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BdP acusa BPP de criar veículo "fantasma" para ocultar perdas
O supervisor bancário acusa o BPP de ter criado um veículo (Leaving Seagull), com sede nas ilhas Virgens Britânicas, que fez emissões "fictícias" de 50 milhões de euros, porque os títulos nunca tiveram qualquer movimento de compra, venda ou transferência.
Segundo a acusação do Banco de Portugal (BdP) que determinou o processo contra-ordenacional em que o Banco Privado Português (BPP), a Privado Holding e nove outros arguidos, entre os quais João Rendeiro, fundador e ex-presidente banco, foram condenados ao pagamento de coimas num valor superior a 10 milhões de euros, o veículo Leaving Seagull, criado em Dezembro de 2002 com o BPP Cayman a assumir a qualidade de "beneficial owner" [último beneficiário], destinava-se a ficcionar valores.
Era uma linha inserida nos extractos que resultava de um cálculo informático da diferença entre o valor devido a um cliente numa determinada data e o valor de mercado dos activos detidos por esse cliente nessa data, mas que era apresentado no extracto como se se tratasse de um título que compunha as respectivas carteiras.
De acordo com a acusação contida no processo, consultado pela Lusa e cujo recurso apresentado pelos arguidos começa a ser julgado a 23 de Junho no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, em Dezembro de 2002, foi feita uma emissão do Leaving Seagull com uma dimensão máxima de 25 milhões de euros e vencimento no final de Outubro de 2007, altura em que foi feita nova emissão no mesmo valor e com maturidade em Novembro de 2008.
Não obstante a sua criação, os títulos nunca foram emitidos nem subscritos por ninguém, nem existiram movimentos de compra, venda ou transferência, afirma a acusação.
Em finais de 2002, Fernando Lima, Paulo Lopes, Rui Domingues, Tiago Ferreira, antigos responsáveis do banco, entre outros, transmitiram a Fezas Vital, ex-administrador, a não concordância com o não reconhecimento contabilístico das responsabilidades emergentes das garantias assumidas perante os clientes, mas, numa reunião com João Rendeiro, este terá reiterado as instruções dadas para a implementação do mecanismo.
Segundo a acusação, foram vários os alertas para as "graves consequências" que podiam advir da manutenção do veículo.
Em Setembro de 2008, na sequência do aumento significativo da depreciação do valor dos activos, que implicava um aumento proporcional do valor do Leaving Seagull, Paulo Lopes solicitou a Nuno Paramés a criação de um novo título, com idênticas características, designado MB Float, o qual também não registou quaisquer movimentos e foi utilizado nos extractos de clientes dos meses de Setembro e Outubro desse ano.
Nessa altura, as responsabilidades potenciais assumidas pelo BPP perante estes clientes ascenderam a 36 milhões de euros, não havendo qualquer provisão constituída relacionada com a prestação destes compromissos de pagamento à data da aprovação das demonstrações financeiras relativas a 2007 (nem nas anteriores).
Só em 2008 foram reconhecidas, pela administração provisória, provisões no valor de 7,6 milhões de euros relativas ao exercício findo em Dezembro de 2006 e de 20,8 milhões de euros relativas ao exercício de 2007.
Durante o exercício de 2008, a desvalorização de activos obrigou à constituição de provisões no valor de 404,7 milhões de euros, atingindo no final do ano um valor, líquido de utilizações, de 421 milhões de euros.
As contas de 2008, preparadas pela administração provisória (já mandatada pelo Banco de Portugal), não foram aprovadas em assembleia-geral.
Este modelo de gestão discricionária, mediante a qual o BPP assegurava aos clientes a totalidade do capital investido e uma remuneração mínima, foi ocultado do BdP até Novembro de 2008, data em que a sua existência foi comunicada pela primeira vez, adianta a acusação.
Segundo o supervisor, João Rendeiro sabia, pelo menos desde 2001 e até Novembro de 2008, da comercialização de produtos com garantia de capital e nalguns casos remuneração na data de maturidade que não estavam devidamente reflectidos na contabilidade, opção tomada dado o impacto que esse registo iria ter na contabilidade do BPP pela necessidade de constituição de provisões.