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Belmiro de Azevedo, o empresário que não deixava ninguém indiferente

Belmiro de Azevedo morreu esta quarta-feira, 29 de Novembro. Tinha 79 anos. Não fundou a Sonae, mas fê-la crescer. E chegar onde está hoje, sob liderança do filho.

29 de Novembro de 2017 às 16:51
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O filho Paulo Azevedo, que assumiu a liderança do grupo Sonae em 2007, assumira que uma das suas tarefas era a de "preservar os valores com que ele fundou a empresa". Belmiro de Azevedo não fundou a empresa, mas é como se a tivesse fundado. Tal como é hoje começou com ele. Belmiro de Azevedo dissera acreditar que tinha deixado a maior e mais importante empresa com longevidade em Portugal, e garantira que a Sonae não era um condomínio eterno. 

Sempre foi dizendo que os membros da família Azevedo tinham de provar mais do que os outros que mereciam os lugares de gestão na empresa. Mas é o filho Paulo que comanda o grupo, e a filha Cláudia que preside à Sonae Capital. O filho mais velho, Nuno, prefere não estar nos negócios.

Belmiro de Azevedo preparou há muito a sucessão. E mesmo na Efanor, a empresa da família, a sucessão estava entregue. Belmiro morreu, com 79 anos, esta quarta-feira, 29 de Novembro, com o universo Sonae em crescimento, já sem Belmiro ao leme, mas sempre ligado a ele.

"Não me lembro de todas essas semanas nem de todos esses dias, mas lembro-me bem do primeiro dia", dizia Belmiro de Azevedo. O primeiro dia foi a 2 de Janeiro de 1965, tinha Belmiro de Azevedo 26 anos, mais dois do que os que tinha Jack Welch, a referência (de Belmiro) na gestão, quando se juntou à General Electric (GE), da qual deixou a presidência executiva ao fim de 21 anos, em 2001, com 66 anos. Belmiro de Azevedo entregou o cargo de CEO ao filho Paulo Azevedo em 2007, com 69 anos. Mas só aos 77 anos, se libertou da presidência não executiva, passando o cargo, mais uma vez, ao filho mais velho, que passou a "chairman" e co-CEO. Belmiro de Azevedo já não estava nos negócios. 


A despedida de Belmiro de Azevedo da Sonae, num discurso aos quadros, aconteceu a 11 de Março de 2015, precisamente no dia em que passavam 40 anos sobre o golpe revolucionário que, em Portugal, ditaria a nacionalização da banca portuguesa, entre a qual o Banco Pinto de Magalhães, do fundador da Sonae. Anos mais tarde, Belmiro de Azevedo ficaria com a empresa. Nesse discurso, feito nos 50 anos na Sonae, falou dos insucessos, mas também os sucessos que acredita serem maiores. Levou a empresa ao que é hoje. 


A Sonae tem um volume de negócios de mais de sete mil milhões de euros, a que se junta a Sonae Indústria e a Sonae Capital. No conjunto das três empresas, o nome Sonae perto de oito mil milhões de euros de negócios em mais de 70 países. E são 45 mil colaboradores, a maior parte em Portugal. 


A Sonae começou pequena. Nasceu a 18 de Agosto de 1959, pelas mãos de Afonso Pinto de Magalhães, com sede provisória na Rua do Vale Formoso, no Porto, para o fabrico de estratificados a partir de engaço de uva, uma patente francesa. Quase levaria a Sonae à falência, não fosse Pinto Magalhães ser dono de um banco. Do estratifite a Sonae passa, progressivamente, para o laminite, um termolaminado decorativo à base de papel. Mas ainda não era a salvação. Faltavam, conta-se na história da empresa (perpetuada no livro "Retrato do Grupo"), quadros técnicos. E para essa mesma história fica, então, o dia em que Belmiro de Azevedo entra na empresa: 2 de Janeiro de 1965, a convite de António Correia da Silva que, mais tarde, diria: "Foi a pessoa certa na altura certa, com capacidade para avançar e ajudar a empresa na sua recuperação".

Pinto de Magalhães, apanhado no Brasil pelo 25 de Abril, ficou sem o banco - que detinha 20% da Sonae - e com os bens congelados. O Banco Pinto Magalhães foi nacionalizado. O IPE, empresa do Estado, queria assumir essa posição, mas não podia. A maior parte do capital da Sonae estava em "suspenso". Os trabalhadores, que tinham 300 acções, eram os únicos a votar nas assembleias. Houve decisões aprovadas por apenas 100 acções. Oportunidade para Belmiro de Azevedo aparecer. E assumir as rédeas.

