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As lições de quem perdeu dinheiro com o BES

A queda do BES levou as poupanças de milhares de portugueses, mas retirou-lhes também confiança. Muitos perderam quase tudo. No BES, perdeu-se muito mais do que um banco. E há lições que se aprenderam.

31 de Outubro de 2014 às 09:48
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"Se me serviu de alguma coisa isto tudo? Serviu-me para não repetir". E depois, o silêncio. Fica muitas vezes um silêncio conformado entre as frases de Joaquim de Almeida quando fala do único investimento que tinha - e que perdeu - de cerca de 10 mil euros em acções do Banco Espírito Santo (BES). Reformado, com 78 anos, diz que, para si, "os investimentos acabaram". Até porque a principal lição que retira da sua perda é que é preciso desconfiar. De tudo e de todos.


A queda do Banco Espírito Santo, há cerca de três meses, levou as poupanças de dezenas de milhares de pequenos investidores. De acordo com as informações que constavam no site do BES, só pequenos accionistas eram, a 14 de Julho deste ano, cerca de 33 mil. Mas, mais do que as poupanças, na maioria dos casos, o BES retirou-lhes confiança nos bancos, nos gestores de conta, nos responsáveis políticos e nos supervisores. No fundo, no "sistema". "Hoje em dia há que desconfiar de tudo e de todos. Mesmo quando as entidades de supervisão dizem que está tudo bem. Como é que podemos acreditar numa coisa dessas depois do que se passou?", questiona Joaquim de Almeida, recordando as palavras que acreditou serem de confiança transmitidas pelo governador do Banco de Portugal e mesmo pelo Presidente da República pouco antes do colapso do banco.





Há que desconfiar de tudo e todos. Mesmo quando as entidades de supervisão dizem que está tudo bem. Como é que podemos acreditar depois do que aconteceu?
Joaquim de Almeida, Reformado, 78 anos

 


Ao contrário de Joaquim, resignado com a ideia de que as perdas no BES foram "um golpe de má sorte", Idalina Baptista não se conforma por não ter acompanhado mais de perto os seus investimentos, confiando que o gestor de conta respeitava o seu perfil de investimento de baixo risco. E confiava de tal forma que só em Agosto deste ano, quando Portugal acordava para a queda do império, descobriu que era accionista do BES há alguns anos, que havia subscrito novas acções no aumento de capital e que tinha, além disso, 70 mil euros em obrigações do banco. "Eu achava que tinha uma conta normal, só há pouco tempo é que soube que eram obrigações. E as acções, isso não sabia mesmo", admite.


Idalina aprendeu da pior forma que os interesses dos gestores de conta e os dos clientes nem sempre estão alinhados, e conta que foi pressionada a subscrever produtos que desconhecia. "Fui muito pressionada. O meu gestor ligava-me desde as oito da manhã a dizer que tinha uma proposta muito boa para mim, que me ia dar bastante dinheiro, a mim e a ele, que ganhávamos os dois", relata. "Passado uma semana deu-me um papel para assinar (era do aumento de capital) e eu confiei nele mais uma vez. Perguntei se era de risco e ele disse que não, que me ia dar muito dinheiro". No final de contas, perdeu cerca de 12.300 euros em acções e não sabe ainda o que vai acontecer ao investimento em obrigações. "Nunca mais assino papéis sem saber o que estou a assinar. Quero que percam tempo a explicar-me tudo, quero fazer sempre perguntas", afirma Idalina, acrescentando, contudo, que não quer mais investimentos com risco.





Nunca mais assino papéis sem saber o que estou a assinar. Quero que percam tempo a explicar-me tudo, quero fazer sempre perguntas.
Idalina Baptista, Operadora de produção, 43 anos

 


As perdas com o BES levaram a maioria dos pequenos investidores a olhar com mais cautela para a sua carteira. Mais diversificação e menor risco são agora as palavras de ordem para José Pereira, que aplicou três mil euros em obrigações subordinadas do BES. Agora, acredita que é hora de afinar a sua estratégia de investimento. "Tenho estado a realocar os meus investimentos, a fugir para produtos que dão mais segurança, perdendo em potencial rendibilidade, como certificados de aforro, PPR e depósitos a prazo", conta.





Tenho estado a realocar os meus investimentos para produtos que dão mais segurança, perdendo em potencial rendibilidade, como certificados de aforro.
José Lourenço Pereira, Gerente de uma companhia de seguros, 45 anos

 


Pedro Oliveira, pelo contrário, não resgatou nenhuma das acções que tem na sua carteira e confessa que as perdas no BES não o vão demover de investir na bolsa. "Mas vou ser mais cauteloso, vou diversificar ainda mais os meus investimentos e colocar depósitos a prazo em vários bancos", explica o gestor de marketing, de 38 anos. Se pudesse voltar atrás, pouco ou nada faria diferente. "Um investidor tem de ter uma carteira diversificada, saber exactamente o sector em que investe, estudar o balanço das empresas. Tudo isso eu fiz".


Entre acções e obrigações do BES, Pedro Oliveira perdeu 34 mil euros. "Quero que as pessoas sejam responsabilizadas, o dinheiro já o esqueci", remata.





Um investidor tem de ter uma carteira diversificada, saber exactamente o sector em que investe, estudar o balanço das empresas. Tudo isso eu fiz.
Pedro Queirós de Oliveira, Gestor de marketing, 38 anos

 

 

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Tome nota


A quem socorrer no caso do BES?


Há várias hipóteses para pedir ajuda se for accionista do BES ou se tiver aplicações do BES ou empresas do Grupo Espírito Santo, ainda que haja vários casos ainda sem respostas. Os processos até podem chegar a Tribunal.


O que aconteceu ao BES?
A 3 de Agosto, o Banco de Portugal decidiu separar o BES em dois. Criou um banco de transição, o Novo Banco, que ficou com os activos não problemáticos do BES. O Banco Espírito Santo manteve-se, mas só ficou com os activos tóxicos. Os accionistas do BES ficaram com as acções, mas suspensas em bolsa. Mas havia outras aplicações quer no BES quer em empresas controladas pela família Espírito Santo e que também elas entraram em insolvência.


A quem deve recorrer?
Os accionistas, obrigacionistas e clientes do Banco Espírito Santo (BES) podem contactar a Associação de Defesa dos Consumidores (DECO) através do site www.deco.proteste.pt ou dos números 808 200 147/218 418 789. Os detentores de acções podem recorrer ao Movimento de Pequenos Accionistas do BES (APA BES) que está actualmente em processo de constituição formal enquanto associação. O Movimento está contactável através da sua página no Facebook e email apa.bes2014@gmail.com. Titulares de contas do Banque Privée Espírito Santo, detentores de papel comercial e clientes do BES-GES podem contactar a Associação de Defesa dos Clientes Bancários (ABESD) através do email secretariado@abesd.org.


Os reguladores recebem casos?
Tanto a CMVM como o Banco de Portugal abriram linhas próprias para o caso BES. O Banco de Portugal está contactável através do telefone 707 201 409 (dias úteis, das 9h às 18 horas) ou por email infobes@bportugal.pt. Já a CMVM disponibiliza para os accionistas e clientes de serviços de investimento a linha verde com o número 800 205 339.

 

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