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Negociar com os trabalhadores em tempo de crise

O crescimento económico abrandou e a procura enfraqueceu. Por causa desta conjuntura, as empresas vêem-se a braços com a difícil tarefa de equilibrar as contas e assegurar a sobrevivência dos seus negócios. Reduzir as despesas passa, algumas...

20 de Agosto de 2009 às 15:36
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Quando a crise se instala e as empresas são obrigadas a mexer nas condições laborais, há algumas regras básicas que devem ser seguidas para assegurar o sucesso da tarefa. O respeito, a comunicação e a transparência são, segundo os especialistas, as chaves para negociar com os trabalhadores em tempos de crise.


O crescimento económico abrandou e a procura enfraqueceu. Por causa desta conjuntura, as empresas vêem-se a braços com a difícil tarefa de equilibrar as contas e assegurar a sobrevivência dos seus negócios.

Reduzir as despesas passa, algumas vezes, por cortes nos salários, redução das horas de trabalho ou mesmo despedimentos colectivos. Um processo complexo que envolve duras negociações e para os quais há três regras básicas, dizem os especialistas: respeito, comunicação e transparência.

Para Ana Teixeira, directora-geral da consultora MRI Network em Portugal, o respeito é a chave de ouro da negociação laboral. "Devemos ter o máximo de respeito pelas pessoas. É preciso compreender que elas vão ter um choque e ficar numa situação fragilizada", diz. E, muitas vezes, é esta capacidade de nos pormos no lugar do outro que determina o sucesso das negociações.

"Sobretudo, o que revolta as pessoas é sentirem-se maltratadas e não perceberem porque é que isto lhes está a acontecer", nota Ana Teixeira. A título de exemplo, recorda o caso de uma pessoa a quem o chefe justificou o despedimento como uma casualidade: "tinha de ser alguém e calhaste tu". Para a pessoa que se vê obrigada a deixar o seu emprego, este não parece um processo sério e deixa-a a sentir-se injustiçada.

O respeito é também um dos paradigmas apontados pela administradora da Ray Human Capital em qualquer negociação. No entanto, Ana Loya sublinha que, antes de mais, é preciso que ambas as partes estejam realmente interessadas em chegar a um consenso. "Cada um dos lados deve estar disposto a ouvir o que o outro tem para dizer e saber qual é o seu espaço de manobra, onde pode e onde não pode ceder".

Outro cuidado a ter é não criar logo à partida um forte antagonismo, sob pena de deitar por terra, desde logo, qualquer possível acordo. "Comportamento gera comportamento", lembra Ana Loya, " e, se entrarmos a matar, é quase certo que a reacção do outro lado também não será boa".

Comunicar e informar
A partir daqui, e à medida que o processo negocial se desenrola, torna-se fulcral estabelecer um verdadeiro fluxo de comunicação. Segundo explica Ana Loya, "a comunicação não é o mesmo que uma mera informação, que é unidireccional. A empresa deve ter o cuidado de falar olhos nos olhos com os seus interlocutores e de ouvir aquilo que estes têm para lhe dizer". Por isso, alerta Ana Teixeira, está completamente fora de questão mandar um "e-mail" a avisar alguém que vai perder as regalias ou ser despedido. "É uma péssima escolha e uma boa forma de garantir que as coisas correm mal".

Então, quando chega a altura de anunciar as más notícias, quem deve tomar a dianteira? A própria empresa, ou uma entidade externa? Para Ana Teixeira, é também uma questão de respeito que seja a própria empresa a contactar os trabalhadores, mesmo que não o faça através da chefia mais directa. "Se não houver entre a chefia alguém com o perfil necessário, pode ser outra pessoa, ou grupo de pessoas, dentro da empresa a assumir esse papel", afirma. "Desde que tenha uma postura de respeito, compreensão e humanismo, pode até ser o director financeiro".

Já Ana Loya coloca a hipótese de ser contratada uma entidade externa para se encarregar das negociações. "Pode ser contratado um advogado laboral, sensato e humano, para representar a empresa durante o processo de negociação".

Pôr as cartas na mesa
Outro elemento facilitador das negociações é a transparência para com os trabalhadores. A responsável da Ray Human Capital acredita que informar os trabalhadores da real situação da empresa pode ser meio caminho andado para uma negociação. "Menos informação significa mais opinião". Ao invés de deixar que os empregados teçam considerações sobre as razões que levam a empresa a cortar custos, é preferível abrir os livros e explicar exactamente aquilo que se está a passar.

