As alterações ao Código do Trabalho que já foram aprovadas estabelecem indícios para que um juiz decida se um estafeta ou motorista a recibos verdes é na verdade um trabalhador dependente, com os direitos e deveres inerentes a contrato sem termo (salário, férias, regime de despedimento ou proteção social). Em entrevista ao Negócios, Nuno Inácio, responsável pela Bolt em Portugal, afirma que com algumas adaptações – ao nível do preço ou da escolha de serviços – o risco de as plataformas digitais serem consideradas empregadoras "não será substancial".
Explicou-nos que a Bolt tem 20 mil motoristas e talvez cerca de 20 mil estafetas ativos. Como se define o que é pago ao motorista?
Temos um preço-base mínimo, uma tarifa por minuto, por quilómetro, uma tarifa dinâmica, em função da procura e da oferta. [ A base varia e é de 3,65 euros em Lisboa]. E depois os motoristas têm toda a flexibilidade para conduzirem uma hora, duas horas, dez...
Quais serão as consequências das alterações ao Código do Trabalho que criam uma presunção de laboralidade para que, eventualmente, em tribunal, o juiz possa determinar que o estafeta ou motorista a recibos verdes é um trabalhador dependente da plataforma?
É importante mencionar que nenhum dos intervenientes nesta indústria quer esta lei. Os gestores de frota não querem, os motoristas e estafetas não querem, as plataformas não querem. Fizemos um estudo no ano passado e 87% dos nossos estafetas querem continuar a trabalhar como "freelancers". Só 10% fazem este trabalho a "full time". No inquérito de 2021 mais de 75% dos motoristas valorizaram a flexibilidade, 78% trabalham com mais do que uma plataforma. Temos pessoas que querem complementar o seu rendimento e têm [outro] trabalho a "full time", estudantes, se calhar até reformados que querem também complementar a sua reforma.
Mas admite que também haja pessoas que na verdade dependem do trabalho da Bolt? Porque trabalham de segunda à sexta para a Bolt – e se calhar para a Uber – com um nível de dependência idêntico ao das pessoas no escritório?
Sim, mas é preciso entender que já existem mecanismos para essas situações. Quando um trabalhador tem mais de 50% do seu rendimento de uma só entidade a entidade tem de pagar uma taxa.
Uma coisa é a taxa que a empresa tem de pagar. Outra coisa é a situação laboral e contratual da pessoa, imagino que nos escritórios tenham contratos sem termo.
Sim, mas as pessoas que estão aqui no escritório querem um contrato sem termo.
E diz que os estafetas e motoristas não querem, mas repare… Se formos perguntar a pessoas que fazem trabalho não declarado se querem fazer descontos e pagar impostos nalguns casos podem dizer que não, porque preferem ter mais rendimento líquido imediato e flexibilidade do que proteção social. E no entanto de um ponto de vista de políticas públicas isso não deve ser permitido.
Entendo perfeitamente, mas um trabalho de escritório é das 9h às 17h ou às 18h. Este tipo de atividade tem picos de procura e oferta durante o dia, a semana, o ano. A flexibilidade faz parte do serviço porque tanto o cliente como quem o providencia a quer.
Isso tem mais a ver com a organização da empresa. Existem formas de fazer chegar o serviço ao cliente a qualquer hora, tem é de haver uma reestruturação da organização que se calhar é incompatível com o atual modelo de negócio.
Sim e não, porque, lá está, depois caímos aqui em várias questões: quem é que é o empregador principal? É a plataforma A, a plataforma B, a plataforma C?