Notícia
2006: Duas ofertas milionárias que mudariam poderes
Tanto nas telecomunicações, como na banca, o ano de 2006 foi um marco. A Sonae tentou comprar a PT. O BCP cobiçou o BPI. Ambas falharam. Mas o preço chegou mais tarde.
Ainda o mercado não estava refeito daquele fim de tarde de 6 de Fevereiro de 2016 quando foi novamente surpreendido. Após a OPA da Sonae sobre a PT era a vez do BCP, já com Paulo Teixeira Pinto aos comandos, lançar uma OPA sobre o concorrente BPI, a 13 de Março desse ano. Ambas mereceram de imediato o reconhecimento de hostis.
Começavam duas guerras que duraram mais de um ano. Tiveram o mesmo desfecho: falharam. Mas não ficou pedra sobre pedra.
A OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom foi o plano B encontrado por Paulo Azevedo – que ainda não tinha substituído o pai Belmiro na liderança do grupo, mas que era o líder da família para as telecomunicações – para tentar colocar travão ao que dizia ser a concorrência desleal da PT nesse sector. A "sua" Optimus/Novis não conseguia escalar a quota de mercado, e a queixa feita em Bruxelas acusando a PT de abuso de posição dominante não surtiu efeitos.
Paulo Azevedo delineou, com Ângelo Paupério (com quem hoje em dia reparte a presidência executiva da Sonae), o passo seguinte. E a bomba caiu a 6 de Fevereiro de 2006 no Fórum Picoas. A Sonae começou por oferecer 9,5 euros por cada acção da PT, uma operação que avaliava a operadora incumbente em cerca de 11 mil milhões de euros. Valor que um ano depois aumentou em um euro. Um ano de guerras nos mercados e fora deles. Ricardo Salgado, o todo-poderoso presidente do Banco Espírito Santo, que era o principal accionista da PT, moveu mundos e muitos fundos para impedir que a OPA chegasse a bom porto. Entraram novos accionistas na PT – como a Ongoing ou o mexicano milionário Carlos Slim –, que em 2006 viu ser eleita uma nova administração.
Henrique Granadeiro foi apadrinhado por Salgado e José Sócrates (líder do Governo) para presidente da operadora, acumulando a função executiva da não executiva. Zeinal Bava foi "suportado" como vice-presidente. Estava montada a equipa para fazer oposição à Sonae, ainda que tivessem também de se bater numa outra instância, que não apenas junto do Governo – que detinha, através da CGD, uma posição qualificada na PT e uma "golden share" na operadora. Abel Mateus foi o entrave inesperado. O então presidente da Autoridade da Concorrência queria ver no sector o que a OPA propunha – separação das redes da PT. Mas demorou tempo a decidir. Mais de meio ano depois autorizava a operação de fusão entre a TMN e a Optimus, mas obrigava à separação da PT Multimédia. Nem o seu "sim" levou ao sucesso da OPA. Tinha de passar o crivo dos accionistas. E estes, já com uma união fortalecida e com o aceno de um chorudo cheque, votaram contra a OPA. A 2 de Março de 2007.
Também a aquisição do BPI pelo BCP teria merecido a aceitação de Abel Mateus (que de uma assentada, e ainda na infância de uma Autoridade que pretendia ser interventiva, se viu a braços com dois mega processos), mas também na banca o esforço dos accionistas da visada venceram. A OPA do BCP foi derrotada, não convencendo os accionistas do BPI com a oferta melhorada de 7 euros (inicialmente tinha oferecido 5,7 euros). O fim da OPA aconteceu a 7 de Maio de 2007. E a 28 de Maio desse ano, Paulo Teixeira Pinto reconhecia a derrota.
Tudo ficou na mesma, mas muito mudou
Falhadas as OPA tudo ficou numa aparente igualdade. A PT continuava "orgulhosamente" fora da Sonae, com uma estrutura accionista partilhada entre BES e Estado – "Estavam todos feitos", declarou já em 2017 Paulo Azevedo, comentando a OPA de há 10 anos –; e o BPI continuava no universo do La Caixa e do Itaú. Mas se tudo estava aparentemente igual, a realidade é que nada ficou como dantes.
E enquanto deste lado se ganhava força, do lado da PT começou-se a perder. Um accionista desesperado - GES - via na PT uma galinha de ovos-de-ouro. Vendeu-se a Vivo, comprou-se parte da Oi e negociou-se uma fusão. Bastaram 10 anos para que a PT deixasse de ser uma operadora nacional – vendida à francesa Altice – para se tornar na Pharol, uma cotada que hoje vale pouco mais de 200 milhões. O campeão nacional caiu, arrastado pelos accionistas e hoje é parte de uma investigação judicial que tem no centro José Sócrates. Nenhum dos poderes da PT de 2006 sobrevive.
Também de poder se fez o rastilho da OPA ao BPI. Esta oferta mostrou os primeiros sinais de uma ruptura entre dois pólos de poder dentro do BCP que, fracassada a operação, mobilizaram diferentes grupos de accionistas à sua volta. De um lado, os apoiantes de Paulo Teixeira Pinto. Do outro, os indefectíveis de Jardim Gonçalves. Depois de meses de guerra accionista, ambos acabaram afastados do banco. O BCP passou a ser liderado por Carlos Santos Ferreira, até aí presidente da Caixa Geral de Depósitos e próximo do Governo de José Sócrates. E a Sonangol passou a ser o accionista dominante, lugar que hoje é ocupado pelo grupo chinês Fosun.
No BPI, derrotar a OPA do rival BCP abriu caminho ao reforço da posição do La Caixa. Para mostrar que a oferta estava condenada ao fracasso, a instituição catalã, hoje CaixaBank, reforçou a sua posição para 25% e passou a ser o maior accionista do banco. Os brasileiros do Itaú ficaram no limiar dos 20% e em 2012, cinco anos depois de terem recusado uma OPA que oferecia sete euros por cada acção do BPI, venderam os seus títulos a 0,5 euros, por receio de que Portugal seguisse o caminho da Grécia. Passada uma década, o CaixaBank é o accionista hegemónico. Ofereceu 1,134 euros por acção e conseguiu ficar com 85% do BPI, livrando-se de Isabel dos Santos, a quem o banco vendeu o controlo da operação angolana.
Nas duas OPA que abalaram 2006 há protagonistas comuns, mas o que delas resultou, passado 10 anos, foram novos poderes. Todos com mão estrangeira.