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Dez perguntas e respostas sobre um palavrão chamado CMEC

Os CMEC, ou Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, são uma das maiores fontes de receita, e de lucro, da EDP em Portugal. O Negócios procura responder, neste artigo elaborado em 2013, a algumas das dúvidas e questões mais comuns sobre este mecanismo do sector eléctrico.

29 de Novembro de 2013 às 14:47
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O que são os CMEC?

Os Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) são uma compensação recebida pela EDP desde Julho de 2007, devido à cessação antecipada de vários contratos de aquisição de energia (CAE) que a empresa tinha em cerca de três dezenas de centrais eléctricas. Esses contratos garantiam à EDP uma receita previsível para a electricidade produzida naquelas centrais (maioritariamente barragens).

 

Com o arranque do mercado grossista de electricidade da Península Ibérica, a EDP aceitou pôr fim aos CAE de que beneficiava, passando as respectivas centrais a vender a sua electricidade no mercado. Porém, para assegurar a neutralidade financeira desta mudança, o Estado português, com a concordância da Comissão Europeia, aprovou os CMEC, que estabeleceram um pagamento adicional à receita que as centrais da EDP viessem a conseguir no mercado.

 

Qual a sua importância para a EDP?

Os CMEC são uma parte significativa dos ganhos da EDP. Segundo a análise feita pela Autoridade da Concorrência, ao longo dos últimos cinco anos estas receitas representaram 14,9% a 34,2% do resultado antes de impostos da EDP. Em 2012 os CMEC equivaleram a 32,4% do resultado antes de impostos da EDP.

 

Olhando para o ano passado, as centrais associadas a estes instrumentos registaram uma receita de venda de electricidade no mercado de 749,1 milhões de euros, a que se somaram receitas de CMEC de 474,6 milhões de euros, num total superior a 1,2 mil milhões de euros. Deduzidos os custos variáveis (323,7 milhões de euros em 2012), a EDP teve no ano passado uma margem bruta de 900 milhões de euros com os CMEC, em linha com a margem bruta do ano anterior, mas abaixo das margens de anos precedentes (em 2008 a margem bruta das centrais da EDP com CMEC rondou os 983 milhões de euros.

 

Os CMEC são uma “renda excessiva”?

A própria Autoridade da Concorrência classifica os CMEC como uma renda. A expressão “renda excessiva” foi muito utilizada pelo actual Governo no início da legislatura, nomeadamente pelo ex-secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, e pelo ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. Essa designação foi usada devido ao entendimento que esses decisores tinham de que os CMEC, entre outras rendas do sector eléctrico, proporcionam à EDP uma rentabilidade superior à que seria considerada equilibrada pelo padrão “WACC” (sigla em inglês para a taxa que traduz o custo médio ponderado do capital investido), caso os ganhos das centrais com CMEC fossem unicamente realizados em ambiente concorrencial.

 

Um estudo de peritos da Universidade de Cambridge encomendado pelo Governo apurou que a rentabilidade nominal efectiva dos CMEC era de 14,2%, acima dos 7,55% do custo de oportunidade do capital que foi considerado num despacho do Governo. O presidente da EDP, António Mexia, tem uma visão diferente e sempre rejeitou classificar os CMEC como uma “renda excessiva”. Em Março de 2012 António Mexia denunciou mesmo “erros grosseiros” e “básicos” no estudo de Cambridge que o Governo utilizou para sustentar a sua vontade de reduzir custos no sector eléctrico.

 

Quem criou os CMEC?


Os CMEC foram juridicamente regulamentados em 27 de Dezembro de 2004 (Decreto-Lei 240/2004) pelo Governo de Pedro Santana Lopes, com Álvaro Barreto como ministro das Actividades Económicas e do Trabalho. Nessa data ficaram definidas as condições de cessação dos CAE e a criação das medidas compensatórias conhecidas como CMEC. Esta passagem dos CAE a CMEC surgiu no âmbito da transposição da directiva comunitária 2003/54/CE, promovendo um “regime de mercado eficiente, livre e concorrencial”.

