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Scaramucci: O financeiro que deixou as camisas de poliéster arregaça as mangas na Casa Branca

O novo director de comunicação de Donald Trump não teve uma primeira semana fácil na Casa Branca: o milionário, descendente de italianos e que chegou a distribuir jornais e a vender capacetes, continua a aprender como funciona Washington.

Reuters
29 de Julho de 2017 às 10:00
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Quem pensou que a entrada de Anthony Scaramucci, há uma semana, para novo director de comunicação da Casa Branca, atenuasse o ruído criado nos últimos seis meses, desde que Donald Trump se tornou o 45.º Presidente dos EUA, enganou-se. E foi por defeito: tornou-se mesmo nos últimos dias mais uma fonte geradora de centenas de notícias e milhares de reacções nas redes sociais. Ou seja, mais barulho numa administração a precisar de serenidade para os três anos e meio que ainda restam de mandato.

Executivo da alta finança de Wall Street, Scaramucci foi a escolha de Trump para implementar os aspectos-chave da agenda do presidente e melhorar a percepção pública das "conquistas" da administração norte-americana, depois da saída do seu antecessor Mike Dubke e de também Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca, ter deixado o cargo por discordar da nova nomeação.

Scaramucci entrou a pés juntos e prometeu demitir todos os responsáveis pelas fugas de informação que nos últimos meses tanta dor de cabeça têm dado a Trump, embora o próprio tivesse assumido ser impossível reduzir a zero a saída não autorizada de informação para os jornais. "A política do ‘apanhei-te’ acabou. Tenho uma pele dura e estamos a implementar a agenda do presidente para servir o povo americano," garantiu num dos primeiros tweets depois de tomar posse.

Sem papas na língua

Mas se a pele é dura, os nervos não são de aço. E as unhas de fora parecem vir a ser a marca do novo director de comunicação, que diz estar agora a começar a perceber como funciona Washington. O último episódio foi "para o ar" esta quinta-feira à noite, quando a The New Yorker deu a conhecer extractos de uma conversa entre Scaramucci e um jornalista da publicação, Ryan Lizza, na qual aquele tentava identificar a fonte de mais uma fuga de informação.

Lizza recusou dar o nome, apesar da insistência, e o director de comunicação ameaçou despedir todos os que pudessem ter passado a informação. A conversa que se seguiu foi reproduzida porque o visado não terá pedido que fosse "off the record".

Daí em diante, lê-se na publicação, Scaramucci entrou em roda livre e disparou em todas as direcções. Contra Reince Priebus – o chefe de gabinete de Trump, que sempre se opôs à entrada do empresário na equipa - "Reince é um esquizofrénico paranóico, um paranóico". Cerca de 24 horas depois da publicação das declarações, Priebus foi substituído por John F. Kelly, o secretário da Segurança Interna - como o próprio Scaramucci tinha confidenciado ao jornalista.

Também o estratega de Trump, o nacionalista Steve Bannon, foi incluído no rol de linguagem vulgar, acusado de ter sede de protagonismo: "Não sou Steve Bannon. Não procuro chupar o meu próprio pénis".

Declarações que causaram estupefacção e que, horas mais tarde, teriam reacção do próprio Scaramucci. "Cometi um erro ao confiar num jornalista. Não voltará a acontecer," escreveu no Twitter, no que pareceu ser o reconhecimento de mais uma etapa da aprendizagem em curso para lidar com o "pântano" de Washington.

Um ambiente em que poderia ter "mergulhado" antes, se a vontade de Trump não tivesse colidido com a de Priebus. Conta Lizza que o presidente queria contar com Scaramucci na equipa logo no início, em Janeiro, quando tomou posse.

Terá sido por isso que vendeu nesse mês a Skybridge Capital, uma gestora de hedge funds, que fundou em 2005, ao conglomerado chinês HNA, o mesmo que detém indirectamente 2,5% da TAP.

Questionado sobre se a venda seria uma forma de os investidores chineses conseguirem porta aberta para a Casa Branca, Scaramucci considerou que só se fosse "estúpida" é que a HNA podia pensar isso. A Forbes estima que a alienação, ainda dependente dos reguladores, renda 77 milhões de dólares ao empresário.
 

