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Bilhete de identidade Idade: 60 anos
Cargo: Associação da Hotelaria de Portugal, Vice-Presidente Executiva (desde 2010); Cruz Vermelha Portuguesa, vogal da Direcção; Grace - Empresas Responsáveis, Membro do Conselho Consultivo; Direcção-Geral do Turismo, Directora Geral (2004-06); Secretaria de Estado do Turismo, Adjunta (1992-95)
Formação: Licenciada em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
A diretiva europeia de reporte de sustentabilidade vai afetar indiretamente as pequenas e médias empresas, incluindo as do setor hoteleiro. Vamos pedir a pequenas empresas, muitas familiares "que tenham um gestor ambiental, um diretor de sustentabilidade?", questiona Cristina Siza Vieira. Na sua perspetiva não vão conseguir, "vai ser impossível". Convidada desta semana das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 que pode ser ouvida na íntegra em podcast, a vice-presidente executiva fala-nos da sua experiência de serviço público no turismo e nos desafios que o setor hoje enfrenta. Defende que seria importante descongestionar as áreas mais carregadas, nomeadamente em Lisboa e no Porto, criando outros circuitos e tirando partido do património que existe. Sobre a importância da imigração para o setor, espera que o modelo da manifestação de interesse regresse com condições.Cargo: Associação da Hotelaria de Portugal, Vice-Presidente Executiva (desde 2010); Cruz Vermelha Portuguesa, vogal da Direcção; Grace - Empresas Responsáveis, Membro do Conselho Consultivo; Direcção-Geral do Turismo, Directora Geral (2004-06); Secretaria de Estado do Turismo, Adjunta (1992-95)
Formação: Licenciada em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Com uma carreira também de serviço público no setor do turismo, qual o momento que viu que se estava a fazer uma mudança?
Quando estive no gabinete do Alexandre Relvas houve programas absolutamente extraordinários, como o programa das aldeias históricas. Mas também houve uma intervenção muito robusta para dotar o Fundo de Turismo de instrumentos financeiros de apoio às empresas. Também passei como subdiretora-geral de turismo e diretora-geral com Luís Correia da Silva. O ministro era Carlos Tavares, também muito virado para o lado financeiro, para as empresas. E depois no governo Sócrates, com o Programa de Reforma da Administração Central do Estado, com o Simplex. Todos os membros do governo que vi passarem nesta área tiveram uma intervenção interessante e marcante. Na área do turismo, a que conheço melhor, tivemos bons governantes e gestores, por exemplo, no Turismo de Portugal.
Passámos de não ter turistas para uma relação abrasiva entre residentes e turistas.
E quais seriam as prioridades neste momento? Passámos de não ter turistas para uma relação abrasiva entre residentes e turistas. Imputa-se ao turismo muito dos males do mundo. A meu ver, muito erradamente.
Como a falta de habitação?
A escassez de habitação, a sobrecarga nas cidades, o encarecimento do nosso modelo de vida... A escassez de habitação vem de uma série de circunstâncias, designadamente do movimento migratório. As Nações Unidas dizem-nos que em 2050 quase 70% da população mundial vai viver em cidades. E, segundo a Organização Mundial do Turismo, hoje somos 1,4 mil milhões de turistas no mundo e seremos, em 2030, 1,8 mil milhões, com a entrada no mercado de uma classe média da Índia. São duas circunstâncias que temos de gerir. O grande desafio político, ao nível da administração central e da autárquica, é a gestão da capacidade de carga, da relação entre os habitantes e os turistas e as pessoas de passagem.
E como se consegue concretizar essa gestão da relação?
Esta relação de maior crispação com o turista não acontece em todo o território, muito menos nas ilhas. Temos 24 freguesias em Lisboa e quatro têm esta carga grande de turistas. Como é que os podemos distribuir? Por exemplo, a reabilitação do Palácio da Ajuda e a realização do Museu das Joias da Coroa foi feito com apoio das taxas turísticas. Mas não tem visitantes. É impressionante. Temos lá a senhora ministra da Cultura, que tem o seu gabinete no Palácio Nacional da Ajuda e, estranhamente, não há circuitos. Está tudo carregado nos pastéis de Belém, no Museu dos Jerónimos e, num eixo com dois jardins importantíssimos e o Palácio Nacional da Ajuda, as pessoas não sobem a calçada.
Mas isso não é uma intervenção que tem de ser feita junto das agências de viagem?
Não. É uma intervenção de promoção turística e de articulação das juntas de freguesia, por exemplo, de Ajuda e Belém e de querer colocar no mapa outros recursos turísticos. Mas não é só descongestionar, há também a questão da bilhética integrada, como temos noutras cidades, e que não existe nem em Lisboa, nem no Porto.
Mas considera que não há excesso de turismo?
Considero que não há. As pessoas deviam lembrar-se do que era a baixa nos anos 90. E não me venham falar no encanto. É preciso gerir esta pressão, não deitando fora a criança com a água do banho, mas percebendo o que é preciso limitar quando se faz planeamento urbano.
E as perspetivas do setor do turismo para Portugal em 2025 continuam a ser muito positivas?
Se olhássemos só para o turismo, se não houvesse geopolítica e geoeconomia a condicionar-nos, diria que sim. Não foi uma questão de moda, a descoberta de Lisboa, percebe-se pelo investimento estrangeiro. Lisboa e Portugal têm paz e segurança. E as condições naturais são muito atrativas. Embora as alterações climáticas também nos devessem levar a pensar em como tornar o turismo sustentável ‘a la longue’. As perspetivas para 2025 continuam a ser boas. Temos crescido até mais do que aquilo que tinha sido a programação turística, em receitas e em volume de hóspedes. Temos tido uma melhor distribuição ao longo do ano e de todo o território e isso é muito positivo. Mas temos algumas nuvens no horizonte.
