Notícia
Vírus sem fronteiras ameaça 2 mil milhões de pessoas que vivem na informalidade
Como os governos controlam a atividade numa economia sobre a qual nunca tiveram controlo? Esta é uma pergunta urgente para os que comandam países com economias em desenvolvimento, com um PIB de 35 biliões de dólares, uma altura de pandemia.
Das favelas de Manila a vilas remotas na Colômbia, cerca de 2 mil milhões de pessoas ganham a vida na economia informal, praticamente sem regras nem impostos. O esforço para conter a propagação da doença que já contagiou mais de um milhão de pessoas vai em breve esbarrar em países afetados por instituições frágeis, recursos limitados e corrupção.
"Como vou dar conta se tudo ficar parado?" perguntou Caetano Sousa do Nascimento, 50 anos, que ganha cerca de reais num dia movimentado a vender água de coco nos arredores de Brasília e vive da economia informal, como cerca de 40 milhões brasileiros. "As pessoas têm que retomar a vida. Parar tudo não é a solução."
Países emergentes, que respondem por mais de 90% dos empregos informais no mundo, estão a pressionar pela paralisação de um segmento vital da atividade económica que é desproporcionalmente vulnerável à doença, menos preparado para sobreviver a um longo bloqueio e muitas vezes fora do alcance de programas de apoio do governo. Um estudo do Fundo Monetário Internacional estimou que a dimensão média da economia informal em 158 países era equivalente a 31,9% do PIB oficial entre 1991 e 2015. Se essa proporção foi mantida em 2019, setores informais representavam quase 30 biliões de dólares.
Ameaça emergente
Nos países em desenvolvimento, a situação de trabalhadores informais é agravada pela combinação de grandes favelas, famílias numerosas a viver juntas em pequenas barracas e ausência de testes. Novos epicentros de coronavírus começam a aparecer em lugares como Guayaquil, no Equador, que foi tomada pelo exército na semana passada.
A emergência económica a caminho levou o G-20 a mudar o foco nesta semana para a necessidade de auxílio aos países em desenvolvimento. Durante a reunião virtual na terça-feira, os ministros das Finanças e bancos centrais do G-20 disseram que pretendem abordar as vulnerabilidades da dívida de economias emergentes, permitindo que concentrem esforços em lidar com a ameaça.
Sem uma rede de segurança financeira e com pouco acesso a serviços de saúde, o dilema da força de trabalho informal da Índia, de 450 milhões de pessoas, é um dos exemplos mais evidentes de como a desigualdade social ameaça minar os esforços globais para conter o vírus.
A maioria desses homens e mulheres ganha, em média, apenas 2 dólares por dia. Estas pessoas não têm a opção de trabalhar em casa, tirar folga ou evitar os transportes públicos para praticar o distanciamento social.
Pequenos comerciantes na Nigéria preparavam-se esta semana para o bloqueio nas duas maiores cidades do país, Lagos e Abuja. A nação mais populosa de África superou a Índia como país com maior número de pessoas em extrema pobreza em 2018, e o setor informal responde por 65% da economia.
Usman Saleh, um comerciante do mercado Wuse, em Abuja, tinha acabado de receber dois camiões com morangos frescos no valor de 5.100 dólares quando soube que o governo ia fechar todas as empresas. A fruta provavelmente será perdida, disse, e o prejuízo pode arruinar o seu negócio.
"O que vou fazer agora?", perguntou. "Não posso guardar tudo isto nos meus frigorificos, simplesmente não tenho espaço."
Medidas de alívio
Organizações que representam milhões de trabalhadores informais começaram a pedir uma fatia dos enormes pacotes de estímulo anunciados.
Um grupo de 10 organizações na África do Sul, que representam quase 5 milhões de trabalhadores, pediu ao governo que estabeleça um "benefício em dinheiro" que permita aos trabalhadores informais cumprir quarentenas sem enfrentar dificuldades económicas. Os grupos também pediram a distribuição em larga escala de máscaras e luvas, além de sabão e álcool gel em locais públicos com grande atividade de trabalho informal.
Violência
Centenas de marroquinos protestaram contra a aplicação de medidas de emergência, fazendo arruadas e cantando cânticos religiosos um dia depois do bloqueio ter sido implementado em Fez, Tetuã e Tânger.
Marrocos, país norte-africano onde 60% da força de trabalho não tem seguro de saúde, impôs rígidas restrições de mobilidade em áreas públicas que esvaziaram os mercados e ruas tradicionalmente movimentadas.
"O bloqueio cria uma situação difícil para toda a região do norte da África, porque ocupar a rua é a principal característica de uma significativa economia informal", disse Rachid Aourraz, economista do think tank MIPA, em Rabat.
Impacto
Na Colômbia, o governo tenta impor um bloqueio até meados de abril, mas enfrenta resistência de trabalhadores que mal ganham para viver.
A força de trabalho informal do país cresceu muito nos últimos anos com quase 2 milhões de migrantes que fugiram do colapso económico da Venezuela. A maioria não tem visto, e o fecho em massa de restaurantes, salões de beleza e outras empresas deixa muitos deles sem dinheiro e sob a ameaça de despejo.
Nalgumas partes da Colômbia rural, o estado quase não existe, e as regras são dadas por milícias financiadas pela cocaína.
"Em países com grandes economias informais, um bloqueio completo pode forçar uma pessoa a estar mais próxima de alguém que possa contagiá-la", disse Priyanka Kishore, responsável por Índia e Sudeste Asiático na Oxford Economics, em Singapura. "E, se os bloqueios não conseguirem controlar a disseminação dos casos, então os bloqueios continuarão, agravando a crise económica e social."