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Galamba para Escária: "Temos aí uma situação muito delicada em Sines"
Escutas transcritas no despacho de indiciação revelam detalhes das conversas telefónicas entre ministro das Infraestruturas e chefe de gabinete de Costa sobre a necessidade de alterar zona protegida em Sines para instalar o centro de dados da Start Campus.
A chamada foi realizada no dia 15 de setembro de 2021. O então secretário de Estado João Galamba ligava a Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa, dizendo que lhe queria falar de uma situação muito delicada e que pedia para ele não falar com ninguém sobre isso.
A informação consta no despacho de indiciação, que o Negócios consultou, sendo explicitado com detalhe a conversa tida entre Galamba e Escária.
A conversa prosseguiu com João Galamba a detalhar ter travado o colega de governo, secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas. "Eu é que travei isso, disse (...) cala-te, acho que isto não pode surgir do Ministério do Ambiente, acho que isto tem de surgir do PM ou da coordenação do núcleo duro do governo", adiantou o então secretário de Estado da Energia.
Galamba explicou ainda a Escária qual o seu entendimento, frisando que "o que a AICEP quer e na minha opinião bem, e na na opinião da minha chefe de gabinete, muito bem (...) só há aqui uma solução, para não destruirmos Sines, em contrato industrial do país, que é a o ICNF tem que retificar a zona como o fez no Freeport e como o fez noutras zonas. Não é preciso comunicar à Comissão Europeia, é um é um decreto regulamentar do governo".
Segundo o Ministério Público, mais de metade da área prevista para a implementação do "data center2 estava integrada numa área denominada 'sítio de interesse comunitário da Costa Sudoeste' , classificada como Zona Especial de Conservação (ZEC) e, como tal, sujeita a específicas medidas de conservação e salvaguarda.
"Perante esta constatação e em virtude dos contactos e influência exercidos pelo arguido Diogo Lacerda Machado, a solicitação do arguido Afonso Salema e no interesse da Start Campus, de imediato a AICEP Global Parques e nem assim o secretário de Estado, ora arguido, João Galamba encetaram esforços no sentido de viabilizar a construção do 'data center' no local previsto", sugere o despacho de indiciação.
O impasse acabou por se resolver e numa reunião de 22 de dezembro de 2022, Vítor Escária assegurou a Afonso Salema, da Start Campus, e Diogo Lacerda Machada, consultor da empresa e amigo do primeiro-ministro, a avaliação de impacte ambiental "teria decisão favorável".
Escária terá ainda assegurado a Afonso Salema "que não haveria oposição por parte do ICNF, mas que, se asinda surgissem dificuldades, devia o arguido Afonso Salema pedir a sua intervenção".
No entender da investigação, "fruto de pressões exercidas" junto de Nuno Banza, presidente do ICNF, por João galamba e Vítor Escária, e apesar de "apesar de inicialmente ter entendido que não eram admissíveis medidas compensatórias quanto aos hatitats afetados, o ICNF inverteu a sua oposição e, em sede de parecer da comissão de avaliação, admitiu tais medidas e propôs a admissão de decisão favorável" relativamente ao projeto em Sines.
Em agosto de 2023, a Start Campus acabou por obter uma declaração de impacte ambiental favorável, sem oposição do ICNF, com vista à construção das restantes fases do projeto.
Brilhante Dias também defendeu que bastava fazer retificação para viabilizar projeto
O então secretário de Estado da Internacionalização, agora líder parlamentar do PS, foi um dos governantes que falou com Galamba sobre o projeto de Sines.
Numa conversa telefónica a 17 de setembro de 2021, quando as questões em torno da Zona Especial de Conservação geraram tensão entre os promotores do projeto, governantes e agências e institutos públicos, Galamba contou a Brilhante Dias o embate que teve com o secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas.
Segundo o despacho de indiciação, Brilhante Dias terá explicado a Galamba que teve "uma conversa longa" com a sua jurista do gabinete e comunicou ao então secretário de Estado da Energia que mantinha a sua opinião, de que não seria preciso fazer mais do que uma retificação, contestando a posiução do ICNF.
"Epá isto já chegou ao PM. O Siza falou comigo e acho que o PM pediu ao Siza para ver isso com o Matos Fernandes para resolver este problema", destaca a indiciação citando a referida conversa telefónica.
Brilhante Dias terá afirmado que "o que eles estão a fazer é chantagem política com o governo", numa referência à secretaria de Estado das Florestas e ao ICNF. Uma afirmação que não terá, de acordo com a indiciação, levado Galamba a responder "aquilo tem que se resolver". "Aquilo tem que ser retificado."
O então secretário de Estado da Internacionalização terá mantido a sua tese, reforçando que "aquilo é chantagem política" e que "não há nenhum fundamento". "E a questão do EIA diz(...) aquilo que o PM falou com o Siza, é melhor ele ter a informação toda", terá referido Brilhante Dias, de acordo com a escuta citada.
Brilhante Dias insistiu sempre que seria "o último a querer violar qualquer lei dessa natureza, qualquer regulamento". "Mas não é isso que está em causa, está em causa um erro objetivo, foi até dois mil e dezanove".
(notícia atualizada às 15h51 com dados sobre evolução e decisão em torno do projeto)