"Se está a passar por dificuldades de tesouraria, é preciso transmitir essa informação de forma clara", sustenta Ana Loya. Desta forma, os trabalhadores compreenderão mais facilmente a posição da empresa, sentir-se-ão menos indesejados e estarão mais bem preparados para fazer concessões ou receber más notícias.

Seja qual for o caminho seguido, os especialistas são unânimes em aceitar a via judicial apenas como último recurso. O desgaste para a empresa e para os trabalhadores constitui mais um travão do que um motor para a recuperação da empresa. Por isso, com maior ou menor taxa de sucesso, as empresas têm tentado tornar os processos de reestruturação mais fáceis, até porque um trabalhador que aceite negociar representa uma poupança de custos e de energia que a empresa pode canalizar para a recuperação do negócio.

Ana Teixeira, directora-geral da MRI Portugal, e Ana Loya, administradora da Ray Human Capital: respeito, comunicação e transparência são palavras-chave no relacionamento entre as empresas e os seus colaboradores.


Conheça os limites legais para reduzir custos com colaboradores

Por mais boa vontade e criatividade que as empresas tenham, nem sempre é possível pôr em prática todas as iniciativas que surgem na mente dos gestores para reduzir custos. Algumas das medidas acabam por ser travadas por barreiras legais, criadas para impedir abusos de autoridade sobre os trabalhadores.

Um dos princípios basilares da legislação laboral é a irredutibilidade da retribuição, que impede a entidade empregadora de reduzir a remuneração dos trabalhadores. Embora os salários sejam, em princípio, intocáveis, em condições extraordinárias as empresas podem ser autorizadas a cortar as remunerações dos trabalhadores. Uma das formas de baixar a sua factura consiste no recurso a um mecanismo legal a que se chama "lay-off" e que "consiste na suspensão do posto de trabalho por um tempo determinado ou uma redução dos horários durante um período", explica o especialista em direito laboral, Luís Miguel Monteiro. A vantagem desta medida, que requer a aprovação pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, é que será a Segurança Social a assegurar o pagamento de 70% dos salários de cada trabalhador.

Partindo do pressuposto de que a empresa o faz para evitar a extinção de um posto de trabalho, poderá também reduzir a categoria profissional do empregado, fazendo-lhe corresponder a respectiva retribuição. Mas "esta decisão deverá ser autorizada pelo trabalhador e ratificada pela Autoridade para as Condições do Trabalho", alerta o advogado da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados. "A lei pretende precaver situações em que o trabalhador seja pressionado a dar o seu consentimento a acções com as quais não concorda".
Já se a intenção é a de deslocar um trabalhador de uma unidade de produção para outra, isso é possível fazer "desde que não cause prejuízo sério ao trabalhador, definido como uma perturbação significativa da sua vida pessoal", esclarece Luís Miguel Monteiro. Por exemplo, "em princípio, uma mudança de Lisboa para o Porto constitui prejuízo sério, já que implica uma mudança de todo o agregado familiar, ou um afastamento dele durante toda a semana", refere. "Mas é um critério subjectivo."

Há, ainda, o lado mais variável da remuneração, ou seja, os extras como o pagamento por isenção de horário de trabalho, subsídio nocturno ou regalias (viagens ou carro, por exemplo). Todavia, em todas as considerações sobre salários, é preciso ter em conta o conceito de uso, que considera que "se se trata de um valor que o trabalhador recebe, mesmo que por iniciativa do patronato, com carácter regular, é potencialmente legítimo equipará-lo a uma retribuição", explica o advogado.


Seis regras que deve cumprir

Respeite - Ponha-se no lugar do colaborador e trate-o com consideração. Muitas vezes, trata--se de pessoas que deram o seu melhor pela empresa e que vêem agora o seu cheque mensal diminuir ou desaparecer.

Não antagonize - O que mais revolta as pessoas é sentirem-se maltratadas e injustiçadas.

Comunique - Ouça o que têm para lhe dizer e explique o seu ponto de vista, de forma clara e concreta. A melhor forma de comunicar é fazê-lo olhos nos olhos, nunca por "e-mail".

Seja transparente - Quanto mais informação transmitir acerca da verdadeira situação da empresa, melhor preparadas as pessoas vão estar para perceber o que se está a passar e para conceder.

Ajude - Se um trabalhador se tornou redundante numa secção, tente reencaminhá-lo para outra ou, não havendo essa possibilidade, recorra a serviços de "outplacement" para o ajudar a encontrar outra colocação fora da empresa.

Não lave roupa suja
- Se tiver de despedir uma pessoa pouco produtiva, esta não é a altura para lhe dizer que o seu desempenho deixava muito a desejar.
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