A venda do passe de Otávio para o Al Nassr, em agosto, ajudará as contas portistas deste ano mas, ao não ter sido feita no exercício transato, deixou ainda mais exposta a ferida financeira da sua Sociedade anónima Desportiva (SAD).
Com um prejuízo de 47,6 milhões de euros, o terceiro pior de sempre, foi agravado ainda mais o problema dos últimos anos: nunca, desde que foi criada a 5 de agosto de 1997, a SAD do FC Porto teve tamanha diferença negativa entre ativos e passivos, num total de 176 milhões de euros. Nem a SAD do FC Porto nem qualquer outra em Portugal.
O descalabro da pandemia
O maior contributo para o desequilíbrio decorre da época 2019/20, em que o coronavírus virou o mundo do avesso, embora a pandemia não explique, por si só, o descalabro desse exercício, em que atingiu um prejuízo de 116 milhões de euros.
Desde logo, porque, em agosto de 2019, o FC Porto perdia a oportunidade de arrecadar 44 milhões pela participação na Liga dos Campeões. Ou mais: para comparação, na época seguinte encaixou acima de 73 milhões.
Não tem ajudado, igualmente, perder ativos valiosos em final de contrato, sem receber qualquer compensação, como foram os casos, no verão de 2019, de Yacine Brahimi (para a liga do Qatar) e Héctor Herrera (para o Atlético de Madrid).
O problema, depois disso, é que, apesar de ter tido duas épocas consecutivas com lucros (18,8 milhões em 2020/21 e 20,8 milhões em 2021/22), este último exercício, com prejuízos de 47,6 milhões, mais do que anulou esses ganhos.
A atual situação de falência técnica é fruto de um passivo de 522,3 milhões de euros, dos quais a maioria — 289,9 milhões — a terem de ser pagos no espaço de um ano, entre empréstimos bancários, empréstimos obrigacionistas, dívidas a fornecedores e outros passivos. O ativo, por outro lado, ficou nos 356,3 milhões de euros.
Na verdade, apesar de se terem agravado nos últimos anos, as contas na última época dão sequência a um período de sete anos consecutivos em que o passivo tem sido maior do que o ativo (ou seja, em que todos os bens e direitos que a FC Porto SAD detém não seriam suficientes para fazer face às suas obrigações). Será necessário recuar a 2015/16 para encontrar capitais próprios positivos (25 milhões de euros) na SAD portista, o que contrasta com a década anterior. Antes dessa época, só por duas ocasiões neste século tinha havido valores negativos — em 2011/12 (-12,7 milhões de euros) e 2013/14 (-33,1 milhões).
Ultrapassando o pico portista da pandemia — que atingiu -151 milhões de euros em capitais próprios —, os 176 milhões registados na época passada deixam ainda a uma distância mais considerável o pior desempenho de sempre da SAD do Sporting neste capítulo, em 2012-13, quando o passivo superou o ativo em 119,4 milhões de euros. Esse foi também o ano em que a SAD do Benfica teve o seu maior desequilíbrio (-23,8 milhões).
Hoje, ambas têm capitais próprios positivos. No caso dos leões, são 8,9 milhões de euros (em que o ativo de 317,9 milhões é superior ao passivo de 309 milhões), regressando a terreno positivo após cinco anos de falência técnica. E nas águias, que vão na sua nona época de valores positivos, são 113,2 milhões de capitais próprios positivos. Neste caso, o passivo ficou nos 444,6 milhões, mas o ativo ascendeu a 557,8 milhões de euros.
FCP com capitais negativos há 7 anos
Capitais próprios, em milhões de euros.
As diferenças entre ativos e passivos nas SAD dos três grandes aprofundaram-se nos últimos anos. O Benfica tem capitais próprios positivos de 113,2 milhões de euros e o Sporting regressou a terreno positivo após cinco épocas no vermelho. O Porto está em stress desde a pandemia e tem a pior situação de capitais próprios desde que as SAD foram criadas (entre o final dos anos 90 e o início do século).
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Operações pouco deficitárias (sem transferências)
Se não houvesse qualquer encargo nem ganho com transações de jogadores, nem tão-pouco gastos com juros, a situação do FC Porto na época passada teria sido completamente diferente.
Melhor, aliás, do que os rivais de Lisboa, tendo em conta que os dragões perderam pouco mais do que 38 mil euros com a operação (sem transações). Nas receitas, destaque para as provas da UEFA, em que receberam 61,9 milhões de euros, os direitos de transmissão televisiva (42,6 milhões) e a rubrica de publicidade e "sponsors" (27 milhões). Na bilheteira conseguiram 10,8 milhões de euros e no "merchandising" outros 9 milhões. Do lado dos gastos, os salários cresceram 15,5% para 95,4 milhões de euros e os fornecimentos externos 54,2 milhões.
