Notícia
Guerra entre Governo e EDP sobe de tom
O que levou a EDP a pôr o secretário de Estado da Energia em tribunal vale apenas 0,02% do lucro anual do grupo. A acção pesa mais pela mensagem que carrega: a EDP está pronta para lutar contra as opções do Governo na Justiça.
A EDP vai levar o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, a tribunal, para contestar um despacho que imputa à EDP os custos das tarifas sociais de electricidade. O valor da acção, de 247 mil euros, é residual. Equivale a 0,02% do lucro anual da EDP. "Isto é um faz de conta. É 'peanuts'. Mas é um aviso que a EDP está a fazer à navegação", conta Henrique Gomes, o antecessor de Trindade na Energia.
Henrique Gomes foi crítico da posição da EDP no sector eléctrico. Mas nem por isso a EDP chegou aos tribunais. "No meu tempo não. O que houve foi o aviso de António Mexia de que teria de defender os interesses dos seus accionistas", disse Henrique Gomes ao Negócios, notando que a EDP não foi a única a fazer "avisos".
Apesar disso, Henrique Gomes reconhece que na acção agora movida contra o Governo "a EDP tem toda a razão". Luís Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia, faz duas leituras. Uma política: "Acho que é um número encenado da EDP para arranjar capital de queixa na opinião pública", já que "a EDP tem consciência de que a troika vai pressionar o Governo [por causa da dívida tarifária]". E uma leitura técnica: "Formalmente, a EDP tem alguma razão, porque as tarifas sociais não devem ser suportadas pelas empresas, mas sim pelos contribuintes".
Carlos Zorrinho quando tutelou a Energia (2009 a 2011) nunca foi judicialmente visado pela EDP. Sobre este caso não se pronuncia. Mas em abstracto, diz, "ninguém está afastado da aplicação da Justiça".
Os próximos meses dirão se o "aviso à navegação" da EDP trará, ou não, uma tempestade para o Governo na barra dos tribunais.
Setembro 2011
A contribuição especial
Era Setembro de 2011. Em três meses de negociações o Governo não havia acordado com a EDP o corte dos CMEC - Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual. Surgiu então a alternativa: o secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, apresentou uma solução que passava por impor uma contribuição especial a todos os produtores eléctricos em Portugal, para reduzir a dívida tarifária sem onerar mais os consumidores. Mas a ideia teve forte oposição da EDP e... das Finanças. É que a privatização estava lançada e o encaixe para o Estado poderia ficar em risco.
Março 2012
O estudo de Cambridge
Com a privatização da EDP fechada (venda de 21,35% à China Three Gorges), havia ainda por resolver o desafio da dívida tarifária no sector eléctrico. Em Março de 2012 vem a público, como então o Negócios noticiou, o estudo que o Governo encomendara à Cambridge Economic Policy Associates, que indiciava que as centrais da EDP com CMEC beneficiavam de "rendas excessivas". O estudo, a que a EDP teve acesso antes de ele ser público, foi criticado por Mexia, que lhe apontou "erros grosseiros". "A questão da existência de rendas é um falso problema", declarou ainda o CEO da EDP.
Maio 2012
A negociação das rendas
Após a EDP ter "cilindrado" o estudo de Cambridge, que sustentava a tese do Governo de que era preciso cortar nas rendas excessivas, Henrique Gomes acaba por abandonar a Secretaria de Estado da Energia. Em Maio, o Governo traz uma solução para a "sustentabilidade" do sector eléctrico, visando eliminar a dívida tarifária até 2020. O plano elenca várias medidas. A cogeração leva os maiores cortes. Os CMEC, da EDP, sofrem ajustes bem mais suaves. O Governo inicia aí um diálogo de vários meses com o sector eléctrico para estabelecer os contornos concretos de cada medida.
Setembro 2013
Quem paga os apoios sociais
O plano do Governo para a energia ficou fechado no início de 2013. O processo implicou para a EDP algumas perdas de remuneração (o ajuste nos CMEC e ainda o pagamento de uma contribuição pelos parques eólicos), mas o grupo acabou por aceitá-las. No primeiro semestre a EDP raramente criticou o Governo mas no corrente mês de Setembro a eléctrica acabou por pôr uma acção contra o secretário de Estado Artur Trindade, contestando um despacho que imputa à EDP encargos relativos à tarifa social. É a primeira vez em vários anos que a EDP visa judicialmente o Governo.