O sector financeiro é aliás nos últimos quase 30 anos a água onde Scaramucci melhor se move. Em 1986 consegue o grau de bachelor of arts em Economia pela Universidade Tufts e três anos depois é juris doctor na Harvard Law School, num período em que o futuro presidente Barack Obama também frequentava aquela escola.

"Pensava que tornando-me num advogado, poderia dar alguma segurança financeira à minha futura família. Não percebi que não estava apaixonado pela ideia de uma profissão na advocacia," admitiria Scaramucci, a primeira pessoa da família com formação universitária. A vida não seguiria efectivamente pelo Direito.

Das camisas de poliéster aos campos de golfe

A primeira porta que se entreabriu foi a da Goldman Sachs & Co, onde ao longo de sete anos no banco (de 1989 a 1996) chegaria a vice-presidente de Private Wealth Management. Foi ali que conheceu porém o "maior falhanço" da sua vida, quando chegou a ser despedido ao fim de 18 meses. "Foi devastador. Era mau naquele trabalho, como analista de banca de investimento. Tinha saído da faculdade de Direito. Era jovem e não tinha a formação financeira," disse numa entrevista à Long Island Business News, em Março do ano passado.

Isso não o impediu de voltar a tentar: encontraria uma nova ocupação no mesmo Goldman Sachs, noutro piso do edifício. Recorda que até essa altura, nunca tinha entrado num edifício empresarial, num campo de golfe ou num 'court' de ténis.

"Olha, tu és um tipo inteligente, mas és uma das pessoas mais mal vestidas da Harvard Law School. Não te posso convidar para a Goldman Sachs vestido dessa maneira," disse Scaramucci numa entrevista, recordando os reparos de um superior aos fatos e camisas de poliéster que envergava nos primeiros tempos de profissão.

"O meu sonho de vida era começar algo do nada"

O homem forte de Trump para a comunicação gosta aliás de lembrar as origens humildes. Nasceu há 53 anos, a 6 de Janeiro de 1964, em Port Washington - Long Island, descendente de uma segunda geração de italianos de Volturara Irpina (Campania) (o Corriere coloca a origem da família em Gualdo Tadino, Perugia).

O pai, que trabalhou 42 anos na extracção de areias, sustentava a família Scaramucci na classe média. Aos 11 anos, Anthony – mais tarde conhecido como "the Mooch" (o pedinchão ou o ‘parasita’, como a imprensa italiana o apelida) ou "Gucci Scaramucci", o petit-nom com que, alegadamente, George W. Bush se lhe refere - distribuía jornais de bicicleta depois das aulas. Mais tarde trabalhou na loja de motorizadas do tio, a vender capacetes.

"O meu sonho de vida era começar algo do nada". Foi o que aconteceu em 1996, quando fundou a Oscar Capital Management, vendida cinco anos mais tarde à Neuberger Berman, LLC. Depois iniciaria a aventura da SkyBridge, que também "começou do nada", com apenas três empregados e sem clientes ou fortunas para gerir. Em finais de Maio passado, a empresa geria ou aconselhava a gestão de activos avaliados em 11,4 mil milhões de dólares.

O segredo para o êxito? Escolher os melhores e delegar, dizia: "Há muita gente inteligente à minha volta e eu deixo-os fazer o que querem". No seu percurso conta também com o cargo de vice-presidente sénior do Export-Import Bank of the United States.

Encontrar a fortuna sem vender a alma

As semelhanças com Trump vão no entanto além do mundo da alta finança. Não chegou a despedir pessoas em directo como o magnata fazia n' "O Aprendiz", mas co-apresentou desde 2015 um programa de televisão, Wall Street Week, na Fox Business.

Pelo meio, escreveu três livros – O Pequeno Livro dos Hedge Funds (2012) – "O que precisa de saber sobre os hedge funds mas os gestores não lhe dirão". "Como encontrar a fortuna sem vender a sua alma", tinha sido o subtítulo do livro "Adeus Gordon Gekko" (2010), numa alusão ao personagem desempenhado por Michael Douglas no filme Wall Street e conhecido pela frase "A ganância é boa".

O livro mais recente, "Hopping Over the Rabbit Hole"- como os empreendedores tornam o falhanço em sucesso –, foi publicado no ano passado. É também em 2016 que virá a ser escolhido pelo presidente para ser um dos 16 membros do comité executivo de transição para a administração Trump.