Já a Sporting SAD teve uma operação deficitária de 5,9 milhões de euros (mais uma vez, sem contar com transações de jogadores). Para este resultado contribuíram 38,9 milhões de euros de prémios da UEFA, 28,4 milhões de direitos televisivos, 19,6 milhões de bilheteira, 16,8 milhões em patrocínios e publicidade e 9,2 milhões em "merchandising". Nos gastos operacionais, a SAD leonina pagou 76,5 milhões em salários (um aumento de 14%) e 35,9 milhões em fornecimentos externos.
Pior neste capítulo está o Benfica, que teve um resultado negativo de 10,6 milhões de euros. Num ano em que foi campeão e obteve 74,3 milhões de euros em prémios por participação em competições europeias, depois de ter atingido os quartos-de-final da competição, conseguiu ainda 48,8 milhões em direitos televisivos, 36,7 milhões em atividades comerciais e 33,9 milhões com receitas de jogos, num total de 195,8 milhões de euros. A despesa, no entanto, atingiu os 206,4 milhões, destacando-se os custos com pessoal, de 114,7 milhões (+1,9%) — valor que é de longe, o mais elevado entre os três grandes. Outra grande rubrica de gastos são os fornecimentos externos, que ascenderam a 82,1 milhões.
O efeito Champions e o fardo da dívida
Embora os défices destas operações — entre 38 mil euros e 10 milhões de euros — não sejam significativos, face à dimensão dos respetivos negócios, a verdade é que FC Porto e Benfica alcançaram esses resultados numa época em que beneficiaram de prémios elevados da Liga dos Campeões.
O problema? Se é uma das receitas mais importantes para as equipas portuguesas é também uma das mais incertas.
Na época anterior, 2021/22, os azuis e brancos receberam menos 15 milhões de euros do que nesta época e, em 2019/20, a derrota contra o Krosnodar impediu a equipa de Sérgio Conceição de aceder à fase de grupos, o que significou fechar a época com apenas 10 milhões de euros de prémios da UEFA.
No Benfica, os cofres viram entrar os mesmos 10 milhões em 2020/21, depois da eliminação frente ao Paok. E na época anterior, marcada pelo início da pandemia, receberam 48,5 milhões porque ficaram pela fase de grupos, ou seja, menos 25,8 milhões do que na época passada.
E não fica por aqui. Ainda sem colocarmos as transações de jogadores na equação — afastamo-las dos restantes resultados operacionais para uma melhor exposição do problema —, o nevoeiro adensa-se se juntarmos às contas anteriores o que cada SAD perde com juros. Aos 10,6 milhões de euros da perda operacional, o Benfica acrescenta aqui 11,9 milhões. No caso do Sporting, adiciona 14,9 milhões aos 5,9 milhões de défice da operação. E o FC Porto, que teve apenas 38 mil euros nesse capítulo, junta uma perda de 22,9 milhões de euros nos juros.
Ou seja, no conjunto daquelas duas dimensões, os respetivos buracos nas contas ficam todos ligeiramente acima de 20 milhões de euros (20,8 milhões no Sporting, 22,5 milhões no Benfica e 22,9 milhões no Porto) — e no tal contexto de boas prestações nas competições europeias.
FC Porto desperdiça arma para equilibrar contas
Num campeonato em que os direitos televisivos, a receita com bilheteira e o merchandising não têm a expressão das principais ligas europeias, sobra então um derradeiro instrumento para garantir o equilíbrio: a venda de jogadores, que deveria não só cobrir o investimento que as SAD fazem nos plantéis como também esses buracos de cerca de 20 milhões.
E é aqui que reside o problema desta última época para o FC Porto. As receitas com vendas ficaram nos 23,5 milhões e ainda há que descontar os 9,5 milhões de custos associados a essas transações, o que inclui o mecanismo de solidariedade da UEFA, as comissões pagas a agentes e o abate do valor contabilístico do passe dos jogadores.
O que daqui sobra — 14 milhões de euros — não chega sequer para a FC Porto SAD cobrir o que pagou nessa época pelo investimento no plantel.
No caso da compra de passes, em termos contabilísticos, os custos são alisados ao longo do período de contrato assinado entre o jogador e a SAD, pelo que, por exemplo, um jogador que tenha custado 10 milhões de euros por cinco anos de contrato (o período mais comum), verá amortizado o seu passe em 2 milhões de euros por cada época que jogue pelo clube. O somatório de todas essas amortizações (e ainda de perdas por imparidades) pesaram no ano passado 38,1 milhões de euros. Ou seja, além do que já tinha de pagar em juros, o FC Porto criou um novo problema na transação de jogadores.