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Costa diz que OE cumpre o prometido. Cumpre mesmo?
O primeiro-ministro decidiu explicar o Orçamento do Estado (OE) através de vídeos no Youtube partilhados nas redes sociais Twitter e Facebook. O Negócios seleccionou algumas das afirmações de António Costa e foi confrontá-las com o que prevê a proposta de OE.
António Costa diz que o Orçamento do Estado entregue no Parlamento cumpre o prometido aos eleitores do PS, o acordado com o BE, PCP e Verdes e também cumpre as regras europeias. Cumpre mesmo?
O que, com rigor, António Costa poderia ter afirmado é que o Orçamento cumpre algumas propostas eleitorais do PS, boa parte dos compromissos assumidos com BE, PCP e Verdes e está em risco de não cumprir as regras acordadas pelo país no quadro da pertença à União Europeia e à Zona Euro.
A frase:
"Este é um Orçamento que cumpre os nossos compromissos eleitorais, os nossos compromissos com os parceiros parlamentares e os nossos compromissos com a União Europeia".
Algumas medidas previstas no programa eleitoral do PS estão já implementadas ou previstas na proposta de Orçamento do Estado. É o caso da extinção da sobretaxa em sede de IRS, da reposição de salários no sector público, do aumento das pensões mínimas e do salário mínimo. A redução para 13% do IVA aplicada à restauração ficou a meio caminho, sendo intenção do governo baixar a taxa para a comida, não para as bebidas.
Uma parte nuclear do programa eleitoral do PS não saiu ainda do papel. É o caso da descida da TSU para empresas e para os trabalhadores e do processo conciliatório para cessação de contrato de trabalho - ambos caíram por exigência expressa do Bloco de Esquerda - e da criação do complemento salarial anual para famílias de menores rendimentos, cujo arranque foi adiado.
A promessa número 1 do programa eleitoral do PS era "aumentar o rendimento disponível para as famílias". A proposta de Orçamento do Estado antecipa uma redução dos impostos directos: a arrecadação em sede de IRS deverá cair. Em contrapartida, as contribuições sociais e, sobretudo, os impostos indirectos sobem, pelo que o relatório da versão corrigida do Orçamento reconhece que a carga fiscal não baixa e o peso da receita total no PIB até sobe, de 43,9% para 44,1%.
Olhando agora para os compromissos assumidos pelo PS no âmbito das "posições comuns sobre situação política" que assinou com BE, PCP e Verdes constata-se que várias medidas estão a ser implementadas, algumas das quais fora quadro da proposta de Orçamento do Estado. É o caso do regresso de quatro feriados, do fim das taxas moderadoras em casos de interrupção voluntária da gravidez, da revisão da cláusula de salvaguarda no IMI, da reposição dos complementos salariais nas empresas públicas e da reversão dos contratos de concessão nos transportes urbanos. Já na "recompra" da TAP para ficar com 50% do capital "o Estado paga mas não manda", protestam BE e PCP, havendo ainda muitos pontos de interrogação sobre a redução da semana de trabalho para 35 horas na função pública – a sua entrada em vigor e, sobretudo, abrangência – dado que o governo diz que o fará, mas sem que isso implique custos, designadamente em horas extraordinárias.
Também a promessa feita pelo PS à esquerda de não despedir nem enviar funcionários públicos para o quadro de excedentários (ou "mobilidade") parece difícil de quadrar, agora com a promessa feita pelo PS à Comissão Europeia Bruxelas de que poupará 100 milhões de euros com a saída de 10 mil funcionários, apenas através da regra "saem dois, entra um".
Finalmente, a proposta de Orçamento do Estado está no limiar do aceitável pelas instituições europeias.
O primeiro esboço enviado para a Comissão Europeia foi recusado por estar em risco de "grave" violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Nas contas de Bruxelas, o défice orçamental passaria de 3% (4,2% com custos da resolução do Banif) em 2015 para 3,4% do PIB em 2016.
Depois de o governo ter apresentado quase mil milhões de euros de medidas de austeridade adicionais – quase todas do lado dos impostos – a Comissão validou o esboço orçamental com reservas, evitando que este tivesse de ser formalmente devolvido a Lisboa, o que traduziria uma sanção política inédita.
Há três outros países (Itália, Áustria e Lituânia) que, na opinião da Comissão, secundada pelo Eurogrupo, estão também "em risco" de violar o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) em 2016, mas nenhum deles está no chamado "braço correctivo" do PEC (porque têm défices já inferiores ao limite de 3% do PIB) e nenhum deles acaba de sair de um resgate. No caso de Espanha, Bruxelas também identificou risco de incumprimento, estando o processo parado à espera da tomada de posse de um novo governo.
Este contexto e a recente subida das taxas de juro da dívida pública portuguesa – um sinal de que o risco de os mercados se fecharem, de um novo resgate, é real – ajudam a explicar porque o governo português foi pressionado pelo Eurogrupo a assumir o compromisso de que vai preparar "desde já" um conjunto de medidas adicionais para accionar "quando for necessário". Portugal é, neste momento, o único país da União Europeia a quem foi pedido que tenha pronto uma espécie de plano B. O mais tardar em Maio, será analisado se será ou não preciso accioná-lo. Nesta semana, Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo voltou a afirmar que persistem "preocupações graves" em torno da situação o país.
Em suma, o que, com rigor, António Costa poderia ter afirmado é que o Orçamento cumpre algumas propostas eleitorais do PS, boa parte dos compromissos assumidos com BE, PCP e Verdes e está em risco de não cumprir as regras a que o país está sujeito decorrentes da sua pertença à União Europeia e à Zona Euro.