Notícia
Publicitários querem reposicionar o negócio
Debater, com o mercado e com os anunciantes, o negócio das agências de publicidade e, consequentemente, o reposicionamento do seu modelo de negócio é um dos principais objectivos, de um conjunto de iniciativas, para o próximo biénio, anunciadas por Susana
Debater, com o mercado e com os anunciantes, o negócio das agências de publicidade e, consequentemente, o reposicionamento do seu modelo de negócio é um dos principais objectivos, de um conjunto de iniciativas, para o próximo biénio, anunciadas por Susana de Carvalho (CEO da J.Walter Thompson), presidente da Comissão Executiva da recém criada Secção de Agências de Publicidade da Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade e Comunicação (APAP) e por João Carlos Oliveira (Bates Red Cell), presidente da APAP, em entrevista ao Canal de Negócios.
O que é que a nova Secção de Agências de publicidade que a APAP se propõe fazer?
João Carlos Oliveira (JCO):Uma nota prévia: a questão fundamental hoje na relação agências-clientes não tem a ver tanto com a relação em si, mas a transformação do mercado. O mercado em si transformou-se gradualmente. Há 15 anos as agências trabalhavam com uma comissão que vinha da “media”, essa deixou de fazer sentido, porque as agências já não têm “media”. Assim, a nossa perspectiva é, na relação com os clientes e até na relação institucional APAP/APAN, fazer perceber que temos de alterar alguma coisa de forma a ajustar a esta nova realidade. Este passo de reatamento, do acender da ligação e de reposicionar o próprio mercado, tem a ver com o reposicionar da relação. Os clientes e as agências têm de perceber que a relação que têm é diferente. Tem uma relação com uma agência de meios, com uma agência de publicidade e isso tem consequências a nível de práticas comerciais, tem consequências a nível de remuneração, a nível de capacidade de distinguir cada uma destas áreas que valor acrescentam ao processo. E é isso tudo que pretendemos com a APAN. É uma espécie de “up date” da relação cliente-agência na perspectiva de o que mudou foi o contexto. Acho que no final vamos retirar algo de positivo disto. Estamos aliás, a dar passos neste sentido, através de informação formativa aos nossos associados, como é o caso do seminário sobre remuneração de agências, conduzido pela empresa inglesa de consultadoria Aprais, no passado dia 2 de Fevereiro.
Susana de Carvalho (SC): Se é verdade o que o João acabou de dizer, existe ainda uma grande diversidade do tipo de empresas. Temos as multinacionais que estão a seguir um determinado caminho, o mais relevante é o de estarem a trabalhar no sistema de “fee”, porque já não têm “media” na sua panóplia de serviços. Mas depois temos uma outra série de agências, nomeadamente umas mais pequenas e outras nacionais, que ainda têm “media”. Há aqui uma grande diversidade de estrutura e de serviços, sendo necessário reflectir sobre isso e como elas se devem remunerar e quais são os pontos em comum entre cada uma delas, dentro da sua divergência ou concorrência.
Qual é a forma ideal de remuneração de uma agência?
SC: Estamos a falar de remunerar talento, ideias. A forma de remuneração do nosso talento passa cada vez mais por trabalhar em parceria com os anunciantes e, parte da nossa remuneração, ser obtida, por exemplo, através de resultados ou “n” variáveis, umas mais da nossa área, como a notoriedade das marcas, tudo aquilo que tenha a ver com pesquisa, a compreensão das mensagens, notoriedade espontânea, notoriedade total. Todos exclusivamente da responsabilidade das agências, mas também com outros indicadores em que nós teremos que ter uma quota-parte de responsabilidade: aumentos de quotas de mercado, aumentos de vendas. Isto porque a nossa actividade é mensurável – com toda a subjectividade que ainda tenha – graças ao cada vez maior número de instrumentos de medição, por comparação com toda a concorrência.
O cliente valoriza esse trabalho, quer pagá-lo?
JCO: Se o cliente não valoriza esse trabalho é porque nós não somos capazes de vender a forma de valorização do nosso trabalho. Não se trata de vender o nosso trabalho, mas de vender a forma de valorizar o nosso trabalho.
Que outras formas de remuneração podem ser adoptadas?
JCO: A questão não está em saber se há outras formas para além do “fee” ou a comissão, mas sim “porque é que”, “quanto é que” e “como é que” o cliente deve remunerar a agência. Para eu construir um “fee” é importante perceber como é que eu devo construir esse “fee”.
SC: É preciso que nos entendamos e que saibamos de parte a parte o que se pretende. Qual a tarefa que cabe a cada um. Há também clientes que querem pagar menos à agência porque não percebem que há retorno.