Na hotelaria estimamos que cerca de 30% da nossa força de trabalho seja constituída por imigrantes.
Como é que o setor da hotelaria tem lidado com a falta de trabalhadores? Neste momento na hotelaria estimamos que cerca de 30% da nossa força de trabalho seja constituída por imigrantes, ou seja, 120 mil trabalhadores de muitas e variadas nacionalidades. Temos aqui uma situação de quase esquizofrenia. Ou seja, as empresas dizem ‘nós precisamos de imigrantes’, os números demonstram que precisamos de imigrantes, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto, diz que Portugal precisa de mais imigração se quiser elevar o crescimento económico e o nível de vida e, depois, temos um discurso do outro lado a dizer ‘não, atenção, imigrantes não’. A questão é como é que as empresas turísticas lidam com isto. Integrando e formando as pessoas, como este programa que o Turismo Portugal agora abriu. É um bocadinho um programa piloto para mil pessoas que tem alocados 2,5 milhões de euros para integrar, formar, dar habitação, deslocá-los para as áreas do turismo.
O fim da manifestação de interesse foi negativo?
Diria que não, no ponto em que nos encontrávamos. Era preciso parar, criar esta estrutura de missão, integrar estas 400 mil pessoas, porque elas estão regularizadas, a descontar para a segurança social, a trabalhar nas nossas empresas. A nossa expectativa é que [manifestação de interesse] possa regressar de outra maneira, como por exemplo as empresas terem de assegurar a questão da habitação. Sabemos que pessoas que estiveram a trabalhar na agricultura durante o verão, quando acabam os contratos andam nas cidades. Muitos dos sem abrigo são pessoas com um contrato para um determinado período de tempo.
Ou seja, essa recuperação da manifestação de interesse passa por colocar algumas condições às empresas?
Às empresas e ao próprio Estado. Este programa do Turismo de Portugal é feito com verbas públicas, para a formação destes imigrantes e para a sua integração. Não podem ser apenas as empresas ou, então, sendo, têm de ter uma vantagem fiscal. O regresso da manifestação de interesse é importante, porque assegura que as pessoas vão ter contrato de trabalho, mas já sabemos, pela experiência que tivemos, que isso só não basta. Precisamos perceber como é que resolvemos a escassez de habitação.
Porque é que a hotelaria não é capaz de pagar melhor, quando até alguns hotéis em Portugal são mais caros do que em alguns países mais ricos?
Os números também precisam de ser trazidos para aqui. O governador do Banco de Portugal, em dezembro, no Dia Mundial do Turismo, fez uma apresentação e disse que a remuneração média em 2024 foi de 1.021 euros.
Abaixo da média do país.
Sim, mas mais 46% do que em 2015, mais 31% face 2019, quando no total da economia, face 2019, o crescimento da remuneração média foi apenas de 27%. Nas empresas de hotelaria, os custos com salários, como descontos para a segurança social, subsídios, aumentaram 50% desde 2019.
Os hotéis que não cumpram determinadas regras europeias, não podem, por exemplo, fornecer serviços a grandes empresas. Isso vai acelerar esta transição?
A diretiva de reporte só abrange, até 2028, as grandes empresas e as cotadas. Os pequenos hotéis não estão obrigados a este reporte, mas vão ser metidos na prensa. O Turismo Portugal tem o programa Turismo 360, que ensina as empresas a fazerem este caminho para a sustentabilidade. Vai acontecer antes de ser obrigatório e vai acelerar. Há uma selva regulatória na UE que é um horror. Uma selva de selos. É um horror.
Esta Comissão vai apostar mais na simplificação e menos em produzir regulação?
É mesmo isso. Não produzir e simplificar o que já existe. Embora estas coisas às vezes vão por aí fora e nascem como cogumelos, porque isto dá muitas consultorias.
Estamos nessa fase? De incentivos perversos?
Era muito importante alguém fazer um Simplex nesta legislação europeia, porque é intragável. Eu, que sou jurista, digo que é intragável. Não podemos pedir isso a pequeníssimas empresas. Vá, por exemplo, a Fátima e quem vê ao balcão são as pessoas da família. Vamos pedir que tenham um gestor ambiental, um diretor de sustentabilidade? Não conseguem fazer aquele reporte, vai ser impossível. E o turismo, mesmo fazendo esta simplificação, acaba por dizer, ou isto me produz um resultado que seja credível perante o setor financeiro ou então estou num programa ‘nice to have’ que não importa às minhas empresas.
O mundo vive hoje grande instabilidade e incerteza geopolítica. Que impacto pode ter no setor?
Estou muito pessimista, não para o setor hoteleiro, mas como cidadã do mundo. Trump 2.0 vai complicar muito o nosso mundo. Tenho os meus três filhos fora e confesso que estou preocupada. Não sei como é que a nossa sociedade, tal como a vivíamos até aqui, com uma segurança social, se vai aguentar se tivermos de fazer um esforço de guerra na tentativa da manutenção da paz. A indústria defesa é tudo menos sustentável. Vamos dizer-lhe que vai ter de cumprir parâmetros de sustentabilidade? Obviamente que isso não vai acontecer. Apesar de tudo, temos de não perder a esperança no turismo que é a indústria da paz. Portugal tem uma vantagem comparativa muito grande em continuar a afirmar-se como um país que preserva coesão territorial, que integra pessoas. Vamos ver como é que a Europa se vai ajustar, se se vai permanecer coesa. Valha-nos o turismo como indústria da paz.