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Coronavírus vai alterar a forma como compramos, viajamos e trabalhamos durante anos

Todos os choques económicos deixam um legado. Com o coronavírus não vai ser diferente.

21 de Março de 2020 às 10:00
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A Grande Depressão gerou a atitude de "não desperdices o que não queres" que definiu os padrões de consumo durante décadas. A hiperinflação que assolou a Alemanha depois da I Guerra Mundial ainda assombra a política económica do país.  

 

A crise financeira na Ásia deixou a região com as maiores reservas mundiais de moeda estrangeira. Mais recentemente, a crise financeira global de 2008 atingiu as democracias mais maduras de uma forma que ainda hoje perdura, com os rendimentos de muitos trabalhadores atualmente ainda abaixo do que se verificava na altura.

 

Agora é um problema de saúde pública que está a sacudir a economia mundial. No espaço de poucas semanas, as pessoas nas áreas mais afetadas já se habituaram a utilizar máscaras, acumular bens essenciais em casa, cancelar encontros sociais e reuniões de negócios, cancelar viagens previstas e trabalhar a partir de casa. Até países ainda pouco afectados estão a adoptar as mesmas precauções.

 

Estes hábitos vão deixar rasto muito além do fim dos períodos de paralização, atuando como um travão na atividade económica sobretudo através da redução da procura. Do lado da oferta, as empresas manufatureiras internacionais estão a ser forçadas a repensar onde devem comprar e produzir os bens – acelerando uma alteração que já se assistia depois da guerra comercial entre os EUA e a China ter exposto os riscos de ficar dependente de uma só fonte para ter acesso a um determinado produto ou componente.

 

No mundo dos empregos de escritório, as empresas aumentaram as opções de recurso ao teletrabalho e trabalho por turnos – inaugurando uma nova era onde o trabalho a partir de casa é uma parte relevante do horário de um trabalhador.

 

"Assim que estiverem estabelecidas as políticas de trabalho a partir de casa, provavelmente vão vingar", diz Karen Harris, director geral da Macro Trends Group, consultora da Bain, em Nova Iorque.

 

 

As universidades, penalizadas pelas restrições nas viagens, vão diversificar a base de estudantes estrangeiros e as escolas têm de se preparar da melhor forma para a educação online quando estiverem que encerrar as instalações físicas.

 

Não há dúvida que os turistas estão ansiosos por voltar a explorar o mundo e a relaxar nas praias. Mas pode demorar algum tempo até que recupere esta indústria que emprega 1 em cada 10 pessoas em todo o mundo.

 

O virus também revolucionou as perspetivas para as políticas económicas, criando novas prioridades. Os bancos centrais estão de novo em modo de emergência, enquanto os governos estão a escavar ainda mais fundo para encontrar dinheiro para ajudar os setores em maiores dificuldades. A higiene está a subir de importância nas agendas dos governos e das empresas – Singapura já está a planear introduzir práticas de limpeza obrigatórias.

 

"Esta epidemia não tem precedentes em termos da sua natureza e incerteza, bem como impacto social e económico", diz Kazuo Momma, antigo responsável da política monetária do Banco do Japão. Controlos de fronteira mais apertados, seguros mais abrangentes e mudanças duradouras no trabalho e padrões de comunicação são apenas algumas das alterações micro-económicas que vão prolongar-se depois do vírus, diz Momma.  

 

Na China, onde o virus emergiu pela primeira vez no final do ano passado, já existe legislação que impede o comércio e consumo de animais selvagens, uma vez que os cientistas concluíram que o coronavírus fatal migrou dos animais para os humanos. É de esperar que as regras adicionais na higiene acelerem os consumidores mais cautelosos a efeturarem as compras online, em linha com o que aconteceu com a SARS em 2003, que reforçou o comércio na Internet e penalizou os centros comerciais.

  

 

Análises efetuadas pela Bain & Company mostram que a China vai assistir a alterações profundas e imediatas nos cuidados de saúde e que os "checkups" e consultas mais rudimentares passarão a ser feitas através de canais digitais por forma a evitar o risco de contaminação em salas de espera e enfermarias apinhadas de pessoas.

 

Os governos deverão gastar muito mais na saúde para evitar custos elevados associados a epidemias, de acordo com um paper sobre o impacto macroeconómico do vírus, que foi elaborado por Warwick McKibbin e Roshen Fernando da Australia National University e publicado pelo Brookings Institution.

 

"A comunidade global deveria ter investido muito mais na prevenção nos países pobres", diz McKibbin, que também é co-autor de um paper mais antigo onde se concluia que a SARS em 2003 tinha custado 40 mil milhões de dólares à economia mundial.

 

 

Porque ninguém ainda sabe como o vírus se vai propagar e qual vai ser o impacto económico, os econonistas estão cautelosos em efetuar previsões. É provável que grande parte da atividade económica volte ao normal assim que o surto seja contido, diz Edmund Phelps, da Universidade de Columbia.

 

"Penso que a maioria dos negócios e certamente as grandes empresas nos Estados Unidos e noutros países não vão falhar e vão conseguir voltar ao normal", disse o economista que foi laureado com o Nobel da Economia.

 

Economistas como Paul Sheard, da Universidade de Harvard, advertem que como não há dois choques económicos iguais estamos ainda muito longe de conseguir prever qual será o legado desta crise.

 

Fabrizio Pagani, antigo conselheiro do primeiro-ministro italiano, olha para os choques anteriores para encontrar uma tendência.

 

"O choque petrolífero dos anos 70 originou os primeiros esforços de conservação e eficiência energética", lembrou. "O choque na procura originada com a grande crise financeira foi o ponto de partida para uma alteração radical na regulação sobre o setor financeiro".

 

 

Desta vez, os especialistas esperam alterações em quase tudo, desde a educação online e à distância, à estratégia industrial assim que os modelos de negócio são repensados.

 

A convergência tripla do Brexit, guerra comercial EUA/China e agora o Covid-19 podem reconfigurar as cadeias de fornecimento da indústria mundial, diz Michael Murphee, da Universidade da Carolina do Sul.

 

Kathryn Judge, especialista em mercados financeiros e regulação da Universidade de Columbia, diz que o "crash" dos bancos em 2008 deixou cicratizes profundas, pois provocou políticas divisivas e deixou cada vez menos pessoas com casa própria. A atual crise também vai ter impacto.

 

"Longos debates sobre como melhorar o sistema de saúde dos EUA podem beneficiar de um renovado sentido de urgência, permitindo mudanças estruturais".

 

Como este debate vai ser feito ao nível político será chave. O provável candidato democrata Joe Biden está a trabalhar num plano que tem o Obamacare como ponto de partida. Entretanto, o presidente Donald Trump está a desvalorizar o impacto do coronavírus na economia norte-americana e a culpar outros países pela pandemia provocada pelo que denominou de "vírus estrangeiro".

 

James Boughton, que trabalhou durante décadas no Fundo Monetário Internacional, cita os colapsos na Coreia do Sul e Indonésia como catalizadores para uma alteração, incentivando os governos a agir. 

 

"Apenas numa crise os governos são capazes de mobilizar as pessoas a aceitar as necessárias mas dolorosas reformas", diz Boughton. "Todas as crises são também uma oportunidade".

Artigo Original: Coronavirus Will Change How We Shop, Travel and Work for Years

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