Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Quase 85% da Função Pública quer semana de quatro dias. Dirigentes discordam mais

Trabalhadores da administração pública sentem que não têm tempo. Larga maioria (84%) apoia a redução de horário semanal sem perda de salário, sendo preferido o modelo da semana de quatro dias. Dirigentes discordam mais.

Mariline Alves

A esmagadora maioria dos funcionários públicos (84%) considera que a jornada semanal de trabalho devia ser reduzida sem corte da remuneração, embora reconheça que nesse cenário seriam necessários mais funcionários públicos. Entre os dirigentes a discordância quando à redução do horário é maior.

Em causa estão os resultados da primeira fase do estudo elaborado pelo Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PlanApp), a partir de um inquérito feito com a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), entre julho e setembro de 2023, que gerou 14,2 mil respostas relativas a 649 entidades da administração central, equivalentes a 2,7% do total de trabalhadores. Destas, foram consideradas 13,6 mil.

A segunda fase, diz o PlanApp, "dirá respeito à realização de um estudo piloto que teste a implementação da semana de trabalho de 4 dias (S4D) em organismos públicos", com o aprofundamento da análise e a conceptualização do piloto (incluindo seleção dos organismos) a serem concretizados até ao final deste primeiro trimestre.

A jornada semana de trabalho devia ser reduzida, sem redução da remuneração? Em relação à principal questão, o relatório conclui que há um "elevado grau de concordância com a redução da jornada semanal de trabalho", sem perda salarial, já que quase 85% dos trabalhadores concordam e que mais de metade mostram forte entusiasmo (55% concordam "totalmente").

Apenas perto de 3% dos funcionários discordam e os restantes 12% não revelam opinião.

Quanto à modalidade preferida, a maior fatia (72%) prefere 32 horas em quatro dias por semana. Menos de 10% dos trabalhadores escolhe outras modalidades intercaladas ou a distribuição das 32 horas pelos cinco dias. O dia livre é sobretudo reclamado (79%) para apoio à família, seguido da realização da prática de um "hobbie" (61%) e do mero descanso (52%).

Dentro do grupo dos que discordam, cerca de um terço fá-lo por "não acreditar na exequibilidade de uma redução deste género", com outros (8%) a considerarem que nem com reforço de meios seria possível. Cerca de um quarto (24%) dos funcionários que discordam considera que a transição "implicaria sempre uma perda de qualidade dos serviços públicos".

"As preocupações levantadas incluem a exequibilidade dessa redução" de tempo de trabalho, "a possível perda de qualidade nos serviços públicos e questões de equidade em relação ao setor privado", resume o PlanApp.

Homens e dirigentes discordam mais

O estudo conclui que a probabilidade de um dirigente discordar da semana de quatro dias é 2,65 vezes superior à de um funcionário.

A probabilidade de discordar também é também 1,95 vezes maior no caso de quem está em carreiras associadas ao ensino superior e à investigação científica do que quem está nas outras.

Ser homem ou ter mais de 55 anos são características demográficas associadas a "maior probabilidade de discordância" (1,45 e 1,58 vezes mais que os restantes).

De uma forma geral, os funcionários sentem que não têm tempo para si ou para a famílias, mas quem assume que já tem tempo para si e que já consegue conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar também tende a discordar mais (2,33). "Estas parecem ser as características que melhor permitem distinguir o grupo dos que discordam dos restantes trabalhadores", refere o estudo. Em causa está um grupo que reporta mais flexibilidade para gerir o seu tempo de trabalho.

As carreiras de justiça e notariado, a par de pertencer à carreira de informática (face ao agregado), são as únicas características identificadas como estando associadas a menores probabilidades de discordar, embora a diferença não seja tão vincada como as já referidas.

Mais meios humanos, menos burocracia

O resumo do estudo conclui que, considerando todas as respostas quanto a alterações necessárias para viabilizar a semana de quatro dias, "aproximadamente 90% dos trabalhadores consideram essencial um aumento de recursos humanos".

