Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque

Roberta Metsola: "Regulamentação da IA pode parecer aborrecida mas precisamos dela”

“Não devemos ter medo do futuro”, diz a presidente do Parlamento Europeu a propósito dos desafios colocados pela inteligência artificial. No Velho Continente há quem critique o facto do Estrasburgo ter legislado sobre a IA, mas Roberta Metsola, em entrevista ao Negócios, diz que não existe espaço para cedências. “Há uma coisa que não vamos comprometer: qualquer avanço na tecnologia deve alinhar-se com os nossos direitos fundamentais e princípios democráticos”.
Celso Filipe 29 de Maio de 2024 às 09:00

Bilhete de Identidade
Idade: 45 anos
Nacionalidade: Maltesa
Formação: Licenciada em Direito pela Universidade de Malta
Cargo: Presidente do Parlamento Europeu desde 12 de janeiro de 2022

Em janeiro de 2022, Roberta Metsola ascendeu ao cargo de presidente do Parlamento Europeu na sequência do falecimento inesperado do anterior líder da instituição, o italiano David Sassoli. Eurodeputada desde 2013, a maltesa de 45 anos terminou o mandato conseguindo um maioria que permitiu à União Europeia ser pioneira na definição de um quadro regulatório para a inteligência artificial (IA). Aos que consideram que a regulação é um travão à inovação, Metsola responde com princípios. "O que quer que aconteça na Europa tem de ser compatível com os nossos princípios. Ao estabelecer diretrizes, a UE pode reduzir as ameaças que a IA representa para os direitos humanos e a democracia quando utilizada de forma inadequada, como acontece em alguns países autoritários", sublinha a líder europeia numa entrevista por escrito ao Negócios.

 

O Regulamento Inteligência Artificial foi uma das suas maiores conquistas enquanto presidente do Parlamento Europeu? Porquê?

Sim, esta é uma das nossas principais conquistas.

A inteligência artificial (IA) e programas como o ChatGPT mostram que a revolução digital já está em curso e que não devemos ter medo do futuro. A tecnologia muda, a inovação faz-nos avançar e abre caminho a novas oportunidades. O que está em causa é a mudança, não podemos ficar estagnados e, enquanto legisladores, temos de aproveitar esta oportunidade. A conquista do Regulamento Inteligência Artificial da União Europeia (UE) é significativa por ser o primeiro grande regulamento sobre a IA a nível mundial. Aprovámos legislação que nos vai permitir ser líderes mundiais na inovação digital, ao mesmo tempo que respeitamos os valores da União Europeia.

Procurámos alcançar um equilíbrio: permitir o máximo de inovação possível, limitando os riscos sempre que necessário. Não temos medo da inteligência artificial, mas temos de gerir os riscos, aproveitando as possibilidades e promovendo a inovação.

A adoção de sistemas de IA tem potencial de promover benefícios sociais significativos, crescimento económico, maior inovação na União Europeia e competitividade mundial.

Como é que este regulamento beneficia os cidadãos europeus?

A inteligência artificial já se tornou parte do nosso quotidiano. Levanta um conjunto de questões éticas, de escrutínio e criatividade. O desenvolvimento das novas tecnologias de IA terá o mesmo impacto nas nossas vidas que a invenção dos telemóveis e da internet. O acesso à inteligência artificial traz consigo uma nova era de escrutínio. No futuro, a IA vai exigir limites e restrições consistentes e definidas. E há uma coisa que não vamos comprometer: qualquer avanço na tecnologia deve alinhar-se com os nossos direitos fundamentais e princípios democráticos.

 

Quais serão as consequências da adoção de sistemas de IA para as empresas tecnológicas europeias?

A adoção de sistemas de IA tem potencial de promover benefícios sociais significativos, crescimento económico, maior inovação na UE e competitividade mundial. Ao estabelecer um quadro jurídico que dá resposta às preocupações sobre a utilização da inteligência artificial, preservando ao mesmo tempo a inovação, proporcionamos uma previsibilidade inequívoca aos criadores e utilizadores de IA, em vez de nos basearmos no medo. Conseguimos criar um quadro regulamentar harmonioso e adaptável que responde a todas as necessidades, evitando, ao mesmo tempo, obstáculos administrativos desnecessários para pequenas e médias empresas (PME) e startups. Esperamos que o Regulamento Inteligência Artificial reforce a posição da Europa como centro de indústrias tecnológicas inovadoras.

