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"Lojas de ouro foram um cancro para o sector"

Derretidos os anéis usados que deram tantos milhões, a indústria da ourivesaria deitou mãos à sua actividade fundacional e contratou Milla Jovovich para dar brilho mundial às jóias lusas. Quer duplicar as exportações em quatro anos.

Paulo Duarte
20 de Novembro de 2017 às 22:00
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Ana Freitas e Fátima Santos, presidente e secretária-geral da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP), respectivamente, puxam o fio de um sector que acordou recentemente de uma longa letargia.

Uma indústria velha, parada no tempo, sem investir em ‘design’ ou marcas, e voltada para o mercado interno. Era esta a imagem do sector ainda há poucos anos. Cometeram-se muitos erros?
Ana Freitas (AF) - Sim. Estamos a falar de um sector que é muito tradicional, composto, acima de tudo, por micro e pequenas empresas, muitas das quais são constituídas por elementos da mesma família, muito voltadas para dentro. Por isso, apesar da crise, foram-se mantendo no mercado.
Fátima Santos (FS) - Até 1970 tínhamos um sector que era tradicionalmente exportador, mas, depois do 25 de Abril, com o crescimento nacional, vocacionou-se totalmente para o mercado interno.


Acresce o fenómeno da matéria-prima….
FS - As empresas trabalham com ouro e prata, que são matérias-primas de interesse bolsista e activos de reserva de valor. Temos então empresas que, mesmo não cumprindo o seu objecto social, que é a produção de jóias de adorno pessoal, vão realizando dinheiro por terem matéria-prima. Eu entrei na AORP em 2007, quando o preço do ouro rondava os oito euros o grama, sendo que actualmente anda na casa dos 40. Isto sem ter acontecido nada. Mas isto é enganador.

Há poucos anos havia uma loja de compra e venda de ouro usado em cada esquina do país. Fecharam mais de mil. De que forma este negócio afectou o vosso sector?
FS - Esse foi um cancro que tivemos no sector. Ainda que tenha atenuado os efeitos da crise, desfocou o sector do seu próprio negócio e atrasou a evolução progressiva a que agora estamos a assistir. Comprava-se a matéria-prima a um preço absolutamente estúpido, que depois era derretido e reexportado em barra.

Quem é que no país tem mais ‘know how’ para fazer isto? O sector. Obviamente que houve muitos pára-quedistas, muita gente que ganhou milhões…
AF - No fundo, o sector não teve necessidade de se reinventar mais cedo porque tinha esta fonte de rendimento. E isto foi suficiente para as empresas se aguentarem mais algum tempo.


Entretanto, a situação inverteu-se…
AF - Primeiro, porque as pessoas deixaram de ter ouro para vender, e, depois, também fruto da situação económico-financeira do país, a situação foi melhorando, as pessoas deixaram de ter tanta necessidade para vender. E foi aqui que as empresas, deixando de ser alimentadas por este fluxo, perceberam que estavam demasiado voltadas para dentro, desajustadas da realidade, com o mercado nacional a já não ser suficiente para o consumo da sua produção, a verem as marcas internacionais a entrarem no mercado português…


Quando, e como, é que esta indústria acordou de tão longa letargia?
AF - Nos últimos cinco anos. Foi a partir daí que as empresas começaram a olhar para fora de portas, a ver o que estava a acontecer, atentas ao ‘design’, a novos processos de vendas, à criação de marca e imagem, e isso foi o que revolucionou o nosso sector nos últimos anos.


Entre 2008 e 2014, as vendas ao exterior desta indústria registaram um crescimento da ordem dos 500% para 60 milhões de euros. Quanto é que o sector factura e quanto exportou no ano passado?
FS - A facturação ronda os 700 milhões de euros e as exportações atingiram os 71 milhões em 2016.


A AORP lançou, entretanto, a primeira campanha internacional de promoção da ourivesaria portuguesa, que tem como rosto a modelo e actriz Milla Jovovich. Quais são os grandes objectivos a alcançar com esta acção?
AF - O objectivo principal é dar a conhecer a ourivesaria portuguesa, que é reconhecida lá fora de forma individual mas que sabemos que terá um impacto superior se for apresentada de forma colectiva.


Em termos de crescimento das exportações, qual é o objectivo desta campanha?
AF - Duplicar as exportações para 150 milhões de euros, nos próximos quatro anos.

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Uma casa onde só elas é que brilham

A liderança e a gestão operacional da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP) são integralmente exercidas no feminino. Sob a presidência de Ana Freitas, a organização tem Fátima Santos como secretária-geral, que é quem coordena uma equipa de oito pessoas – todas mulheres. "A visão feminina é extraordinariamente importante, principalmente nesta indústria. É que nós somos as consumidoras deste sector", justifica Ana Freitas, 36 anos, licenciada em Economia, que assumiu os comandos da J. Borges de Freitas – uma das empresas líderes de relojoaria em Portugal – quando o pai faleceu, em 2010.

Já Fátima Santos, 37 anos, formou-se em Direito e chegou à AORP há 11 anos, vinda da indústria do calçado. "Cheguei aqui numa altura dramática, quando se discutia o eventual fecho das portas. A associação era o espelho do que estava a acontecer no sector", recorda.




A compra e venda de ouro usado desfocou o sector do seu próprio negócio. Ana Freitas
presidente da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP)
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