JCO: A remuneração é muito importante, mas não é o único. Isto tem também a ver com o programa de formação não só de novas pessoas que comecem este tipo de actividade (agências e anunciantes), mas para nós, continuamente, podermos reflectir e debruçar-nos sobre como podemos fazer melhor o nosso trabalho, por exemplo, a questão do “briefing”, onde tudo começa.
Aí já se entra no ponto da vossa acção que é a criação de condições para tornar transparente a relação comercial-financeira entre agências e anunciantes?
SC: Sim, como conseguir dos clientes um bom “briefing” para um determinado projecto ou lançamento de uma marca é uma das condições. Outra mais lata – gostaríamos ter diálogo naquilo que podemos chamar de código de boas práticas – é na questão dos concursos. Estamos num mercado livre, felizmente, mas há mais oferta do que procura. Como todos tivemos de conter custos olhámos de outra forma para as nossas margens, para os nossos resultados, o que significa que, do lado dos anunciantes, um dos primeiros cortes tivesse sido na publicidade. Isto para nós é algo que nos afecta profundamente. Há que olhar para este contexto de mercado e, nos concursos, os clientes começaram de repente a chamar “n” agências onde lhes é pedido um esforço muito grande num curto espaço de tempo. Cada empresa terá uma estrutura para responder mais depressa ou menos depressa, mas há um tempo mínimo para conseguir um bom trabalho e nós precisamos desse tempo. Esta situação desgastou bastante o mercado, porque não há um “fee” de compensação. Se um anunciante está a convidar muitas agências tem de ter a consciência de que está a pedir um esforço muito grande a muitas agências onde irá ganhar só uma. De repente estarmos em concurso sistematicamente com todas as agências, grandes e pequenas, e todas se sentem um pouco desgastadas. É preciso repensar isto. Há determinados anunciantes que precisarão de um perfil de empresa mais do que outros em função dos seus problemas específicos.
JCO: É pensar que estamos a trabalhar para clientes que não são nossos clientes com mais empenho do que para os que já são.
SC: Os clientes, às vezes, levam mais tempo a decidir do que o tempo que nos foi dado para trabalhar. Depois há questão das regras, que devem ser claras. Um anunciante estabelece uma consulta e convida “x” agências e, portanto, as agências têm o direito de saber quais são, quantas são, quanto tempo têm. Depois a meio do concurso das seis participantes passaram a 10 ou 12. Isto não é muito transparente. Ou seja, mais uma vez, os anunciantes têm o direito de convidar quem querem, mas têm que sentir que as regras do jogo, sejam quais forem por estabelecidas, devem ser seguidas até ao fim do concurso. Isto é um negócio de pessoas e as relações funcionarão tanto melhor quanto mais transparente for a relação. Curiosamente há na Administração Pública, empresas que pedem ajuda à associação (APAP) no estabelecimento de critérios de selecção de agências. Isto porque muitas vezes os critérios existentes são injustos, por exemplo, porque é que tem de ser o critério das cinco maiores agências do “ranking”, quando sabemos que esse “ranking” é absolutamente falacioso? Ou seja, o “ranking” desde sempre era baseado nos investimentos em “media, ora esses investimentos em “media” nós sabemos a grande discrepância que há dos custos de tabela daquilo que efectivamente se paga. E é só a “media”, nas nossas empresas temos a nossa receita e a rentabilidade advém de muito que não o “mass media”. Isto a juntar à impossibilidade das empresas revelarem os seus dados deturpa um pouco toda a situação. Isto serve para introduzir outra questão que é a necessidade ter termos algumas ferramentas e mais dados sobre o valor do nosso mercado, seja ao nível dos investimentos, que não de “massa media”, seja ao nível do posicionamento das agências, tal como lá fora, em Espanha sabe-se quais são as multinacionais alinhadas ou as absolutamente criativas. Aqui isto não existe, há uma ideia das coisas. Neste sentido, está-se a fazer um estudo sobre as agências – meios e publicidade – junto dos anunciantes (cerca de 50) no mercado. Começou a ser feito último semestre do ano passado, e está prestes a ser concluído.
Outra das questões em debate é a dos direitos de autor. O que está a ser feito ou preparado?
SC: É uma questão fundamental da nossa actividade, e pela qual me bato há muitos anos e há muito pouca informação e legislação sobre isto. Há “n” variáveis. Há ainda muito trabalho a fazer.
JCO: É preciso saber o que é autoria. É prática corrente que a maior parte das agências declina esses direitos quando vende ao cliente os serviço. Há uma diferença entre vender o serviço e vender a ideia. A ideia não é vendável. A nossa legislação diz que não se pode vender as ideias, pode-se vender o direito de utilizar a ideia, mas não a ideia. Quem faz um disco, um livro, é muito mais fácil identificar o autor. Nas agências, quando as contratamos elas cedem-nos os direitos. Com a questão da globalização, há um outro conjunto de questões que se coloca. Nesta matéria dos direitos de autor todos acham que são lesados. É um tema com um conjunto de entraves, difícil, mas não é complicado. A opção dos códigos de boas práticas e linhas orientadoras é um dos caminhos.