Roberta Metsola, Presidente do Parlamento Europeu

Os críticos dizem que a regulamentação da IA é um travão ao desenvolvimento. Como reage a esta afirmação?

A regulamentação pode parecer aborrecida. Mas precisamos dela para dar o primeiro passo. O que quer que aconteça na Europa tem de ser compatível com os nossos princípios. Ao estabelecer diretrizes, a UE pode reduzir as ameaças que a IA representa para os direitos humanos e a democracia quando utilizada de forma inadequada, como acontece em alguns países autoritários. É por isso que o nosso objetivo é promover uma abordagem da IA centrada no ser humano, baseada em normas éticas europeias e princípios democráticos. Se o conseguirmos sem sobrecarregar a nossa indústria e as nossas empresas, teremos grandes hipóteses de ser bem-sucedidos. Esta proposta de regulamento é a primeira lei do mundo relacionada com a IA promulgada por uma grande entidade reguladora.

 

Os gigantes da tecnologia vão cumprir este regulamento?

Claro que sim. Se operam na Europa, têm de cumprir as regras. Temos de garantir que os sistemas de inteligência artificial utilizados na União Europeia são seguros e respeitam os direitos fundamentais e os valores da UE. O regulamento vai também melhorar a governação e a aplicação da própria lei, contribuindo para a criação de um mercado único para as suas aplicações legais, seguras e fiáveis, e evitando a fragmentação do mercado. De acordo com a Regulamento da IA, o incumprimento das regras pode levar a multas que variam entre 35 milhões de euros ou 7% do volume de negócios global, e 7,5 milhões de euros ou 1,5% do volume do negócio, dependendo da infração e da dimensão da empresa.

Há muita coisa que não pode ser digitalizada, incluindo as emoções, a vontade e as decisões.

Como pensa que a IA terá impacto no trabalho e o que pode ser feito para mitigar os efeitos negativos?

A IA terá um impacto no trabalho, tal como tem em muitos outros aspetos da nossa vida. Por exemplo, vai acelerar o fluxo de informação. O diagnóstico vai tornar-se mais fácil. A investigação mais eficiente. No entanto, não pode substituir, em caso algum, o discernimento humano. É por isso que precisamos deste regulamento. Há muita coisa que não pode ser digitalizada, incluindo as emoções, a vontade e as decisões.

 

O algoritmo é uma espécie de novo "big brother" Orwelliano. Devemos temê-lo?

Não defendemos a vigilância em massa ao estilo ‘big brother’. O reconhecimento facial em tempo real através de câmaras de segurança só será permitido em circunstâncias extremas, como quando uma criança é raptada ou para evitar um ataque terrorista iminente. Estas exceções decorrem da prioridade que damos à segurança dos nossos cidadãos. No entanto, a polícia não pode decidir; só um procurador ou juiz pode autorizar o reconhecimento facial em tempo real.

 

Como é que esta regulamentação da IA se enquadra na luta contra a desinformação?

O Parlamento Europeu apoia uma estratégia de combate à desinformação para a sociedade como um todo. E esta luta é um aspeto importante, e fundamental, para as eleições europeias. Tanto o Regulamento da IA, como a Lei dos Serviços Digitais da UE têm potencial para ajudar a combater a desinformação eleitoral. A Lei dos Serviços Digitais estabelece regulamentos para a remoção de conteúdos não autorizados. O Regulamento da IA regula sistemas que possam ser utilizados para criar e distribuir esses conteúdos. A posição do Parlamento Europeu sobre o Regulamento da IA define, de forma inequívoca, sistemas de alto risco, como aqueles cujos propósitos são influenciar o resultado de uma eleição, de um referendo, ou de um outro comportamento por parte das pessoas singulares que exercem o seu direito de voto. No entanto, o Regulamento da IA não estará concluído a tempo destas eleições europeias, uma vez que o período de implementação está fixado em dois anos.

 

Acredita que os EUA vão acabar por criar legislação sobre esta matéria?

A Europa lidera atualmente, e vai continuar a liderar, a regulamentação da IA. A nível global, a União Europeia demonstrou em várias ocasiões que é uma referência no domínio digital, seja através do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, da Lei dos Mercados Digitais ou da Lei dos Serviços Digitais. As normas europeias são frequentemente adotadas a nível mundial. É o chamado "efeito Bruxelas", em que outros seguem os passos da Europa.

Ver comentários
Saber mais Roberta Metsola IA
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio