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Governo terá equacionado terrenos da Galp em Matosinhos para refinaria de lítio

Matos Fernandes e João Galamba nunca esconderam a preferência pela localização da refinaria de lítio no norte do país, pela proximidade com os projetos mineiros de Boticas e Montalegre. O ex-ministro do Ambiente queria que os terrenos de Matosinhos fossem rentabilizados para a transição energética.

Os planos para a refinaria Matosinhos, que vai encerrar este ano, serão decididos pelo novo CEO.
Estela Silva/Lusa
14 de Novembro de 2023 às 10:00
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21 de dezembro de 2020. A apenas quatro dias do Natal, Portugal acordava com a notícia (avançada nessa manhã pela petrolífera em comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) de que a Galp iria encerrar no ano seguinte a sua unidade industrial em Matosinhos, mantendo apenas a refinaria de Sines, no sul do país. A empresa justificou a decisão com base nas "alterações estruturais dos padrões de consumo" e na poupança anual de 90 milhões de euros em custos fixos e investimentos. 

O então ministro do Ambiente e Ação Climática, Matos Fernandes, não perdeu tempo e convocou para essa mesma manhã uma conferência de imprensa sobre o tema. À chegada à Rua do Século, os jornalistas foram surpreendidos com uma "dica" para questionarem o ministro sobre se o futuro da refinaria da Galp em Matosinhos poderia passar pelo lítio. Matos Fernandes respondeu que a unidade industrial da petrolífera a norte devia fazer parte da transição energética no país. 

"Há uma coisa que sei: Portugal vai ter uma refinaria de lítio, mas não posso estar aqui a discutir as intenções de empresas privadas", disse, acrescentando ainda: "Está aberta a porta para que seja rentabilizado o grande ativo industrial que ali existe. Pela localização que tem, pelo passado industrial que tem, pela proximidade ao porto de Leixões, estão ali um conjunto vasto de ativos e de terrenos que poderão ser muito importantes para a transição energética com outros projetos industriais diferentes da refinação do petróleo". 

Já nessa altura a Galp estaria em conversações com várias empresas - entre elas a sueca Northvolth, a britânica Savannh e a portuguesa Lusorecursos - para desenvolver um futuro projeto de refinação de lítio, sob mediação da AICEP e do Governo. No entanto, sempre negou planos para refinar lítio em Matosinhos, que seria depois exportado por navio a partir do porto de Leixões.

A 23 de outubro de 2023, a Galp começou finalmente os trabalhos de demolição da refinaria de Matosinhos, que se vão prolongar até 2026. Sobre este tema, o secretário de Estado do Ambiente, Hugo Pires, disse esta terça-feira no Parlamento ter sido informado que a Agência Portuguesa do Ambiente já fez o "zonamento dos diferentes riscos de contaminação" em Matosinhos, pelo que é necessário "compatibilizar a contaminação dos solos com o desmantelamento, para depois a Galp poder propor com mais pormenor aquilo que quer fazer naquele território, que é neste momento o maior território de reabilitação urbana da Europa".  

No passado, tanto Matos Fernandes como o seu secretário de Estado da Energia, João Galamba (arguido na Operação Influencer, que acaba de se demitir do cargo de ministro das Infraestruturas), nunca esconderam a sua preferência pela localização da refinaria de lítio no norte do país, tendo em conta a proximidade com os projetos mineiros de Boticas e Montalegre, da Savannah Resources e da Lusorecursos, respetivamente, ambos os negócios em investigação pelo Ministério Público.  

Agora, nos autos de busca do Caso Influencer, o Ministério Público vem dizer: "Suspeita-se que o Estado possa ter imposto, de forma indevida, através de uma ação concertada entre os suspeitos Matos Fernandes, então ministro do Ambiente, João Galamba, então secretário de Estado da Energia, e Rui Oliveira Neves, então diretor da Galp, a entrada da Galp na participação da Savannah Lithium e a parceria da Northvolt com a Galp", avançaram já vários meios, como o Público, a Sábado e o Jornal Económico.