Restrições à publicidade dentro de áreas como as das crianças, utilização do corpo da mulher, alimentação: o que pensa a APAP fazer sobre estas matérias?
JCO: Há um trabalho feito pela EACA no sentido de alertar, em Bruxelas, as pessoas para os perigos das restrições à publicidade, à liberdade de expressão, porque estamos a falar de restringir um direito. No caso das crianças, imagine-se um fabricante de brinquedos que, quando foi para o mercado, era enquadrado com um conjunto de condições, ou seja, comprava as matérias-primas ao mesmo preço de um que não fabrica brinquedos e agora não pode fazer publicidade. Isto é desvirtuar o mercado. Eu, que sou um fundamentalista, mas da liberalização, acho que se não se pode publicitar, não se pode produzir. É uma esquizofrenia pensar que retirar a comunicação pode ser, de alguma fora, uma maneira de resolver um problema que está a montante. Se existe um problema com a comida rápida, então não a deixem fazer, mas não culpem a publicidade. Com o álcool é a mesma coisa, uma verdadeira falácia o que se diz. Restringir a publicidade álcool porquê? Só achava bem a restrição quando alguém provasse que a publicidade induz ao consumo das bebidas alcoólicas. Uma coisa é eu fazer publicidade à minha cerveja e com essa publicidade conseguir que os consumidores da marca “B” passem para a minha marca outra coisa é aumentar o consumo. Isto não é uma teoria, é um facto. Nos últimos 10 anos a publicidade a bebidas alcoólicas passou a ser 15 vezes superior, período no qual, o consumo per capita de álcool diminuiu, o que faz com que não haja correlação entre a publicidade e o consumo de bebidas alcoólicas. Depois, ao restringir a publicidade a bebidas alcoólicas está-se a dizer ao fabricante que ele não pode utilizar os 15 milhões de euros – valor do segmento – em publicidade, mas vai utilizá-los, quanto mais não seja, dizendo aos bares para venderem a sua bebida a 500 em vez de a venderem a 700. O que faz com que a pessoa mais influenciável e que hoje corre o perigo de se tornar alcoólico tenha um “pocket money”. A tentação natural e legitima do fabricante é fazer “cut price”, logo há mais pessoas a consumir. Do mesmo modo vejo acabar com a publicidade a crianças. Esta é uma questão mais ampla que tem a ver também com a violência na televisão. Não há, consultando psiquiatras, relação científica entre violência na TV e crianças violentas. Isto tem a ver com o facto de a sociedade ter mudado um bocado e a co-responsabilização, da família, da escola, etc. A publicidade tem o dever de informar e por isso deve ter o direito de publicitar. Não faz nenhum sentido que haja produto que tenha o direito de produzir e não tenha o direito de publicitar. Desde logo, numa perspectiva de economia de mercado é um entrave à entrada de novos operadores.
Como vêm a recuperação do mercado publicitário?
JCO: Há um reacender o mercado e toda a sua dinâmica. O volume de mercado está a caminhar para valores mais razoáveis, mas o que se está a passar é uma quebra de margens. Este aumento de volume até 2003, não corresponde a um repor das margens que existiam nas agências. As causas: o período menos bom que a economia atravessou, mas também a criação de pequenas células de empresas, que não tendo uma estrutura por trás conseguem desregular o mercado. Alguém que por causa da recessão engrossou a lista de despedimentos e estimulados pelas suas necessidades acabou por criar micro-organizações, que não são empresas, e que face aos seus custos estruturais podem dar uma oferta mais económica. Isto cria um novo padrão em relação ao próprio valor das ideias e contribuiu para que hoje as nossas margens estejam reduzidas. É uma situação preocupante para nós, indústria como um todo, pois podemos correr o risco de que essas margens possam induzir a própria qualidade do serviço da oferta aos clientes. Com menos margens há menos recursos, com menos recurso há uma relação directa com o “out put”. Se isto continuar assim, o ano de 2004 poderá não ser tão bom. Os meios podem estar cheios de publicidade, há imensas acções de comunicação feitas, mas isto não se traduz em negócio e isto é um negócio como outro qualquer.
