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Quando ser demasiado competitivo dá cartões amarelos

Bruxelas tinha pedido um debate sereno, mas está difícil fugir a uma rivalidade quase "Benfica-Sporting" quando se fala do excedente alemão.

Bloomberg
13 de Novembro de 2013 às 00:01
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Não é preciso ir à Alemanha para encontrar o melhor advogado de defesa dos excedentes alemães. Melvyn Krauss, professor de Economia nas Universidade de Nova Iorque e de Stanford, acha que todo o debate sobre os deméritos de a Alemanha ter uma relação excedentária com o resto do mundo foi empolado pelo Governo norte-americano numa manobra de "Bruxa proteccionista disfarçada de Branca de Neve". "Como seria conveniente para o Tesouro norte-americano e para a falida Detroit – que vende carros em competição directa com a Mercedes-Benz de Sindelfingen e a Volkswagen em Wolfsburg – apontar o dedo da culpa dos problemas do mundo para as exportações alemãs. Se [Jack] Lew quer resgatar Detroit, deve fazê-lo directamente, em vez de fazer proteccionismo disfarçado".

Num artigo publicado na Bloomberg, o economista tenta ainda desmontar um dos argumentos centrais de quem considera excessivos e, nessa medida, nefastos os excedentes alemães. Em sua opinião, uma economia exportadora, como a alemã, pode ajudar mais as economias em crise da periferia do euro se continuar a exportar do que se reorientar os seus recursos para consumir e investir mais. "Se derem mais dinheiro aos alemães [ por via de salários mais altos e/ou impostos mais baixos] será que vão gastar ou poupar? Vão comprar as casas [que muitas vezes arrendam] ou produtos importados? E se quiserem mais importações, serão gregas ou chinesas? Ninguém sabe", escreve. Já o efeito das exportações, diz, é mais antecipável dada a integração das cadeia de valor nas indústrias. Segundo dados do Governo alemão, cerca de 40% do que o país exporta é comprado a outros países do euro.

Numa operação de charme invulgar, reveladora do melindre que envolve a possibilidade de a Alemanha ser chamada a atenção de Bruxelas por ser, afinal, "demasiado competitiva" , o comissário Olli Rehn (na foto) escreveu nesta semana um artigo no "Frankfurter Allgemeine" para explicar o contexto da decisão que será anunciada esta quarta-feira. Publicou-o depois no seu blogue, em inglês. Nele, o comissário do euro pede um debate sereno que evite posições extremadas entre os que vêem uma redução do excedente alemão como uma receita quase milagrosa para acabar com a crise no sul da Europa, e quem encara os apelos nesse sentido como um mero reflexo de inveja face ao extraordinário desempenho da economia alemã. Alegava, desde logo, que se a Alemanha passar a ter uma relação comercial e financeira menos excedentária com o resto do mundo isso pode melhorar o seu próprio desempenho económico e ajudar a reduzir as desigualdades.

Rehn sublinhava ainda o acerto das escolhas da Alemanha: especializou-se a fazer bem e a preços competitivos produtos que o resto do mundo quer (o que explica as elevadas exportações), e tem uma população que, sabendo estar a envelhecer, tem privilegiado a poupança para assegurar consumos futuros consumindo menos no presente (o que explica as baixas importações).

Contudo, cerca de um terço do excedente corrente alemão é financeiro e pode ser explicado pelo retorno dos activos acumulados no exterior nos anos anteriores à crise. Consequência? Em vez de terem sido dirigidos para o investimento e, nessa medida, para aumentar o potencial de crescimento na Alemanha, estes fluxos acabaram em parte por alimentar os "booms" de crédito e as bolhas, designadamente imobiliárias, nos países beneficiários desses fluxos. Segundo Rehn, um qualquer "cartão amarelo" nunca será, por isso, contra a Alemanha. Será pela Alemanha e pelo resto de euro.

 
Glossário: o que é o défice externo?

Indicadores como o défice orçamental ou dívida pública têm tido mais atenção, mas muitos argumentam que o saldo da balança corrente - mais conhecido por défice ou excedente externo - é mais relevante para avaliar a solidez de uma economia. É calculado pela diferença entre a poupança e o investimento. Isto é, a soma da balança comercial - exportações menos importações - e das transacções líquidas de rendimentos e outras transferências unilaterais (remessas de emigrantes).

 

Ao contrário do défice orçamental, inclui tanto os agentes públicos (Estado) como privados (famílias e empresas). Um saldo negativo (défice externo) significa que o país é devedor face ao resto do mundo, se for positivo (excedente) é credor.

 

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