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Democratas recuperam Câmara mas Trump mostrou a sua força

Oito anos depois, o Partido Democrata reconquistou o controlo sobre a Câmara dos Representantes, enquanto os republicanos mantiveram maioria no Senado. Apesar do volte-face para o presidente dos EUA, o Partido Republicano venceu nos distritos em que Trump realizou as suas acções de campanha.

EPA
07 de Novembro de 2018 às 07:46
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As eleições intercalares norte-americanas não terão sido um "sucesso tremendo" para o Partido Republicano como descreveu Donald Trump, contudo também não foram uma debacle nem para os republicanos nem para o presidente dos Estados Unidos, que voltou a mostrar a sua força nas acções de campanha realizadas. O saldo da última noite eleitoral resume-se facilmente: os democratas recuperaram o controlo da Câmara dos Representantes do Congresso oito anos depois de terem perdido a maioria na câmara baixa; e os republicanos mantiveram a maioria no Senado. 

Até agora e quando falta ainda distribuir 19 assentos, o Partido Democrata assegurou precisamente os 218 mandatos que garantem a maioria e o controlo da Câmara dos Deputados, enquanto o Partido Republicano (GOP) contabiliza 198 lugares na câmara baixa do Congresso norte-americano.

Em relação ao Senado (câmara alta), numa eleição em que estavam 35 dos 100 mandatos em disputa, os republicanos mantiveram a maioria na câmara alta com pelo menos 51 assentos, contabilizando os democratas 44 lugares. Tendo em conta que há pelo menos dois senadores independentes, significa que falta ainda apurar três mandatos de senadores, havendo a perspectiva de que os republicanos solidifiquem a maioria no Senado. 

O resultado dos republicanos no Senado é muito relevante não apenas em termos legislativos e de equilíbrio no Congresso, mas também porque assim Trump e o líder do GOP na câmara alta, Mitch McConnell, poderão continuar a preencher o sistema judicial com elementos conservadores e, sobretudo, garantir uma maioria ultra-conservadora no Supremo Tribunal por largos anos.

Quanto à corrida para os 36 lugares de governador em jogo nestas intercalares, os democratas elegeram até agora 22 governadores e os republicanos 25, o que significa que para já os primeiros ganharam sete lugares aos segundos. 

Depois de Trump ter governado nos primeiros dois anos na Casa Branca com o apoio de ambas as câmaras do Congresso, agora o presidente norte-americano terá a sua governação muito mais escrutinada pelos democratas. A vitória dos democratas na Câmara dos Representantes fica sobretudo a dever-se à conquista de mandatos por parte das candidatas do sexo feminino, numa bancada que será mais jovem e diversa em termos raciais. 

No entanto, em estados onde Donald Trump é mais forte, os republicanos alcançaram votações superiores a 50% e, em vários casos, em torno dos 60%. Nos três estados (Ohio, Indiana e Missouri) em que Trump concentrou as acções de campanha nos últimos dias, o GOP registou resultados robustos em ambas as câmaras (apesar de no Ohio ter sido eleito um senador democrata), o que confirmou que o presidente dos EUA continua a ser apelativo para o seu eleitorado base (homens brancos, operários, eleitores de zonas rurais) pese embora as suas baixas taxas de aprovação.

No seio do Partido Republicano poderá haver algum descontentamento relativamente ao presidente americano, dado que Trump, ao contrário das sugestões feitas por elementos relevantes do partido reportadas pela imprensa, insistiu, nos últimos dias de campanha, numa retória anti-imigração em vez de concentrar o discurso na cada vez melhor situação da economia dos EUA.

Sociedade americana dividida

Estas eleições, com vitória democrata na Câmara e republicana no Senado, confirmaram ainda a profunda cisão na sociedade americana, em grande medida entre a população das grandes cidades e subúrbios e os eleitores das zonas rurais, ou entre o bloco de votantes com perfil liberal e o campo conservador. O que não é alheio ao próprio discurso divisivo e com base em ataques de Trump. E parece também uma indicação de que em 2020 as presidenciais norte-americanas serão uma disputa renhida, isto depois de há dois anos a candidata democrata Hillary Clinton ter vencido o voto popular (com mais cerca de 3 milhões de votos) mas ter perdido no Colégio Eleitoral.   