As empresas do Estado não chegavam a acordo com a comissão de trabalhadores da Sonae/Novopan para lhes vender as acções. A solução na Sonae foi uma. A 28 de Fevereiro de 1978, dá-se o acontecimento que ainda hoje é contado na Sonae: a "greve ao contrário". Os trabalhadores lutaram contra a nacionalização.


Durou quatro meses. "É uma greve rotativa, prolongada e desgastante, mas que mantém o pessoal activo", conta-se no livro da história do grupo. A empresa tinha de continuar a trabalhar para os trabalhadores conseguirem receber os ordenados. O IPE saiu fora. As negociações passaram a decorrer com a UBP. Belmiro era já o líder, mas ainda não o dono.

Belmiro de Azevedo contava muitas vezes que a sua primeira missão foi destruir o que estava feito. Mandou para a sucata (palavras suas) a maior parte do equipamento que a empresa tão orgulhosamente tinha montado, já no local onde ainda hoje está a sede da Sonae. Já com Belmiro de Azevedo na frente de batalha, a Sonae comprou metade da Novopan, uma empresa de aglomerados de madeira. Os outros 50% já eram detidos por Pinto de Magalhães. Mais uma empresa com problemas. Mas está aqui a génese do que viria a ser o grupo Sonae. 

 

Muito tempo se questionou como Belmiro de Azevedo tinha conseguido passar de trabalhador a patrão. O próprio respondeu a Maria Filomena Mónica, numa entrevista que se pode ler no livro "Os Grandes Patrões da Indústria Portuguesa". "Eu explico-lhe, até porque já fiz as contas, que mandei para o PCP, uma vez que este partido tem vindo a fazer comentários". Até 1982, diz o próprio, só tinha 17 acções. Reforçaria posição quando Afonso Pinto de Magalhães regressa a Portugal, desarrola os bens e volta à Sonae. Ficou com mais 16%, que valiam 20 mil contos. Afonso Pinto de Magalhães morreria dois anos depois, em 1984. Já o bloco central, coligação entre PS e PSD, governava o país. Mário Soares era o primeiro-ministro. Belmiro acabaria por apoiá-lo, mais tarde, nas candidaturas à presidência.

Hoje, a área industrial - detida pela Sonae Indústria, autonomizada do grupo Sonae, mas propriedade da família Azevedo - é produtora de aglomerados de madeira.


Portugal vivia em pleno Estado Novo. Fechado. Mas a Sonae já pensava no negócio  fora de portas. A Sonae já era exportadora. Mas o seu desenvolvimento viria no pós-25 de Abril, com várias aquisições, nomeadamente a Siaf e a Paivopan, em Portugal, e a Spanboard, na Irlanda do Norte, já nos anos 80. As compras continuaram. Nos anos 90, veio a aquisição da espanhola Tafisa e da alemã Glunz. Investimentos de difícil "digestão". Hoje a maior parte do volume de negócios da Indústria está fora de Portugal. E até o negócio que hoje mais contribui para o agregado Sonae - o da distribuição - está a tomar asas fora do país. Também começou timidamente com dois supermercados de Pinto de Magalhães. Os Invictos, no Porto, e os Modelo, em Lisboa. Estes foram, no entanto, apenas a primeira abordagem.


1984 mudou a vida da Sonae e de Belmiro. Não apenas pela morte de Afonso Pinto de Magalhães, o que abriu a porta para a guerra iniciada com as três filhas e genros do banqueiro. Foi igualmente o ano em que a Sonae fez o acordo com a Promodès, que levaria o grupo a transformar-se numa empresa de distribuição, que é hoje o maior do universo Sonae.


Mas fez-se a outros negócios. Alguns não foram bem sucedidos. Como o próprio Belmiro de Azevedo reconheceu. Em particular, o da distribuição no Brasil, da Portucel e da OPA (oferta pública de aquisição) sobre a PT.


Cada um a seu tempo. A distribuição do Brasil foi um projecto iniciado em 1989, com a compra de parte da CRD (da qual viria a assumir o controlo) e vendido mais tarde, em 2005, parte ao Carrefour e o maior número de lojas à Wal-Mart, gigantes deste sector, por mais de 600 milhões de euros. Os grupos portugueses de distribuição não conseguiram vingar no Brasil. Não foi só a Sonae. Mas foi a Sonae.


Também de insucesso é classificada a privatização da Portucel, à qual a Sonae concorreu e perdeu. Ganhou dinheiro, é verdade, mas ficou sem a empresa que considerava complementar à sua actividade industrial. A Sonae detinha 25% da Portucel quando esta foi alienada pelo Estado. A Sonae não concorreu à privatização porque considerava o modelo "hostil" aos seus interesses. Carlos Tavares era o ministro da Economia. Ganhou Pedro Queiroz Pereira (Paulo Azevedo, anos mais tarde, declarava ao Negócios que "felizmente não ficou mal entregue"). A Sonae vendeu a sua posição acima do preço a que o Estado alienou. Acabou por ganhar dinheiro com a Portucel. Mas ficou sem a empresa.


