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Se há mais de 100 mil precários no Estado, porque só 30 mil concorreram?
À explicação oficial do Governo os sindicatos acrescentam outras: o medo gerado pelas chefias, as restrições do programa, as informações anunciadas durante as candidaturas, o princípio da exclusividade de quem trabalha no Estado ou o risco de redução de salário.
A questão tem sido debatida desde que se começou a perceber que a adesão ao programa de integração de precários poderia ficar abaixo das expectativas criadas, mas volta a surgir no momento em que o Governo confirma que o programa não reuniu mais do que 30 mil candidaturas.
Às duas explicações adiantadas pelo Governo, as organizações sindicais somam outros factores que podem ter desmotivado os candidatos: a existência de pressão junto das chefias, a divulgação de informações contraditórias sobre o universo de abrangidos, a exigência de exclusividade na administração pública e o risco de perder salário.
Quando o Governo revela que há menos de 30 mil requerimentos, já está a descontar os pedidos duplicados ou apresentados por pessoas que não podiam concorrer (como quem tem contrato individual de trabalho), explicou ao Negócios fonte oficial do Ministério do Trabalho.
À primeira vista, a tendência é para comparar este número com os 116 mil que um relatório do Governo identificou, no início do ano, como o número de trabalhadores com vínculos temporários.
O que justifica a diferença?
O primeiro argumento do Governo tem a ver com o objectivo do relatório, que se destina a fazer o levantamento de todos os instrumentos de contratação temporária, o que não significa que todas as situações sejam ilegais. Vieira da Silva tem dado o exemplo de médicos que prestam o serviço de verificação de incapacidades à Segurança Social ou dos militares em regime de contrato.
Se ao universo de 116,3 mil casos identificados no relatório retirarmos, por alto, os docentes do Ministério da Educação (que têm um programa específico), os contratados a prazo da Defesa (que se consideram justificados) as Autarquias (que não são alvo desta primeira fase de candidaturas) ou os desempregados com contratos emprego-inserção (que não se podem concorrer directamente) o número baixa para cerca de 53 mil pessoas em condições de concorrer, contas que já tinham sido feitas pelo jornal Público.
Só que, mesmo entre os restantes, nem todos ocupam "funções permanentes", prossegue o Governo. Essa é a condição decisiva para os candidatos obterem luz verde para os concursos. Terá de ser reconhecida pelos seus dirigentes, pelas comissões de avaliação bipartidas (CAB) que avaliam os casos, e confirmadas pelos ministros. Esta e outras exigências do programa, como o requisito de horário completo, também podem ter afastado candidatos.
Medo, exclusividade e salários
Adivinhar a razão pela qual uma pessoa não toma determinada decisão envolve sempre alguma especulação mas, questionados pelo Negócios, os responsáveis das três estruturas sindicais que têm participado no programa apontam outros factores que podem ter condicionado o número de candidaturas.
O risco de passar a receber uma remuneração mais baixa é um dos factores apontados tanto por Ana Avoila, da Frente Comum, como por Helena Rodrigues, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado.
A coordenadora da Frente Comum dá como exemplo o trabalho de um electricista que presta serviços num hospital.
"Ganham 1.200 euros, mas se forem integrados na carreira – de assistente operacional – ficam a ganhar pouco mais do que o salário mínimo, cerca de 600 euros". Na recta final das candidaturas, o Governo admitiu que algumas pessoas possam passar a ganhar menos – e acrescentou que as que forem consideradas aptas e não concorrerem aos concursos perdem o emprego.
A presidente do STE levanta o mesmo problema. "Pode haver gente que não queira regularizar posição nenhuma porque se for colocado na primeira posição remuneratória" passa a receber menos do que recebe hoje, indica.
Ainda por cima quando a maioria das carreiras da Função Pública exige dedicação exclusiva, acrescenta Helena Rodrigues. "As pessoas estão obrigadas a pedir acumulação de funções" – excepto no caso dos médicos – o que "pode ter inibido" as candidaturas.
Há vários meses que a associação Precários Inflexíveis diz simplesmente que os trabalhadores tiveram medo. "Uma das razões é o medo", concorda Ana Avoila, da Frente Comum. Helena Rodrigues, do STE, considera esta causa "verdadeira" em relação a alguns casos, mas acima de tudo no caso dos bolseiros. "As instituições disseram-lhes claramente que não estariam abrangidos", refere.
José Abraão, da Fesap, refere como possível factor de "desmotivação" as regras definidas na portaria que regulou as candidaturas, que apresentavam como válidas as situações a termo que já encontram justificação na lei, bem como a forma como as regras foram comunicadas. Isto porque a mensagem sofreu avanços e recuos já durante o período de candidaturas, enquanto o projecto de lei que regulará a admissão por concursos estava a ser discutido.
Para o dirigente da estrutura da UGT, a diferença entre o universo potencial de candidatos e o que se verificou também "é explicada pela vontade do Governo de não assumir uma posição mais clara no que diz respeito à internalização de serviços na administração pública".
Foi também para contornar as razões que possam ter desmotivado candidaturas dos próprios trabalhadores que ficou definido que os dirigentes também deveriam apresentar situações que considerassem que devem ser regularizadas. O prazo terminou esta sexta-feira mas, contactado, o Governo ainda não revelou quantos casos apresentaram os dirigentes.