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Centeno duvida que regimes especiais para estrangeiros expliquem crise da habitação
O governador do Banco de Portugal diz não estar "completamente convencido" e aponta outras razões para explicar a atual crise na habitação. Acabar com taxa especial no IRS para estrangeiros ou limitar os vistos gold não resolverão, acredita o ex-ministro das Finanças.
O governador do Banco de Portugal tem dúvidas de que acabar com o regime especial de tributação dos residentes não habituais – ou limitar os vistos gold – ajude a resolver a atual crise na habitação, apontando outras razões para explicar a falta de oferta.
Na apresentação do boletim económico de outubro, quando questionado sobre a intenção do Governo de acabar com o regime de tributação dos residentes não habituais (RNH) e com as limitações já impostas para os vistos gold, respondeu ter dúvidas sobre o efeito pretendido com a medida. "Se entendem que se deve terminar [com estes regimes] é uma decisão política, confesso que não estou completamente convencido que seja esse o problema", afirmou.
Na segunda-feira, o primeiro-ministro anunciou a intenção de acabar com este regime especial no IRS para estrangeiros reformados em 2024, mas não detalhou em que moldes ou o âmbito, o que levantou dúvidas entre os advogados e consultoras. Na entrevista à TVI/CNN, António Costa afirmou que se trata de uma medida que "deixou de fazer sentido", apesar de se manter para quem já tem. "Claro que quem tem manterá, mas manter essa medida para o futuro é não só prolongar uma medida de injustiça fiscal, mas também uma forma enviesada de continuar a inflacionar o mercado de habitação".
O regime dos residentes não habituais foi criado em 2009 para atrair cérebros para o país – especialistas em várias áreas, com profissões de alto valor acrescentado –, mas aplicando-se também a pensionistas estrangeiros. E têm sido estes os principais utilizadores do regime, mudando para cá a sua residência e não pagando IRS pelas suas pensões. O regime tem sido alvo de grandes contestações, o que levou o Governo a alterar as regras em 2020.
Essas novas regras de tributação pressupõem, no mínimo, o pagamento de uma taxa de 10% de imposto – até 2020, as pensões auferidas em outros países pelos RNH beneficiavam de isenção mesmo que não tivessem sido tributadas na origem. A partir desse ano, uma alteração introduzida pelo Orçamento do Estado veio determinar que os novos RNH passassem a ter de suportar pelo menos 10% de imposto. Para os que já tinham adquirido o estatuto, manteve-se a possibilidade de nada pagarem.
Quanto aos vistos gold, com a aprovação do pacote "Mais Habitação", o investimento direto em imobiliário deixará de ser elegível para atribuição da autorização de residência, mas o regime vai manter-se para quem compre unidades de participação em fundos de capital de risco.
Para o governador, há outros fatores que explicam a atual crise no acesso à habitação. "O ciclo de investimento residencial em Portugal foi muito penalizado pelo programa de ajustamento que fez contrair o setor da construção muitos anos e durante muitos anos", indicou, acrescentando que a recuperação é difícil e demora tempo de adaptação. "É preciso entender o contexto histórico", sublinhou.
Mas admite que o contributo externo da procura de habitação no país colocou "pressão", prometendo para breve uma análise do Banco de Portugal sobre o mercado habitacional.
Com Filomena Lança