Mais tarde chegou outro insucesso: a OPA da Sonaecom sobre a PT, em 2006. O verdadeiro embate, nesta OPA, foi com Ricardo Salgado. Um negócio que ficou atravessado. Mais um negócio perdido, mas que, também mais tarde, acabaria por resultar no que a Sonae verdadeiramente pretendia: ficou como accionista maioritária na que é hoje a Nos, em conjunto com Isabel dos Santos. 


Belmiro, nesse discurso dos 50 anos, escolheu, então três derrotas. Não falou da banca que, para todos os efeitos, é o sector em que não conseguiu entrar. Tentou-o através da "holding" pessoal, mas, verdadeiramente, Belmiro nunca distinguiu entre a Sonae e o resto. Ficou sem banca, apesar de a sua fortuna ter tido origem num banqueiro. Primeiro perdendo o BTA. Depois o BPA. Que lhe valeu guerras com Eduardo Catroga, então ministro das Finanças. Perdeu para o BCP. E nunca as relações com Jardim Gonçalves se estreitaram. Na biografia do ex-banqueiro, feita por Luís Osório, é dito que a passagem dos anos atenuaria o conflito.


As pazes terão sido feitas com Miguel Cadilhe, ministro das Finanças quando, em 1987, Belmiro de Azevedo, de uma assentada, lança sete OPV (dispersão em bolsa de empresas) para aproveitar benefícios fiscais. A polémica estalou. "As circunstâncias conduziram objectivamente a um embate, para usar a sua palavra", disse,em Abril de 2015, ao Negócios, Miguel Cadilhe, à distância de um quarto de século. Investigações à actuação da Sonae acabaram arquivadas. A Sonae garantia, já então, dinheiro no mercado de capitais para investimentos. 


Certo é que foram raros os casos em que negócios envolvendo o Estado tivessem sido ganhos pela Sonae. A explicação, para muitos, era uma: Belmiro não temia o poder político nem lhe prestava vassalagem. Mas tem uma vitória no seu catálogo. A Torralta é uma excepção e hoje a Sonae é dona de Tróia. Ironia do destino, o arranque do projecto para Tróia foi dado por José Sócrates, um estilo de governante que não agradava a Belmiro, do qual mais tarde reuniu mais capital de queixa na OPA sobre a PT.


Sucessos

Os sucessos também foram, nos 50 anos de liderança da Sonae, apontados pelo próprio  Belmiro, que elogiava, sempre que podia, a capacidade dos quadros da empresa e a constante formação. Isso mesmo fez o empresário, ainda gestor quando, em 1973, rumou a Harvard. "Tivemos muitos sucessos durante esta história, em que aprendi que, para prosperar, temos de estar em constante processo de mudança e de melhoria contínua", realçava Belmiro, 50 anos mais tarde.

Falava como seu êxito a possibilidade de levar quadros da Sonae a emanciparem-se e criarem os seus negócios. A serem, eles próprios, empreendedores. Falava de Benjamin Santos (da Indasa), Romão de Sousa (Proadec e Isar-Rakoll, mais tarde Probos), Carlos Moreira da Silva (BA Vidros), Pinto de Sousa (Ibersol), Jaime Teixeira (Orbitur), David Moreira e João Barros (Selfrio), António Murta (Enable). 

Foi de António Murta, ex-quadro Sonae, feito empresário pela autonomização da Enabler, que veio um elogio ao ex-patrão: "tem uma coragem intelectual muito grande e uma grande capacidade de tomar o risco". Mesmo que isso, no início, signifique perder dinheiro. Tratava o risco por tu: "Convivemos muito de perto há algumas décadas. E confesso que me tenho dado bem". Uma frase que lhe é atribuída no livro "O Homem Sonae", de Filipe S. Fernandes.

É por isso que, quando se perguntava pelas características de Belmiro de Azevedo, uma das primeiras que surgia, por praticamente todos os que lidaram com ele, é a coragem.


O Homem Sonae deve "aceitar perder sem ressentimento", lê-se na cartilha que, segundo disse ao Público, "demorou-me 30 minutos a escrever e saiu de uma só vez". O perfil do Homem Sonae é de 1985. "A pessoa que mais me influenciou, em termos de rigor e da importância a dar à educação, foi o meu professor primário. Para ele, quem tivesse um erro no ditado não passava". O professor Carlos da Silva Andrade foi "rigoroso, exigente e disciplinador". E o principal responsável por Belmiro de Azevedo ter saído do Marco de Canaveses, terra natal, à conquista de novos mundos, a partir do Porto. E conquistou.

Tornou-se num dos maiores empresários português. E assim será recordado.

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