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Risco de duplo financiamento com fundos da UE aumentou com "bazuca" europeia
Criação de "bazuca" europeia, onde estão incluídos os Planos de Recuperação e Resiliência dos Estados-membros, veio dificultar controlo de duplo financiamento, por ter modelo de despesas diferente. Portugal foi um dos poucos países a evitar combinar verbas do PRR com outros fundos europeus.
O risco de duplo financiamento com fundos europeus aumentou com a criação da chamada "bazuca" europeia, onde estão incluídos os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR). A conclusão é de um relatório do Tribunal de Contas Europeu (TCE), divulgado esta segunda-feira, que pede à Comissão Europeia um reforço dos sistemas de controlo, especialmente no que toca às "medidas de custo zero".
"O risco de duplo financiamento aumentou com a introdução de instrumentos baseados no financiamento não associado aos custos e é mais elevado quando diferentes programas de financiamento da UE, com diversos modelos de aplicação, regras e quadros de governação e de prestação de contas, podem financiar medidas e ações semelhantes durante o mesmo período", lê-se no referido relatório.
Em causa está a criação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que engloba os PRR dos 27 Estados-membros. Ao contrário dos habituais fundos estruturais e de investimento que são entregues aos beneficiários como reembolso dos custos elegíveis que foram suportados para a realização dos projetos, o PRR prevê que os desembolsos de verbas sejam feitos após o cumprimento de um conjunto de metas e marcos.
A utilização desses indicadores como base para o pagamento "pode conduzir a um duplo financiamento, quer porque os custos já foram reembolsados, quer porque são declarados duas vezes ao abrigo de diferentes instrumentos da UE que recorrem a este modelo de financiamento". Isto porque, a concretização de marcos e metas, não estão ligadas a custos reais suportados pelos beneficiários desses fundos.
No caso de Portugal, o TCE constata que procurou evitar-se combinar os fundos do PRR com "outros programas da UE para medidas específicas", como é o caso dos Fundos da Coesão. "Esta opção ajuda a atenuar o risco de duplo financiamento", diz o tribunal. Além de Portugal, também a França, Itália e República Checa adotaram essa abordagem para evitar o duplo financiamento de projetos.
Porém, nos casos em que foram encontrados riscos de duplo financiamento e "não foi possível traçar uma delimitação clara entre os fundos da UE", a Comissão Europeia incitou os Estados-membro a alterarem os PRR para evitar o duplo financiamento. Foi o que aconteceu em Itália, onde o troço Bicocca-Catenanuova da linha ferroviária de alta velocidade Palermo-Catânia foi incluído no PRR italiano e recebeu financiamento também do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), no âmbito do quadro comunitário em vigor.
O mesmo aconteceu com Portugal, Bélgica, Irlanda, Chipre, Áustria, Finlândia e Suécia. Depois de a Comissão Europeia ter concluído que os sistemas de contolo não eram totalmente eficazes, foram acrescentados, no âmbito da reprogramação, "marcos adicionais" ou ajustados "marcos existentes relacionados com o duplo financiamento". Mas, antes disso, já tinham sido desembolsados cerca de 4 mil milhões de euros em pagamentos a esses países.
"Até que sejam cumpridos, manter-se-ão as insuficiências conexas nos sistemas de controlo do duplo financiamento e os futuros pagamentos serão bloqueados", explica o TCE.
Necessidade de reforçar auditorias sobretudo a "medidas de custo zero"
O tribunal sediado no Luxemburgo nota que, após terminar o final do trabalho de auditoria no terreno, a Comissão Europeia detetou "os dois primeiros casos potenciais de duplo financiamento num Estado-membro". O auditor europeu não concretiza, no entanto, quais são esses casos.
A contribuir para o aumento do risco de duplo financiamento está o facto de o quadro legal não ter sido adaptado aos "diferentes modelos de despesas que existem atualmente". A somar a isso, a definição de duplo financiamento que se encontra no quadro legal não está adequada aos PRR, em que os pagamentos não estão ligados aos custos, mas antes ao cumprimento de marcos e metas.
Por outro lado, parte das verbas que pagam reformas e outras "medidas de custo zero" são "simplesmente ignoradas, porque a Comissão Europeia entende que não correm riscos de duplo financiamento". O TCE discorda dessa abordagem, dizendo que os desembolsos do PRR "dependem do cumprimento de marcos e metas relativos a medidas com ou sem custos estimados".
Além disso, o TCE encontrou "medidas de custo zero" que podem mesmo "constituir casos de duplo financiamento em dois Estados-membros": Malta e Eslováquia. No caso de Malta, trata-se de um marco relativo à adoção de uma estratégia de especialização inteligente, que é necessária para acesso a Fundos de Coesão e que foi incluída no PRR. Essa situação pode ter gerado duplo financiamento ao país.
Por isso, a resposta ao aumento do risco de duplo financiamento deve passar por um reforço das auditorias, segundo o TCE. "A Comissão deve avaliar a complementaridade entre os fundos da UE, verificar (através de auditorias) se os Estados-membros dispõem de sistemas adequados e tomar medidas corretivas quando não cumprem as suas obrigações de prevenir, detetar e corrigir situações de duplo financiamento e outras irregularidades", diz o TCE. Se necessário, deve-se "reduzir o apoio e recuperar os montantes indevidamente pagos".
Acresce que nem todos os países usam a ferramenta Arachne, onde são disponibilizados dados sobre os projetos financiados de forma a evitar o duplo financiamento. Portugal é um dos oito países que reportam aí os projetos relativos a todos os fundos da política de coesão e ao PRR. Porém, a maioria dos Estados-membros negligencia essa prestação de contas, com a Alemanha, Finlândia e Lituânia a ignorarem totalmente esse reporte.