SC: Concordo. Os 4% de crescimento do investimento do ano passado, na prática não são nada. Estamos aqui a falar de um volume que não corresponde minimamente ao real valor que as coisas valem em toda a cadeia. Acho que temos de ser honestos e corajosos em enfrentar a dura realidade que vivemos, não só na publicidade, mas num país e na economia. Temos realmente valor ou não? Temos uma indústria enfraquecida por todas as razões que apontamos? Há mais “players”, mais micro-empresas, a concorrência aumentou, a oferta é muito maior do que a necessidade? Estas são as questões. Temos cento e tal agências listadas no “ranking” da Mediamonitor, das quais as 10 primeiras valem cerca de 40% do investimento e as 15 cerca 50% do mercado, e mais 300 nos anuários (micro e especializadas). Esta é uma situação que afecta toda a indústria. Não é dizer que está tudo mal nem enganarmo-nos uns aos outros a dizer que está tudo bem. Temos de nos entender, de uma vez por todas, definir que há um valor para esta indústria, qual é ele, e como vamos sobreviver e recuperar, através de medidas sérias. É isso que a APAP pode fazer, congregando nas secções específicas problemas específicos, e estabelecer linhas orientadoras no seu todo. Não estamos contra o aparecimento destas empresas, mas contra a leitura que se faz dessas empresas. Uma empresa que trabalho em casa com duas pessoas não tem a mesma capacidade de resposta de uma estrutura organizada. Os clientes e nós próprios temos de perceber que não somos concorrentes deles. Não nos podemos comparar pelos preços, mas pela via da oferta que damos. Há candidatos distintos para necessidades distintas. A culpa não é do clientes, mas de uma agência que tem uma estrutura e uma qualidade de serviço que não se compara com uma agência pequena e tenta acompanhar os seus preços com os de uma agência pequena. Está a dar um tiro no seu pé e no do mercado. Está a estabelecer um padrão novo de valor que não corresponde à qualidade.
Porque a criação de uma secção de agências de publicidade numa associação de Agências de publicidade?
JCO: Nós não começámos por criar uma secção de agências de publicidade. Começamos por segmentar. Dentro da agência identificamos um conjunto de disciplinas que achamos que tinham peso e relevância para serem autónomas, numa lógica quase federativa dessas disciplinas. Isto depois de, há dois anos, criarmos a secção de agência de meios e, no fim de 2002, a secção de “marketing” relacional. Porque é que não haveria de existir uma secção de agências de publicidade? Porque tem mais importância do que as outras? Não tem mais nem menos. Tem o seu papel na comunicação. Aliás, isto não vai ficar por aqui. Nós temos aspirações a congregar na nossa associação outro tipo de disciplinas que tenham a ver com a disciplina global da comunicação. Já contactamos duas ou três associações e já associações externas no sentido de se juntarem a nós como a APECOM e de “merchandising”. Não é um fim, mas um passo para aumentar o grau de representação da associação nesta grande indústria que é a da comunicação, que não se esgota na publicidade. Eu sei que a publicidade será a mais “sexy” porque faz anúncios para a televisão e que toda a gente vê. Mas se olharmos para os “budgets” dos clientes, a maior parte não vai para a agência de publicidade, vai para a agência de meios e o que sobra vai para o “marketing” relacional, ou seja, se o peso fosse o valor, então a publicidade não seria de todo o mais importante.
Qual o seu peso na indústria e institucional?
JCO: Além do peso suficiente e do peso institucional que isto representa junto dos nossos interlocutores. Era importante que os nossos interlocutores – anunciantes através da APAN ou o próprio Governo – sintam da nossa parte uma representação global da indústria da comunicação e não parcial. É lógico que isto emergiu de dentro da APAP, nós não fomos buscar secções lá fora, começámos por identificar dentro dos associados da APAP núcleos de disciplinas de comunicação para integrar secções. Embora haja um conjunto de aspectos que são transversais a todo o sector onde a APAP consegue defender esses interesses, há depois interesses específicos de cada um das disciplinas da comunicação.
Como tem sido a adesão?
JCO: Acho que os resultados hoje são visíveis, desde logo pela adesão. É o caso das agências de meios que atingiu o pleno. Em relação às agências de publicidade temos cerca de 90% do investimento representando. Com o “marketing” relacional aconteceu o mesmo, a adesão aconteceu. Depois é importante a participação porque sentem que os seus interesses mais específicos estão a ser defendidos.
Têm tido contributos no sentido de dizer o que está mal e o que é preciso mudar na indústria da comunicação?
JCO: Apesar de verde, há uma adesão que superou as nossas expectativas. No caso do “marketing” relacional tiveram inclusivamente a capacidade de alterar a designação do concurso dos CTT “O melhor em ‘marketing’ directo” para “O melhor em ‘marketing’ relacional”, incluindo disciplinas que não são da responsabilidade dos CTT, como a Internet. Esta é a prova de como estas secções, embora representativas de parte do sector, tenham a capacidade de influenciar o mercado, “drivers” do mercado.