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O estranho caso da Silopor: uma empresa pública em liquidação há 24 anos (com lucro e sem dívidas)

Empresa pública de silos portuários, que descarrega mais de metade dos cereais consumidos em Portugal, está há 24 anos à espera de ser concessionada a privados, sendo gerida por uma comissão liquidatária que teve mandato renovado até junho de 2025, quando termina o contrato de concessão.

Vítor Mota
22 de Janeiro de 2024 às 12:58
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A Silopor, empresa detida a 100% pelo Estado, não tem dívidas e até gera lucros, mas encontra-se há 24 anos em liquidação, vivendo num limbo que condiciona nomeadamente investimentos em grande escala.

Criada em 1986 como "spin-off" da área de negócio dos silos portuários da EPAC (Empresa para Agroalimentação e Cereais), antigo monopólio estatal dos cereais, a Silopor herdou os silos da Trafaria (Almada) e do Beato (Lisboa), a par com o de Leixões, no Porto, cuja exploração foi concessionada a uma entidade privada em 2007 (Sogestão, de Manuel Champalimaud) e, desde 2002, opera também o silo interior de Vale de Figueira (Santarém) adquirido nesse ano.

O estranho caso da Silopor remonta à década de 1990 quando Bruxelas notificou o Estado português de que tinha de liquidar a EPAC e teve esse mesmo entendimento para a Silopor por resultar de um "spin-off", como recordou, anteriormente, o presidente da comissão liquidatária, Abel Vinagre, ao Negócios. Por imposição da Direção Geral da Concorrência da União Europeia, após a liberalização dos mercados de comércio de cereais, a Silopor entra em liquidação em 2000, mas como "não existiam outros silos com as condições para receber navios de grandes dimensões em Portugal, apesar de estar juridicamente em liquidação mantém-se em operação completa".

Apesar das circunstâncias, a empresa de silos portuários tem tido, desde os anos 1990 um nível de atividade como nunca visto, com os silos sob sua alçada a serem responsáveis pelo descarregamento e armazenamento de praticamente 60% dos cereais que Portugal importa.

E, fruto disso, como sublinhou Abel Vinagre, no ano passado, "apesar de estar em liquidação, tem lucros como nunca" e conseguiu, graças a esses proveitos, "pagar as dívidas deixadas ainda pela EPAC". "Estão pagas, a Silopor não deve um tostão ninguém - felizmente", frisou.

Em 2022, a empresa gerou lucros de 3,83 milhões de euros, mais 60,1% face a 2021, com esse ano a figurar como o período em que a Silopor, que conta com um universo de 85 trabalhadores, "registou o maior volume de movimentação e o mais elevado resultado da sua história", segundo o relatório e contas anual da comissão liquidatária, recentemente publicado.

"Tal grau de realização deverá constituir motivo de preocupação quanto ao futuro da Silopor ou mais concretamente quanto à responsabilidade nacional de prestação de serviço que lhe está cometido", enaltece.

A condição da Silopor é, porém, limitativa designadamente em termos de investimento. Como realçou Abel Vinagre, as "amplas reservas financeiras" até permitiram "aumentar a capacidade de armazenagem da Silopor", que fica muitas vezes perto do seu limite, dado que se mantém inalterada há mais de 30 anos, como ficou patente com o eclodir da guerra na Ucrânia. Contudo, esse investimento "não tem sido autorizado ao longo de todos estes anos, uma vez que a empresa estava em liquidação não pode fazê-lo sem autorização do acionista", explicou na altura o mesmo responsável.

Atualmente, as instalações da Silopor tem um capacidade de 340.000 toneladas, podendo receber e armazenar, no decurso de um ano, em média, 3,4 milhões de toneladas de cereais e farinhas.

O Beato, pela localização geográfica, é descrito como único terminal portuário vocacionado para abastecer as indústrias transformadoras de trigo panificável e de rações para animais que se situam na zona da Grande Lisboa, quer recebendo diretamente os navios que chegam da Europa, quer por transferência fluvial.

Já o terminal da Trafaria destina-se a receber granéis agroalimentares em operações de "transhipment", desde navios Panamax para navios Handysize destinados a outros portos do Mediterrâneo, do Norte da Europa ou às Regiões Autónomas. Também em operações de descarga de navios oceânicos cujos produtos são armazenados e expedidos, quer por rodovia com destino ao mercado nacional ou ao hinterland Espanhol, quer por via fluvial para outros cais do porto de Lisboa.

Já o de Vale de Figueira, situado no Ribatejo, inserido numa zona tradicionalmente produtora não só de cereais (como milho, trigo e cevada) e oleaginosas (como girassol e colza), além de receber os produtos da produção local, pode igualmente acolher os cereais que sejam transferidos a partir dos terminais portuários da Trafaria e do Beato, quer por se prever um período de permanência em silo mais dilatado, já que os encargos de armazenagem em Vale de Figueira são mais reduzidos, quer para suprir os momentos em que a capacidade de resposta daqueles dois, em termos de espaço de armazenagem, se encontre esgotada, ou até mesmo para operações de triagem e limpeza de cereais, segundo detalha a Silopor no seu portal na Internet.


Futuro adiado

A Silopor chegou a ser concessionada a privados, há precisamente dez anos, mas essa concessão foi anulada. A ETE –Empresa de Tráfego e Estiva saiu vencedora do concurso público, mas veria a concessão anulada, ainda no mesmo ano, por não ter pago a caução acordada, com a justiça a dar razão ao Estado.

À luz do plano, o negócio devia ter rendido ao Estado 40 milhões de euros em 2014, acrescidos de 125 milhões de euros ao longo dos 25 anos da concessão.

Desde então pouco ou quase nada mudou. No relatório que acompanhou a proposta do Orçamento do Estado para 2023, o Governo indicou, sem mais detalhes, que previa concluir o processo de encerramento da liquidação da empresa, mas nada avançou nesse sentido.

E, de acordo com a informaçao tornada pública após a assembleia-geral da Silopor, realizada no final de dezembro, vai ser preciso esperar pelo próximo ano para que haja mudanças efetivas no terreno, já que o atual Governo (agora em gestão) decidiu deixar para o próximo Executivo a decisão relativamente ao lançamento de um concurso público renovando o mandato da comissão liquidatária até junho de 2025, altura em que termina o contrato de concessão da Silopor.

No documento de prestação de contas relativo a 2022, recentemente publicado, a comissão liquidatária dá exemplos da singularidade da Silopor como sejam o facto de dispor "do único batelão autopropulsionado a navegar no Tejo, permitindo assim o abastecimento das extratoras de soja aí instaladas, em condição económica e ambientalmente mais favorável" ou de estar, na margem norte do rio, "umbilicalmente ligada à fábrica da Nacional (através de 'redler'), o principal 'player' no mercado das farinhas alimentares".

Além de que "essencialmente não existe no mercado alternativa às instalações portuárias da Trafaria que asseguram a descarga dos navios Panamax e Capesize (de grande dimensão) e constituem a grande tendência do mercado importador", reforça.

"Estes três fatores, que resultam na quota de mercado superior a 50% a nível nacional, tornam a Silopor absolutamente essencial no abastecimento alimentar do país, o que não pode deixar de ser levado em conta em decisões quanto ao seu futuro", lê-se no mesmo documento.

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