A divisão no controlo do Congresso alarga-se também à solidez da posição de Trump como presidente. É que se a maioria democrata na Câmara garante ao partido a capacidade para abrir um processo de destituição contra Trump, isto se da investigação às ligações do presidente à Rússia a cargo do investigador especial Robert Mueller resultarem fortes fundamentos, o controlo do Senado pelos republicanos torna quase impossível somar a maioria de dois terços necessária ao afastamento de um presidente em funções. 

A pressão para que os democratas enfrentem Trump é grande, desde logo porque as projecções à boca das urnas mostravam que 77% dos eleitores que se identificaram como apoiantes do Partido Democrata defendem a destituição do actual presidente. Os democratas superiorizaram-se, principalmente, junto do eleitorado feminino, jovem e residente em áreas suburbanas dos grandes centros.   

Fim de uma era de oito anos de domínio

Seja como for e independentemente da avaliação de saiu vencedor destas intercalares, a derrota dos republicanos na câmara baixa, que segue a tradição segundo a qual o partido no poder é penalizado, assinala o fim de um ciclo de oito anos de domínio do GOP no Congresso e, em particular, na Câmara dos Representantes. 

Em 2010, com Barack Obama na Casa Branca, os republicanos, impulsionados pela ala mais conservadora do partido (Tea Party), conquistaram a Câmara dos Representantes com um discurso de forte oposição ao reforço da despesa federal para combater a crise financeira internacional de 2008. O Partido Republicano perde agora a maioria com o défice orçamental em crescendo em consequência do enorme corte de impostos introduzido no início deste ano pela administração de Trump. 

Do lado democrata, a vitória na Câmara representa também a abertura de um novo ciclo. Como explicou o comentador Van Jones na CNN, a vitória dos democratas pode não ter sido esmagadora mas representa algo novo: "pode não ter sido uma onda azul, mas foi um arco-íris". Van Jones caracteriza assim o facto de a bancada democrata na Câmara ser agora "mais jovem, mais escura, mais fresca, com mais mulheres e mais veteranos". 

A líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi, afiança que os resultados permitem "restaurar" os pesos e contra-pesos que caracteriza o sistema político-jurídico norte-americano e promete um "controlo" à acção presidencial de Trump. "Com esta nova maioria democrata vamos honrar os valores dos nossos pais fundadores", disse Pelosi proclamando que hoje é "um novo dia para os EUA".

Disputa comercial com a China não deve ser (muito) afectada

Uma das questões-chave para a administração Trump prende-se com a disputa comercial em curso com a China, contudo a estratégia proteccionista com que o presidente pretende equilibrar a relação comercial com Pequim não deverá sofrer grandes devido à existência de uma nova maioria democrata na câmara. É que se existem áreas de amplo consenso entre democratas e republicanos esta é uma delas, uma vez que também o Partido Democrata considera que o enorme défice comercial americano nas trocas com a China deve ser atenuado. 

Ainda assim, é provável que os democratas tentem imprimir uma abordagem menos confrontacional e radical na relação com Pequim o que, a confirmar-se, não significa uma inversão na estratégia de imposição de tarifas aduaneiras reforçadas adoptada por Trump que actualmente são aplicadas a bens chineses num valor superior a 250 mil milhões de dólares.  

Os investidores reagiram positivamente a um resultado eleitoral que confirmou as expectativas e que, mesmo dificultando, não representa um obstáculo insuperável para a governação de Trump. Os juros da dívida americana seguem em queda acentuada, com a "yield" correspondente aos títulos soberanos a 10 anos a recuar 4 pontos base para 3,11%.

(Notícia actualizada pela última vez às 10:00)
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