Em resposta a uma das questões específicas  sobre os investimentos necessários para que o organismo poupe tempo de trabalho, 62% dos trabalhadores referem o "aumento do número de meios humanos".

Esse requisito é particularmente identificado nas carreiras de oficial de justiça, oficial dos registos e do notariado (76%) e do setor da saúde (74%). Seguem-se a inspeção (68%) e a segurança (66%).

Outro grupo relevante pede a atualização dos equipamentos informáticos (41%), mais competências e qualificações dos meios humanos (31%), automatização e digitalização de processos (28%) e aumento do número de meios técnicos como máquinas e equipamentos (27%).

Apenas um décimo dos inquiridos considera que não são necessários mais meios ou equipamentos.

Quanto a processos, a redução da carga burocrática associada à tarefa habitualmente desempenhada é pedida pela maioria (61%), com as carreiras a associadas ao setor da educação a surgirem aqui claramente destacadas (87%). Na inspeção (63%) e na Saúde (62%) a proporção também é elevada.

Ainda neste ponto, quatro em cada dez pede um "equipamento de trabalho mais eficaz", um terço defende a digitalização ou automatização de procedimentos. Há também quem defenda a "diminuição da duração das reuniões" (16%) ou da sua periodicidade (15%).

Chegar ao trabalho demora em média 28,5 minutos 

O tempo mediano de viagem entre casa e local de trabalho é de 20 minutos, o que significa que metade apresenta um tempo médio de viagem estimado de até 20 minutos. A média é de 28,5 minutos.

Quase 77% dos trabalhadores desloca-se de automóvel, sendo a média da duração da viagem de 25 minutos (mediana de 20 minutos). Os transportes públicos só são utilizados por 12,5% dos trabalhadores, em viagens de duração muito mais longa: 59 minutos em média (60 a mediana).

Quatro em cada dez trabalhadores (41%) prestam atendimento ao público e só 6,2% presta teletrabalho frequentemente, ou seja, pelo menos 2 a 3 dias por semana.

No Serviço Nacional de Saúde, cerca de um quinto faz urgências e desses 52% realizam 12 horas por turno de urgência – embora o relatório chame a atenção, em especial neste ponto, para as elevadas margens de erro.

Quanto à perceção que sobre a gestão do tempo, os funcionários tendem a discordar que nos dias de trabalho têm tempo para a sua família, sendo o nível de discordância ainda maior quanto à disponibilidade para si.

"Em geral, estima-se que grande parte dos trabalhadores sente falta de tempo para si e para a sua família e não consegue conciliar a vida profissional, pessoal e familiar na maior parte dos dias", lê-se no relatório.

Menos de um terço dos trabalhadores (31%) revê-se na ideia de que na maior parte dos dias consegue conciliar a vida profissional, pessoal e familiar.


Quem respondeu ao inquérito?

Tal como referido, o inquérito realizado no ano passado apurou 14,2 mil respostas, correspondentes a 2,7% do total de trabalhadores registados nos dados administrativos da DGAEP (SIOE), relativos a 649 entidades da administração central direta e indireta. A informação tem referência a 31 de março de 2023. O PlanApp considera que a amostra de 14,2 mil pessoas permitiu uma análise abrangente, embora também reconheça "algumas limitações na representatividade, evidenciadas pela sub-representação de certos ministérios, faixas etárias e carreiras específicas".

São predominantes as mulheres (70%) e os profissionais com 45 ou mais anos (65%). A maioria pertence a agregados com um ou dois adultos (68%), sem adultos dependentes e sem crianças a cargo (61%).

Ao longo do estudo são apresentadas diferentes margens de erro e intervalos de confiança que "traduzem a incerteza estatística relativa a certas estimativas que advêm de limitações de amostra face ao universo considerado".

As percentagens são apresentadas como estimativas.

Ver comentários
Saber mais Semana de quatro dias administração pública horários de trabalho Função Pública gestão do tempo de trabalho
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio