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Mercados estão certos em não confiar nos bancos

Quase uma década depois da crise que quase derrubou o sistema financeiro mundial, os mercados ainda não demonstram muita confiança nos bancos. É um fenómeno preocupante que governantes da Europa e dos EUA preferem ignorar.

Reuters
30 de Maio de 2017 às 18:00
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É compreensível que, depois de anos de negociações e milhares de páginas de novas regras, as autoridades reguladoras queiram declarar missão cumprida. As autoridades mudaram o modo de supervisionar o sistema, reorganizaram os mercados de derivados, sujeitaram os bancos a testes de stress periódicos e instituíram uma infinidade de exigências de prestação de contas. Para aumentar a capacidade dos bancos de absorver perdas, as autoridades exigiram centenas de milhares de milhões de dólares em capital adicional.

 

Porém, como salientou o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers, os mercados aparentemente não acreditam que os bancos estejam mais saudáveis. Isso reflecte-se na forma de avaliação do património líquido dos bancos — ou seja, em quanto é que os activos que as instituições reportam excedem os seus passivos.

 

No início da década de 2000, em regra, os investidores estavam dispostos a pagar 2 dólares ou mais por cada dólar em património existente, sinalizando que confiavam na contabilidade dos bancos e esperavam lucros significativos. Agora, mesmo após a subida das bolsas após a eleição de Donald Trump à Casa Branca, os cinco maiores bancos dos EUA são avaliados em cerca de 1,16 dólares por cada dólar de património contabilizado. Os cinco maiores bancos europeus são avaliados por ainda menos.

 

O que se passa? Uma das explicações é a queda da rentabilidade. As previsões de crescimento económico são bem menores do que em 2007 e os investidores não podem esperar que os bancos ganhem tanto dinheiro. Além disso, a nova regulação exige que os funcionários se ocupem mais com a colecta de dados, a avaliação de riscos e a elaboração dos piores cenários possíveis.

 

No entanto, a taxa de retorno mais baixa não basta para explicar toda a diferença. A confiança também tem um papel importante. Após uma crise na qual instituições supostamente bem capitalizadas se viram em apuros, é compreensível que os investidores não tenham muita fé nos números apresentados pelos bancos. Talvez os investidores estejam a reconhecer o que o ex-governador do Banco da Inglaterra Mervyn King chama de "incerteza radical": é impossível prever e designar probabilidades a tudo o que pode correr mal com um banco.

 

Qual é o caminho? Simplificar a regulação pode ajudar. Muitas das regras mais onerosas surgiram porque os bancos resistem à abordagem elegante de aumentar significativamente o capital para absorver perdas. Mesmo tendo captado tanto nos últimos anos, o património líquido dos maiores bancos representa, em média, aproximadamente 6% do total de activos (segundo padrões de contabilidade internacionais). Se a parcela fosse mais próxima de 20% (o suficiente para enfrentar algum desastre imprevisto e ainda manter uma boa capitalização), os bancos inspirariam maior confiança e exigiriam menos supervisão.

 

Ao tornar os accionistas mais responsáveis por perdas, o capital adicional também poderia criar um incentivo para desbloquear valor, por meio da divisão dos bancos de maior tamanho e complexidade em pedaços mais administráveis e inteligíveis.

 

Porém, o património líquido apenas não é suficiente. Qualquer instituição que dependa de captações de curto prazo para realizar investimentos de longo prazo pode ser motivo de pânico no mercado, com repercussões em toda a economia. Somente uma reestruturação muito mais radical do sistema financeiro poderia tratar desta fraqueza. King, por exemplo, propõe um sistema no qual o banco central efectivamente garanta todas as dívidas de curto prazo e restrinja severamente os tipos de investimentos que podem ser financiados com as mesmas.

 

Conjugada com exigências maiores de reservas de capital, esta abordagem permitiria a eliminação de quase todas as outras regras.

 

Os mercados deram o alerta: a mudança fundamental que a crise exigia não se concretizou. A batalha para alcançar mudanças fundamentais causou exaustão e não consertou um sistema falhado. Talvez seja necessário outro enorme desastre para a lição ser aprendida.

 

Esta coluna não necessariamente reflecte a opinião do comité editorial ou da Bloomberg LP e dos seus proprietários. 

Título em inglês: Markets Don’t Trust Banks, and They’re Right

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