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Draghi avisa governos: "Vocês têm de fazer a vossa parte"
É preciso que os governos implementem políticas orçamentais e reformas estruturais que contribuam para um crescimento económico sustentável, avisa o presidente do BCE.
Mário Draghi voltou a avisar os governos do euro para os limites da acção do Banco Central Europeu (BCE), ao frisar que as baixas taxas de inflação, que persistem não obstante a dimensão do programa de compra de activos em curso, "são sintoma da situação económica subjacente" que não será alterada na ausência de medidas que só podem ser tomadas por governos eleitos.
"Outros actores políticos precisam de fazer a sua parte, perseguindo políticas orçamentais e estruturais que contribuam para uma recuperação sustentável e para o aumento do potencial de crescimento da Zona Euro", disse Mário Draghi nesta segunda-feira, 26 de Setembro, perante o Parlamento Europeu.
"É preciso que os governos nacionais tomem medidas para libertar o crescimento, reduzir o desemprego, capacitar os indivíduos e, ao mesmo tempo, oferecer protecção aos mais vulneráveis", acrescentou.
Os avisos de Draghi, que se podem traduzir por o pedido de uma política orçamental mais expansionista à Alemanha e mais reformas e contenção aos países mais endividados, como é o caso de Portugal, surgem no mesmo dia em que também Benoit Coeuré, membro da comissão executiva do BCE, alertou, em Roma, para o risco de a Zona Euro cair numa armadilha de baixo crescimento e de baixas taxas de juro e de inflação, a menos que os governos deixem de depender do BCE para reanimar a economia e comecem a desempenhar um papel que é só seu.
Citado pela Reuters, Coeuré disse que a ultra-flexibilização da política monetária do BCE foi pensada no pressuposto explícito de que os outros actores políticos iriam fazer a sua parte na tentativa de relançamento da actividade económica, e que a sua falta de iniciativa abre a perspectiva de baixas taxas de juro por um longo período com consequências nefastas para o "contrato geracional" e para o "tecido social" europeus.
Manter baixas taxas de juro por um período prolongado "irá limitar severamente a margem de manobra das ferramentas convencionais de política monetária, mas, ainda mais preocupante, irá ameaçar o contrato entre gerações, bem como gerar risco de rasgar o nosso tecido social", disse.
Benoit Coeuré
Num registo invulgar, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) chamou na semana passada explicitamente à atenção para a circunstância de juros excepcionalmente baixos serem neste momento um remédio que arrisca provocar males maiores, considerando que demasiada responsabilidade foi colocada sobre os ombros dos bancos centrais para tentar contrariar o risco de estagnação económica.
Neste momento, 35% da dívida soberana emitida pelos mais de 30 países seus membros está a ser transaccionada a taxas negativas, mas esta janela de oportunidade não tem sido aproveitada pelos governos que aliviaram o esforço de reforma estrutural do funcionamento das suas economias. Conclusão: as "taxas de juros excepcionalmente baixos geraram distorções financeiras e riscos" – e a economia continua sem animar, apontou a OCDE no relatório em que reviu em baixa as perspectivas para a economia global.
"A política monetária está sobrecarregada. Os países devem implementar medidas de política orçamental e estruturais para reduzir a dependência excessiva dos bancos centrais e garantir oportunidades e prosperidade para as gerações futuras", sublinhou, então, a economista-chefe da OCDE, Catherine Mann. Os governos, aconselha, devem articular-se para usar o espaço orçamental de que disponham para "promover no imediato a actividade privada e impulsionar o crescimento de longo prazo" e "implementar políticas estruturais para assegurar o comércio e o investimento".
No rescaldo da crise financeira deflagrada em 2007, os principais bancos centrais, designadamente o BCE, a Fed e o Banco do Japão, flexibilizaram progressivamente as suas políticas e, neste momento, oferecem taxas de juro virtualmente nulas e estão no mercado com programas de compra de activos de larga escala.
É preciso completar a casa do euro
Em Roma, Benoit Coeure falou ainda da arquitectura do euro e da necessidade desta ser rapidamente reforçada, também para fazer face aos abalos do Brexit. Para o responsável, tornar a união económica e monetária mais forte e sustentável exige uma união bancária completa (alusão a um pilar comum de seguro de depósitos) e elementos de uma união orçamental (um orçamento para a Zona Euro que permita compensar países mais atingidos por choques assimétricos).
"O mercado único e a União Económica e Monetária não são mecanismos tecnocráticos, mas compromissos inerentemente políticos. E, como compromissos políticos, necessitam de apoio e aceitação para além da legitimidade adquirida através dos governos nacionais eleitos", concretizou.