Notícia
Ricardo Paes Mamede: "Estado não deve assumir que concorre com privados na saúde"
O papel dos privados na saúde deve ser supletivo, defende Ricardo Paes Mamede. Até porque a lógica de mercado não serve para a saúde e há vários exemplos de serviços públicos eficientes, argumenta.
Margarida Peixoto
margaridapeixoto@negocios.pt
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Rosário Lira
Antena 1
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Miguel Baltazar - Fotografia
10 de Fevereiro de 2019 às 22:00
O economista e professor do ISCTE defende que a generalidade dos serviços de saúde deve ser assegurada pelo setor público, deixando ao privado um papel supletivo. Embora reconheça o valor da lógica de mercado para promover a eficiência, defende que esta lógica não deve ser aplicada a todas as áreas da vida e que é possível conseguir eficiência em entidades públicas.
Os privados devem envolver-se na gestão dos hospitais?
Sou defensor de que os serviços de saúde sejam fundamentalmente assegurados pelo Estado, e que o setor privado tenha um papel supletivo. O Estado não deve assumir que concorre com os privados. Os cidadãos deveriam ter assegurada a generalidade dos serviços de saúde por entidades públicas. Cada cidadão que entenda que ter acesso a serviços de saúde diferenciados, está no seu direito. E o mercado deve funcionar, mas não pondo em causa a garantia de um serviço que seja geral, universal e gratuito, na medida das possibilidades económicas.
E isso significa...
Significa que, tanto quanto possível, o Estado deve ser capaz de garantir, inclusivamente alguns serviços de saúde que não tem garantido até aqui. Muitos exames de diagnóstico são feitos fora do setor público, quando muitos hospitais têm capacidade para os realizar, e devem realizá-los. Outros não têm capacidade para os realizar porque não houve o investimento que deveria ter havido. Não porque não fosse eficiente fazê-lo. Como não há disponibilidade imediata para fazer o investimento, devido às restrições orçamentais paga-se muito mais para em cada ano usar os equipamentos dos privados. É errado em termos de racionalidade económica. Mas há outras atividades: os dentistas, a fisioterapia... São atividades que têm sido asseguradas pelo privado quando, a meu ver, tendencialmente deveriam ser absorvidos pelo serviço público.
Mesmo pagando o mesmo que se paga atualmente pelo serviço nacional de saúde?
A questão fundamental aqui é a seguinte: os serviços de saúde não são passíveis de funcionar de acordo com a lógica de mercado. A lógica de mercado é uma lógica de rentabilização. E é uma lógica em que se sobrepõe o princípio do lucro ao princípio do bem estar do utente. Não sou favorável a uma economia plenamente centralizada e planificada. E reconheço que os mecanismos de mercado têm um potencial enorme de eficiência.
Sou defensor de uma economia mista, onde o mercado tem um papel disciplinador e de alocação de recursos. Agora, não estendo esta lógica a todas as dimensões da vida. É o caso da saúde, mas também de outras áreas . As relações laborais também. Não devem ser estabelecidas com base num princípio básico, rude de lógica de mercado. As pessoas não podem ser tratadas como mercadorias. Se só a lógica de mercado funcionasse, num momento de elevado desemprego as pessoas receberiam salários miseráveis para trabalhar porque não existiria alternativa. Não creio que este seja o modo de uma sociedade funcionar.
Mas tem de haver um limite à despesa que é possível fazer em termos de saúde pública.
Tem de haver uma preocupação crucial em assegurar que os modelos de governança das entidades promovem a eficiência, juntamente com a prestação dos serviços públicos. Dizer que a lógica do lucro não se deve sobrepor às restantes lógicas não é dizer que não há necessidade de haver eficiência nos vários setores. O que não acredito é que seja impossível aumentar a eficiência numa organização só porque ela é pública. Temos mais do que exemplos de muitas empresas privadas que não têm eficiência. E temos muitos exemplos de atividades e de organização públicas que são eficientes.