 

O mercado ibérico de electricidade (Mibel), pensado desde 2001 e acordado em 2004, vinha contribuir para esse objectivo, e a colocação em mercado das centrais da EDP cobertas por CAE foi vista como essencial para a sua concretização. A criação dos CMEC em 2004 começou a ser preparada já em 2003, quando Carlos Tavares era ministro da Economia do Governo de Durão Barroso: nesse ano o Decreto-Lei 185/2003, sobre as regras para um mercado livre de energia eléctrica, já previa o surgimento dos CMEC, para compensar a cessação dos CAE existentes em Portugal.

 

Assim, a criação dos CMEC teve responsabilidades partilhadas entre as equipas de Carlos Tavares e Álvaro Barreto. Todavia, só em 2007 o formato final dos CMEC ficaria definido: foi no primeiro semestre desse ano, com Manuel Pinho como ministro da Economia, que a fórmula de cálculo dos CMEC foi efectivamente concluída, vindo a ser posta em prática a partir de Julho de 2007. A entrada em vigor dos CMEC coincidiu com o arranque do mercado ibérico de electricidade.

 

O que pensa a troika sobre este instrumento?

Quando da sua criação, em 2004, os CMEC foram classificados pela Comissão Europeia como um auxílio de Estado, mas compatível com as regras comunitárias. No entanto, nesse momento Bruxelas não tinha ainda elementos sobre os resultados associados a estes instrumentos, dado que eles ainda não tinham sido implementados. Hoje a Comissão Europeia tem uma visão mais informada da matéria.

 

Após uma queixa de várias personalidades sobre estes instrumentos, a Comissão Europeia decidiu este ano abrir uma investigação aprofundada aos CMEC, bem como ao negócio que em 2007 prorrogou a concessão à EDP do domínio público hídrico (essencial para que o grupo continuasse a explorar as barragens que tinham CMEC).

 

As notas dos relatórios das sucessivas avaliações ao plano de assistência a Portugal mostram que a troika está longe de estar confortável com a existência dos CMEC, pelo entendimento de que se trata de um mecanismo lesivo da concorrência no mercado de produção de electricidade, condicionando os preços grossistas da energia eléctrica e, por conseguinte, os preços para os consumidores finais.

 

Dado que a promoção da competitividade da economia portuguesa é uma das metas principais da troika para Portugal, a continuidade dos CMEC é interpretada como um obstáculo a que o sector eléctrico possa contribuir para esse objectivo.

 

Até quando existirão CMEC?

Os CMEC são custos que permanecerão no sistema eléctrico até 2027. Este é o ano em que a última central da EDP coberta por CMEC beneficiará desta compensação. Mas já em 2014 há algumas barragens da EDP que deixam de beneficiar de CMEC: são os casos de Picote, Miranda e Bemposta (que estão entre as que têm mais capacidade instalada entre as 26 centrais hidroeléctricas cobertas por estas compensações). Em 2016 outros activos hídricos da EDP deixarão de beneficiar dos CMEC, como são os casos de Castelo de Bode, Cabril, Alto Rabagão, Caniçada, Bouçã e Salamonde. Nos anos seguintes, até 2027, vários outros empreendimentos verão terminar a validade dos respectivos CMEC.

 

O que acontecerá quando os CMEC terminarem?

Cada central que perca os CMEC que lhe foram concedidos passará a contar apenas com a receita que conseguir obter por via da venda em mercado da respectiva produção eléctrica.

 

Na maioria dos casos são centrais hidroeléctricas com dezenas de anos de operação, em que o investimento inicial está totalmente recuperado, e em que os custos operacionais são essencialmente de manutenção.