Elogios a Hillary, críticas (apagadas) a Trump

Mas nem sempre ambos tiveram agulhas apontadas na mesma direcção, nomeadamente no que diz respeito aos temas fracturantes de Trumpo: alterações climáticas, controlo de armas, imigração ilegal ou o Islão. O Washington Post fez recentemente um levantamento de várias das publicações antigas que Anthony apagou no Twitter com a justificação de que "as opiniões passadas evoluíram e não devem ser uma distracção" nas novas funções

Elogios ao republicano Mitt Romney por se ter colocado à margem de Trump, reparos à inteligência do agora presidente por se preparar para apoiar Newt Gingrich nas primárias de 2011, ou mesmo palavras de apreço por Hillary Clinton, em 2012 – "Espero que ela concorra [à Casa Branca]. Ela é incrivelmente competente". No mesmo ano manifestou-se a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, contra a pena de morte e descriminalização do aborto.

"Os muros não funcionam. Nunca funcionaram nem nunca funcionarão," escreveu em 2015, noutro tweet também apagado, depois da sugestão de Trump construir a "wall" entre o México e os EUA. No mesmo ano, sobre Trump, diria: "É um hack politician [usa a política mais para fins privados que públicos]. … Digo-lhe do que é que vai ser presidente — podes dizer ao Donald que o disse — da associação de assediadores de Queens County", afirmou então à Fox.

Marcha-atrás nas críticas

"Nunca deveria ter dito isso dele, peço desculpa pessoalmente, senhor presidente", retratou-se Scaramucci na sexta-feira da semana passada, quando confrontado pelos jornalistas com a declaração, acrescentando que Trump tem "alguns dos melhores instintos políticos do mundo e talvez da história".

O próprio presidente viria horas depois colocar água na fervura, defendendo Scaramucci e alegando que este só não o apoiou na corrida de 2016 porque não sabia que Trump ia concorrer. O Washington Post lembra no entanto que as declarações pouco abonatórias foram proferidas depois de Trump ter anunciado a candidatura, em Agosto de 2015 – o republicano apresentou-se à corrida a 16 de Junho desse ano.

De facto, o empresário nova-iorquino não foi a primeira escolha do agora responsável da comunicação para a Casa Branca. Em 2016, Anthony secundou Scott Walker e depois Jeb Bush nas primárias republicanas. Só em Maio desse ano se aproxima da campanha Trump. Em 2012 apoiara Mitt Romney, tal como em 2008, apesar de ter dado um contributo financeiro para a campanha de Obama.

Regresso a Davos

A confiança de Trump provou-se logo no início do ano em Davos, onde Scaramucci esteve a representar a administração norte-americana (Trump tomaria posse no último dia do fórum) e onde tentou amenizar algumas das primeiras declarações férreas de Trump sobre a obsolescência da NATO e o discurso proteccionista sobre o comércio dos EUA com os seus parceiros europeus.

O fórum económico mundial não lhe era aliás estranho, já que foi ali que convenceu Vikram Pandit, na altura à frente do Citigroup, a confiar-lhe 4.000 milhões de dólares em activos do Citi, engordando do dia para a noite os activos sob gestão da SkyBridge. Na estância suíça ficaram ainda famosas as provas de vinho, feitas mais por ostentação do que por conhecimento apurado das garrafas exclusivas que eram servidas.

Já em Junho chegou a ser dado como certo como indicado para embaixador dos EUA na OCDE, o que não se verificou. Terá sido mais um dos vários imponderáveis no percurso do "mini-me" (é assim que a CNN o apelida, como uma versão reduzida) de Trump. Em Dezembro de 2012, disse que se veria, daí a cinco anos, ainda à frente da SkyBridge, a contar a história da empresa, a convencer mais clientes a confiar e a investir com ele.

Não aconteceu. O futuro mudou-se agora para mais de 350 quilómetros de distância da Big Apple e deverá passa por contar outra história: a de como o mais improvável dos presidentes pode tornar a América grande outra vez. Pelo meio, Scaramucci continuará a tentar perceber como funciona Washington, o "pântano" que Trump prometeu drenar.

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