossa preocupação principal nunca foi o design mas mais o conforto, a resistência e a durabilidade", assegura Luís Couto, que sempre conseguiu conduzir o negócio sem recurso a apoios do Estado. Queixa-se da concorrência desleal dos produtos que entram na comunidade europeia e chegam às lojas a preços fortemente competitivos, conseguidos à custa de legislação muito menos restritiva nos países de origem, do que aquela a que estão sujeitos os produtores de calçado no espaço europeu. E aí via com bons olhos intervenção dos poderes políticos. Contra o fenómeno tem refrescado estratégias e redobrado esforços que o levem para mais perto do potencial cliente. A presença em certames internacionais combina-se com a procura continua de novas parcerias para a distribuição e no contacto directo com o cliente existe uma marca própria e um site que, mais do que uma montra é também uma loja, ou uma forma de facilitar o acesso a uma, onde possa comprar-se os produtos fabricados pela empresa.
O factor Internet tornou-se aliás nos três casos uma ferramenta importante de contacto com o potencial cliente que, a diferentes níveis, ajudou a contornar limitações de escala. O mesmo estatuto de arma para a modernização parecem ter tido a capacidade de perceber o mercado, não descurar pormenores e (re)agir na altura certa.