Tudo começou com uma viagem à Suécia em 2019

Estes contactos entre as várias tiveram início em 2019. Nesse ano, o então presidente do AICEP, Luís Castro Henriques, deslocou-se à Suécia para se reunir com os responsáveis da Northvolt, que por sua vez vieram a Portugal em 2020 falar com a Galp, noticiou o ECO. O Governo português estava a par de todo o processo e o ministério do Ambiente e da Ação Climática confirmou também ter participado numa reunião com a Northvolt, promovida pela AICEP.

"Portugal vai ter uma refinaria de lítio", afirmou pela primeira vez Matos Fernandes em dezembro de 2020. Voltaria a repeti-lo muitas outras vezes, nomeadamente em outubro de 2021: "Vai haver certamente uma refinaria de lítio em Portugal. Ainda não existe nenhuma na Europa, mas foi-me apresentado um projeto por empresas (sim, o Governo reúne com empresas, para espanto de muitos) e sabemos que concorreu às agendas mobilizadora para a indústria do PRR um projeto para a construção de uma refinaria de lítio em Portugal", disse em entrevista ao ECO.

A portuguesa Galp e a britânica Savannah Resources começaram por estar por detrás deste projeto, sendo que as duas chegaram a ter um acordo durante seis meses que dava à Galp 10% do capital da subsidiária portuguesa da Savannah por 6,4 milhões de dólares.

Esse acordo caiu e a petrolífera tem agora um projeto com a sueca Northvolt para construir uma refinaria de lítio em Setúbal, com um investimento de 700 milhões de euros, cuja decisão final deverá ser anunciada em 2024, avançou o Negócios. Em cima da mesa chegaram a estar outras localizações para a refinaria, mas a cidade na foz do Sado venceu, com os promotores a admitirem que além do lítio português terão também de importar este metal raro de outros países do mundo para refinar em Portugal.  

No meio de tudo isto, e na mesma altura, o CEO da Lusorecursos (que detém a mina do Romano, em Montalegre), Ricardo Pinheiro, também esteve na Suécia reunido com Paolo Cerruti, co-fundador e COO da Northvolt, que acabou por lhe dizer que "razões técnicas e legais impedem a empresa de avançar para um envolvimento mais profundo" com a empresa mineira portuguesa. Em 2021, a Lusorecursos estava "em guerra" com o MAAC e a Agência Portuguesa do Ambiente, chegando a correr o risco de perder a sua licença mineira, disse Matos Fernandes. 

Também a Galp terá sondado a Lusorecursos para obter o lítio da mina de Montalegre para o refinar, mas a empresa portuguesa de prospeção e exploração mineira no norte e centro de Portugal recusou o negócio. 

No caso da Savannah, o Ministério Público refere que Galamba interveio para "interferir indevidamente na decisão de entidades como a APA e o ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que em 2021 emitiram um "parecer desfavorável" à mina, revertido depois em 2023. Os autos dizem que esta emissão foi concertada entre o presidente e o vice presidente da APA (Nuno Lacasta e José Pimenta Machado) e dois representantes da Savannah (João Barros e Diogo Silveira). Além disso, a empresa negociou com a Câmara  Municipal de Boticas a construção de uma estrada "que serviu de compensação para não se opor à exploração do lítio".

Ao Negócios, o anterior CEO da Savannah, Dale Ferguson, confirmou este ano o investimento da empresa nesta mesma estrada: serão 30 milhões de euros para construir um acesso direto do portão da mina à autoestrada A24. 

O Ministério Público diz que Galamba participou na negociação e que "os responsáveis da Savannah tiveram acesso privilegiado aos responsáveis da APA, à DGEG (Direção Geral de Energias e Geologia) e aos gabinetes dos ministros do Ambiente e das Infraestruturas para obterem benefícios ilegítmos".
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