O salto gigantesco que fizemos, por exemplo, na nossa relação com o Fisco ao longo das últimas duas décadas, o funcionamento do SNS 24, que facilita brutalmente a vida das pessoas. A facilidade que hoje uma criança tem em ter acesso aos serviços de saúde em Portugal. E devíamos pensar também em algumas más experiências que temos com serviços privados, principalmente naquelas áreas onde a concorrência é menos forte. Indústrias de rede, de telecomunicações, da energia, onde temos frequentemente más experiências com o setor privado.
Os privados devem envolver-se na gestão dos hospitais?
Sou defensor de que os serviços de saúde sejam fundamentalmente assegurados pelo Estado, e que o setor privado tenha um papel supletivo. O Estado não deve assumir que concorre com os privados. Os cidadãos deveriam ter assegurada a generalidade dos serviços de saúde por entidades públicas. Cada cidadão que entenda que ter acesso a serviços de saúde diferenciados, está no seu direito. E o mercado deve funcionar, mas não pondo em causa a garantia de um serviço que seja geral, universal e gratuito, na medida das possibilidades económicas.
Significa que, tanto quanto possível, o Estado deve ser capaz de garantir, inclusivamente alguns serviços de saúde que não tem garantido até aqui. Muitos exames de diagnóstico são feitos fora do setor público, quando muitos hospitais têm capacidade para os realizar, e devem realizá-los. Outros não têm capacidade para os realizar porque não houve o investimento que deveria ter havido. Não porque não fosse eficiente fazê-lo. Como não há disponibilidade imediata para fazer o investimento, devido às restrições orçamentais paga-se muito mais para em cada ano usar os equipamentos dos privados. É errado em termos de racionalidade económica. Mas há outras atividades: os dentistas, a fisioterapia... São atividades que têm sido asseguradas pelo privado quando, a meu ver, tendencialmente deveriam ser absorvidos pelo serviço público.
Mesmo pagando o mesmo que se paga atualmente pelo serviço nacional de saúde?
A questão fundamental aqui é a seguinte: os serviços de saúde não são passíveis de funcionar de acordo com a lógica de mercado. A lógica de mercado é uma lógica de rentabilização. E é uma lógica em que se sobrepõe o princípio do lucro ao princípio do bem estar do utente. Não sou favorável a uma economia plenamente centralizada e planificada. E reconheço que os mecanismos de mercado têm um potencial enorme de eficiência.
Sou defensor de uma economia mista, onde o mercado tem um papel disciplinador e de alocação de recursos. Agora, não estendo esta lógica a todas as dimensões da vida. É o caso da saúde, mas também de outras áreas . As relações laborais também. Não devem ser estabelecidas com base num princípio básico, rude de lógica de mercado. As pessoas não podem ser tratadas como mercadorias. Se só a lógica de mercado funcionasse, num momento de elevado desemprego as pessoas receberiam salários miseráveis para trabalhar porque não existiria alternativa. Não creio que este seja o modo de uma sociedade funcionar.
Mas tem de haver um limite à despesa que é possível fazer em termos de saúde pública.
Tem de haver uma preocupação crucial em assegurar que os modelos de governança das entidades promovem a eficiência, juntamente com a prestação dos serviços públicos. Dizer que a lógica do lucro não se deve sobrepor às restantes lógicas não é dizer que não há necessidade de haver eficiência nos vários setores. O que não acredito é que seja impossível aumentar a eficiência numa organização só porque ela é pública. Temos mais do que exemplos de muitas empresas privadas que não têm eficiência. E temos muitos exemplos de atividades e de organização públicas que são eficientes.
O salto gigantesco que fizemos, por exemplo, na nossa relação com o Fisco ao longo das últimas duas décadas, o funcionamento do SNS 24, que facilita brutalmente a vida das pessoas. A facilidade que hoje uma criança tem em ter acesso aos serviços de saúde em Portugal. E devíamos pensar também em algumas más experiências que temos com serviços privados, principalmente naquelas áreas onde a concorrência é menos forte. Indústrias de rede, de telecomunicações, da energia, onde temos frequentemente más experiências com o setor privado.