 

Como essas centrais já estão a comercializar a sua energia em mercado (a compensação dos CMEC é paga à parte), o fim do CMEC não deverá provocar alterações relevantes no preço praticado por estas unidades, mas é para já desconhecida a estratégia da EDP para estes activos. Em relação a algumas centrais térmicas a fuel e a gasóleo que também tinham CMEC, quando esta compensação terminou a EDP decidiu encerrar a respectiva produção, já que os custos do combustível tornavam estas centrais térmicas pouco ou nada rentáveis. 

 

Os consumidores ganham com a extinção dos CMEC?

A saída programada dos CMEC terá, em teoria, benefícios para os consumidores, uma vez que estes deixarão de suportar nas tarifas de electricidade o sobrecusto de centenas de milhões de euros que todos os anos estes instrumentos representam. Mas a extinção antecipada desta compensação (antes do final do prazo programado) só poderia ser conseguida mediante acordo com a beneficiária (a EDP).

 

Uma decisão unilateral do Governo de acabar imediatamente com os CMEC acarreta riscos elevados de litígio com a EDP (que em 2007 acordou com o Estado rescindir os seus CAE, com a contrapartida de receber CMEC no mesmo período que estava previsto para os CAE), sem garantias de que os consumidores venham a beneficiar no curto prazo. 

 

Porque é que a Autoridade da Concorrência investigou estas compensações?

A recomendação que a Autoridade da Concorrência (AdC) fez ao Governo para revisão dos CMEC está em linha com as preocupações já manifestadas pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos em Março deste ano, mas incide apenas sobre uma das parcelas que compõem a remuneração dos CMEC.

 

As receitas de CMEC da EDP resultam da soma de dois tipos de remuneração: uma parcela fixa, recebida anualmente, e uma parcela de acerto. E sobre esta última é aplicado um “mecanismo de resibilidade” baseado numa fórmula complexa que tem três componentes essenciais: o ajustamento do encargo fixo pela disponibilidade das centrais, o ajustamento da margem bruta de mercado (que ajusta o que a central facturou em mercado ao que deveria ter facturado pelos pressupostos estabelecidos nos CAE) e as receitas de serviços de sistema.

 

Foi apenas nesta última rubrica, de serviços de sistema, que a AdC centrou a sua análise. Os serviços de sistema consistem na venda de energia em momentos muito particulares em que o “casamento” da oferta e da procura de electricidade no mercado grossista sofre alguns desequilíbrios. As centrais cobertas por CMEC estão entre as que podem prestar este tipo de serviços ao sistema eléctrico. A AdC diz que “o risco de sobrecompensação no modo de cálculo da revisibilidade CMEC significa que a empresa beneficiária dessas compensações financeiras possa conseguir obter benefícios superiores àqueles que haviam sido contratados nos CAE”.

 

A AdC alerta ainda que este risco “é um factor de distorção da concorrência” e que o modelo actual dos CMEC está desenhado “a ponto de permitir comportamentos ineficientes em detrimento dos consumidores e do sistema eléctrico”.  

 

O que é o que o Governo conseguiu cortar nos CMEC?

Embora os CMEC garantam anualmente à EDP uma margem bruta na ordem dos 900 milhões de euros, as medidas já implementadas pelo Governo têm um impacto relativamente reduzido face aos ganhos obtidos pela eléctrica.

 

O Executivo já implementou uma medida que reduziu a remuneração da EDP, ao ajustar a taxa de juro que a EDP recebe na parcela fixa dos CMEC: a estimativa é que os consumidores poupem anualmente 13,5 milhões de euros com esta iniciativa do Governo. Em Outubro último o Governo anunciou uma outra medida que terá impacto nos CMEC (mas que está ainda em processo legislativo): o objectivo do Governo é reduzir em cerca de 50 milhões de euros por ano as distorções no mercado de serviços de sistema, onde se estima que os CMEC tenham um peso de 30%. Nesta segunda medida, portanto, a acção do Governo poderá “cortar” à EDP ganhos de cerca de 15 milhões de euros por ano.

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