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Round 1: a preparação de Clinton bateu o feitio de Trump

O candidato republicano começou melhor o debate, mas a democrata acabou por (ironicamente) revelar melhor ‘stamina’, saindo de Nova Iorque como vencedora do primeiro frente-a-frente das eleições presidenciais norte-americanas.

Reuters
Nuno Aguiar naguiar@negocios.pt 27 de Setembro de 2016 às 06:45

Foi um embate entre temperamento e preparação. Hillary Clinton pareceu ter uma estratégia clara e um domínio não só dos temas mas também do rumo que queria dar ao debate. Por outro lado, Donald Trump teve dificuldades em conter-se e deixou-se apanhar várias vezes nos anzóis que a candidata democrata lhe ia deixando à frente.

 

Trump arrancou o debate a todo o gás, com ataque atrás de ataque a Hillary Clinton, em temas em que Clinton está menos confortável essencialmente relacionados com comércio externo, nomeadamente a Parceria Transpacífica e o NAFTA. Os primeiros 25 minutos foram dele. "Os nossos empregos estão a fugir do país", sublinhou. "Temos de impedir que os nossos empregos fujam", acrescentou, referindo um caso específico de uma empresa de Indianápolis. "Vamos ter a maior criação de postos de trabalho desde Ronald Reagan. Vai ser lindo de ver."

 

No entanto, a viragem para o tema impostos e, em especial, para as suas próprias declarações de IRS, deixou o republicano em gelo mais fino. "Por que não divulga [as declarações de IRS]? Se calhar ele [Trump] não é assim tão rico. Se calhar, não dá assim tanto para a caridade. Se calhar não conhecemos todos os seus negócios […] Se calhar, não quer que saibam que ele não pagou nada em impostos federais", acusou Clinton.

 

À menção de impostos, Trump interrompeu-a com um argumento inesperado: "Isso faz de mim esperto." "Eu aproveito as leis do país. A minha obrigação é fazer o melhor para mim próprio, a minha família, os meus empregados, as minhas empresas", acrescentou. Minutos antes, perante a acusação de ter ficado contente com o colapso do mercado imobiliário na crise de 2007/2008, já tinha dito "isso chama-se fazer negócio".

 

Clinton respondeu, lembrando que não pagar impostos significa que escolas, saúde e veteranos receberam "zero". "Ele deve-lhe respostas", frisou em direcção à câmara.

 

Trump continou a defender-se, dizendo que 650 milhões de euros em dívida "não é muito dinheiro". "Estou pouco alavancado, tenho um grande negócio […] Não é para me gabar – "not in a braggadocious way" – [mas] é altura de este país ter alguém à frente dele que tenha uma ideia sobre dinheiro."

 

A partir deste momento, o milionário começou a perder um pouco o controlo do debate e até pareceu que foi ficando sem energia à medida que o tempo avançava. Um desenvolvimento irónico, tendo em conta que a campanha republicana tem tentado explorar debilidades físicas de Clinton e o próprio Trump falou várias vezes neste debate da falta de "stamina" (resistência) da candidata. 

Hillary Clinton pareceu dominar melhor cada tema e a falta de conhecimento dos assuntos é precisamente tida como um dos pontos fracos de Trump. Clinton fez questão de o destacar numa das frases mais fortes do debate: "Acho que Donald acabou de me criticar por me preparar para este debate. Sabes para que é que me preparei mais? Para ser Presidente. E acho que isso é bom."



As coisas não melhoraram a partir daí para os republicanos, quando se chegou ao tema do certificado de nascimento de Barack Obama. Trump foi durante anos o principal defensor da teoria de que o Presidente dos EUA não tinha nascido em território norte-americano, tendo só há poucos dias reconhecido que essa ideia era infundada. O capítulo das tensas relações raciais que se vivem nos EUA ou na diplomacia externa também não foram simpáticos para o milionário. O próprio Trump não ajudou ao falar do seu temperamento: "Tenho melhor feitio do que ela. Acho que o meu melhor activo, talvez de longe, seja o meu feitio." Uma frase que foi acompanhada por risos na plateia.

Ao mesmo tempo - além de avisar que "alguém que pode ser provocado por um tweet não pode ter os dedos nos códigos nucleares" – Clinton parecia mais presidencial quando falou de NATO, defesa e política externa. "Quero descansar os nossos aliados. Temos tratados mútuos e vamos honrá-los", sublinhou.

 

Alguns comentadores consideraram que o golpe mais forte chegou no final do debate, quando Clinton falou de Alicia Machado, Miss Universo em 1996, a quem Donald Trump alegadamente chamava "Miss Piggy" e "Miss Housekeeping" (o segundo, devido à sua origem latina). Minutos depois de terminar o debate, a equipa de Clinton colocou um vídeo com declarações de Machado, em que esta explica na primeira pessoa como Trump a tratava. 


 

De uma sensação domínio de Trump avançou-se rapidamente para um sentimento de vitória de Clinton. Algo que os inquéritos pós-debate confirmaram. Uma sondagem da CNN a quem viu o debate, um universo tendencialmente mais democrata, concluiu que 62% achou que Clinton ganhou e apenas 27% achou que foi Trump. Num "focus group" da CNN com 20 eleitores indecisos da Florida, 18 disseram que a candidata democrata venceu. Um outro "focus group", desta vez do conservador Frank Luntz e com eleitores da Pensilvânia, também deu a vitória a Clinton por larga margem. O único indicador que Trump parece ter ganho claramente foi nas mentiras. Segundo o Huffington Post, ele mentiu 16 vezes, Clinton nenhuma.



 

Claro que isto não significa que haverá uma transformação na corrida presidencial. Trump está há semanas a ganhar terreno a Clinton e os democratas só esperam que esta hora meia tenha pelo menos servido para estancar a hemorragia e, eventualmente, voltar a dar-lhes uma liderança mais confortável. Além disso, a primeira meia hora dos debates tende a ter as maiores audiências e, nesse período, o republicano esteve melhor. De referir também que faltam ainda dois debates (e um debate vice-presidencial) e Trump já deu a entender que pode estar disposto a tirar as luvas. "Fiquei muito contente por ter conseguido conter-me sobre as indiscrições em relação a Bill Clinton, porque tenho muito respeito por Chelsea Clinton [filha dos Clinton]. Não quis dizer aquilo que ia dizer...", disse no final do debate. "E o que era?", perguntou a jornalista. "Talvez diga no próximo debate. Veremos." 


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