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Ex-comercial da Cimpor “cimenta” pudins com fábrica no Brasil
Miguel Oliveira saiu do “conforto” dos materiais de construção para se “atirar de pés e cabeça” ao Pudim do Abade. Depois de trocar o Porto por Lisboa, o chef avança em 2020 com um centro de produção em São Paulo.
Ao completar 50 anos de vida, Miguel Oliveira decidiu abandonar a Cimpor e uma carreira profissional dedicada quase por inteiro à vertente comercial no setor dos materiais de construção para abraçar a "paixão pela gastronomia" e, a partir de meados de 2018, dedicar-se a 100% ao projeto Pudim do Abade.
"No último ano antes de me desvincular da empresa já estava a trabalhar 18 a 20 horas por dia para conciliar as duas coisas. Estava muito confortável na minha profissão, era bem remunerado e tinha umas condições excelentes no departamento comercial, com liberdade e uma vida tranquila. Mas chegou a um ponto em que pensei: ‘a mudança tem de ser agora’. E atirei-me de pés e cabeça", relata ao Negócios este chef autodidata que "adora comer".
O "risco" foi assumido depois de várias horas passadas à volta dos tachos de forma amadora, aos fins de semana e fora das horas de trabalho. Primeiro a cozinhar para os amigos, depois a realizar pequenos eventos – festas privadas e também para empresas – e, finalmente, com o impulso do concurso "A Mesa dos Portugueses", a que concorreu com um pudim Abade de Priscos que venceu na categoria de melhor doce nacional.
"Obsessivamente", relata Miguel Oliveira, passou seis meses a conhecer a "história rica" do religioso criador bracarense, Machado Rebelo, a testar ingredientes, a fazer 25 pudins por semana e a aprimorar a receita que acabou premiada em 2014. Família, amigos e os "restaurantes da rua", na zona de Braga e do Porto, foram os primeiros clientes. "Houve um ‘boom’ e já tinha de ter um mês [de antecedência] para satisfazer as encomendas", recorda.
Natural de Vila Nova de Gaia, o chef e a mulher Gorette Pinto – que sempre o acompanhou nesta aventura culinária e também acabou por largar o emprego como agente de turismo – mudaram-se para Lisboa em junho de 2018 porque "era fundamental estar perto de onde tudo acontece" e "as pessoas não discutem preço". Posicionado num "target" médio e alto, o pudim inteiro servido em forma de alumínio está à venda por 38 euros, enquanto as unidoses em frasco de vidro – "muito atacadas pelos puristas" quando foram lançadas – custam seis euros.
Depois de seis meses na capital a funcionar numa cozinha provisória e em condições limitadas, em janeiro deste ano os sócios do Pudim do Abade encontraram um imóvel livre em Campo de Ourique, com dois pisos e um total de 400 metros quadrados, onde antes tinha funcionado um "take away" de frangos e grelhados. Ali instalaram um espaço de venda direta ao público e o centro de produção, que já está "no limite da capacidade instalada". Todos os dias produzem "à mão em Lisboa e com pronúncia do Norte" cerca de 120 pudins de quilo e 600 doses individuais.
Mercado lisboeta testa mercado brasileiro
Com sete funcionários e três novos sócios lisboetas ligados aos vinhos e à hotelaria, partilhando o capital e deixando Miguel Oliveira dedicado exclusivamente à produção –, o Pudim do Abade está também à venda em várias mercearias finas e em dezenas de restaurantes de norte a sul do país. Por exemplo, está na ementa da Casa Álvaro (Valença), do Fish Fixe e Lado B, ambos no Porto, ou dos lisboetas Solar dos Presuntos e JNcQUOI, que pertence à família Amorim e já o compra desde que era de produção caseira.
Desde julho de 2019, outro ponto de venda relevante é o quiosque no Time Out Market, que no ano passado recebeu quase quatro milhões de visitantes (98% estrangeiros) e gerou vendas totais de 37,8 milhões de euros. O convite chegou pelo telefone, em fevereiro, quando ainda nem sequer tinha a produção a funcionar em pleno. "Nem pestanejei. Avançámos", frisa o empresário, que usou igualmente esse espaço para validar aquela que será a primeira aposta na internacionalização.
"Já tínhamos feito antes estudos, mas estamos agora a constatar ali que o brasileiro é o cliente-alvo: delira com este pudim e aborda-nos para abrir no Brasil. Queremos consolidar a marca e um dos objetivos é ter uma fábrica em São Paulo. Já temos pessoas no terreno e será muito em breve. Estamos a falar de no próximo ano já estarmos a avançar com isso", adiantou ao Negócios, apontando que o investimento "já é uma certeza e vai ser considerável, de centenas de milhares de euros".
E o que espera que valha no negócio? "Muito. O Brasil é uma dimensão completamente diferente. Continuará a ser um mercado de nicho e para um segmento alto – isto não é um pudim de leite –, mas vai ser o grito do Ipiranga [risos]. Apesar de isto [produto] ser artesanal, já temos o ‘know how’ e podemos seguir os mesmos métodos", responde Miguel Oliveira, garantindo que o projeto do outro lado do Atlântico "está desenhado" para arrancar sem um parceiro local e "depois o futuro a Deus pertence".