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Combater a fraude ou criar um "big brother fiscal"?

Nos últimos meses os comerciantes têm sido confrontados com novas e mais exigentes regras ao nível da facturação. O Governo e o Fisco falam em combate à fuga aos impostos. Os comerciantes num perigoso "big brother" e em custos de contexto acrescidos, numa altura em que muitas empresas lutam pela sobrevivência.

Correio da Manhã
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Entre as milhares de carrinhas e camiões de transporte de mercadorias que todos os dias se lançam à estrada, há um número incalculável que faz viagens fantasma. A carga nunca será controlada, o transporte não fica registado, as compras e vendas nunca serão contabilizadas e os impostos ficarão por pagar.

Embora as regras obriguem as mercadorias a acompanharem-se de guias de transporte ou de remessa, na prática, há empresas que contornam esta obrigação, mantendo sistemas duplicados de emissão de guias. Se durante o trajecto não forem interceptados pelas autoridades, as guias são rasgadas e, com elas, perde-se o rasto da mercadoria e da transacção.

O expediente é antigo, conhecido das autoridades policiais e fiscais, mas, a menos que se coloque um polícia atrás de cada carrinha, será impossível de erradicar na sua totalidade.

A resposta do actual Governo para este fenómeno surgiu no ano passado: antes de saírem à rua, todas as encomendas têm de ser previamente comunicadas ao Fisco.

Esta medida é a mais ambiciosa de um pacote de directivas destinadas ao combate à evasão e á fraude fiscal que foi apresentado em meados do ano passado, mas a sua complexidade está bem patente no sucessivo deslize dos prazos para a sua entrada em vigor.

Inicialmente prevista para Janeiro, a data passou depois para Maio e, agora, para 1 de Julho.

O adiamento traz mais tempo aos operadores para se prepararem para as novas exigências, mas nem por isso serena as críticas por parte dos empresários, que têm sido bombardeados com sucessivas mudanças ao nível da facturação.

Falta de clareza, burocratização da vida económica e criação de custos de contexto acrescidos estão entre as principais críticas das associações empresariais. A AHRESP, que representa o sector da restauração ainda a tentar recompor-se da subida de IVA e especialmente visado com os novos controlos, fala mesmo num "big brother fiscal".

Comunicação de facturas: refém dos contabilistas

As críticas são semelhantes às que se ouviram na recta final do ano passado, quando as empresas foram obrigadas a adaptar-se, um tanto à pressa, às novas regras de emissão e comunicação de facturas. Decretou-se a sentença de óbito aos talões, controlos de mesa e documentos análogos, e institui-se a obrigatoriedade de emissão de factura ou de factura simplificada em todas as vendas ou prestações de serviços. O objectivo é comum: minimizar as situações de subdeclaração de vendas e prestações de serviços e de utilização de programas informáticos de contabilidade viciados.

Esta medida foi complementada com a obrigação de comunicar ao Fisco, todos os meses, o conjunto das facturas emitidas no mês anterior, uma prática que até aqui não existia e que permitirá às autoridades ficar com uma mega base de dados das vendas e prestações de serviços de cada um dos agentes económicos, e fazer cruzamentos de dados.

Se para a grande empresa com departamentos administrativos e de contabilidade o processo é mais simples, os pequenos comerciantes com baixo nível de literacia e que vivem dependentes do técnico de contas, ainda estão a tactear o novo regime. Para alguns, foi mesmo o derradeiro empurrão para fecharem as portas, o que significará mais subsídios de desemprego ou mais pensões de reforma e menos contribuições sociais.

Economia paralela em alta

Portugal é hoje em dia um dos países europeus com maior nível de economia paralela, estimando-se que cerca de 20% da riqueza produzida passe à margem do sistema, não constando directamente nos registos contabilísticos nem pagando impostos.

O combate à fraude e evasão tem estado, por isso, no topo das prioridades nos discursos políticos, não havendo Governo que não prometa lutas sem tréguas nem complacências.

Ao longo dos anos, com maior aparato mediático ou de forma mais discreta, foram sendo lançadas várias medidas com o objectivo de trazer mais agentes económicos para o sistema, mas os números persistem em não baixar.

A execução orçamental ao nível da receita vem também mostrando que não há poções mágicas para fenómenos complexos que estão há muito enraizados. No primeiro trimestre deste ano, a receita fiscal subiu 3%, longe dos 8,8% previstos para o total do ano. O encaixe com impostos indirectos está a recuar 5%, quando o Governo espera que no total do ano ela cresça ligeiramente. E mesmo a receita com impostos directos, onde se registou uma subida muito significativa da carga fiscal, está a subir 18%, aquém da meta de 21,5% para o ano.

 
Os números

20%

É o peso da economia paralela

Segundo um estudo de F. Schneider, Portugal é o segundo País da Europa Ocidental com maior nível de economia paralela em percentagem do PIB, logo a seguir à Grécia (25%).

 

29%

Evasão na construção

A construção é o sector que a nível europeu maior evasão regista: 29% do PIB. Segue-se a hotelaria e restauração (19%), segundo o mesmo autor, num estudo de 2011.

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