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Eurogrupo falha acordo: Eixo franco-alemão esbarrou na cisão italo-holandesa

Paris e Berlim ensaiaram, pela enésima vez, na reunião do Eurogrupo desta terça-feira, a aliança que tantas vezes serve de desbloqueador dos impasses europeus, mas o veto holandês à modalidade de acesso às linhas de crédito do fundo de resgate do euro impediu avanços. Já Itália insiste na partilha de riscos como resposta à crise. Esta quinta-feira prossegue a discussão.

Patrícia de Melo Moreira
08 de Abril de 2020 às 13:38
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À boa maneira da União Europeia, as longas 16 horas, com duas horas de intervalo pelo meio, da tensa reunião do Eurogrupo, realizado esta terça-feira, não permitiram fechar um acordo sobre a resposta económica à crise causada pela pandemia.

Perante o impasse, o eixo franco-alemão recuperou o papel tradicional de motor do projeto europeu para tentar desbloquear um acordo. Todavia, no final, prevaleceram as divisões entre a Holanda e a Itália e o veto holandês à modalidade de acesso pouco condicionado às linhas de crédito do fundo de resgate do euro. A discussão será retomada já esta quinta-feira.

Para além do pacote de 540 mil milhões de euros para apoiar os Estados-membros e criar redes de proteção para empresas e trabalhadores, os ministros das Finanças da UE pretendiam também avançar no desenho de um plano de recuperação económica "amplo e coordenado", como adiantou Mário Centeno, líder do Eurogrupo, antes ainda da maratona negocial começar. Centeno prometeu mesmo o "pacote mais amplo e ambicioso" já aprovado pelo Eurogrupo.

Ao que o Negócios conseguiu apurar, a possibilidade de o Banco Europeu de Investimento (BEI) reforçar em 200 mil milhões a sua capacidade para prestar liquidez às PME e a garantia de 100 mil milhões de euros para proteção de salários através do programa SURE mereceram amplo consenso.

A impedir um acordo esteve a forma de acesso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), o fundo de resgate do euro que detém capacidade para emprestar 410 mil milhões de euros. Estava em cima da mesa a possibilidade de recurso a uma das linhas cautelares (ECCL), através da qual seria possível emprestar um total de 240 mil milhões de euros no limite de até 2% do PIB de cada país.

O problema é que o acesso ao MEE está condicionado à existência de um memorando e respetiva prescrição de reformas para reforçar a sustentabilidade das contas públicas do Estado-membro que a ele queira aceder. Para evitar estigmas do passado e o risco de ficar à mercê da desconfiança dos mercados devido a uma escalada dos juros de uma dívida pública em torno de 135%, Itália exige que o recurso às linhas de crédito cautelar esteja livre de condições.

A fim de facilitar um acordo, a Alemanha já havia dado garantias de que seriam sempre condições leves, afastando assim a hipótese de novas troikas. No entanto, e apesar do apoio gerado em torno de uma modalidade suave de acesso ao MEE, a Holanda manteve firme o bloqueio a qualquer solução isenta de condições económicas. Na prática, Haia acabou por vetar um acordo sobre esta questão.

Já esta manhã, o ministro holandês das Finanças, Wopke Hoekstra, disse aceitar que o MEE seja usado sem condições para cobrir custos relacionados com a resposta dada pelo setor da saúde à crise sanitária, frisando que um apoio económico de médio ou longo prazo providenciado pelo fundo de resgate do euro tem de ser combinado com "algumas condições económicas". Finlândia e Áustria, que em conjunto com a Alemanha, rejeitam a emissão de dívida conjunta, apoiaram a posição de Haia.

Por sua vez, Roberto Gualtieri, ministro italiano das Finanças, declarou que este "é o momento da responsabilidade comum, da solidariedade e das escolhas corajosas e partilhadas".

Constatou-se assim a impossibilidade de fechar já as conclusões a fim de puderem ser apresentadas aos líderes europeus para aprovação final. Recorde-se que o Conselho Europeu inconclusivo de há duas semanas deu 15 dias ao Eurogrupo para apresentar respostas.

Ante este cenário, os titulares das Finanças da Alemanha e da França, respetivamente Olaf Scholz e Bruno Le Maire, emitiram uma declaração conjunta, particularmente dirigida a Haia e Roma, apelando a que ninguém "recuse resolver estas questões financeiras", a bem de "um compromisso" em nome de todos os europeus. Se a Alemanha cedeu na flexibilização das condições de acesso ao MEE, França deixou cair, pelo menos por agora, as coronabonds que defendeu a par de países como Portugal e Itália.

Novo fundo para contornar coronabonds
Sendo certo que as expectativas quanto a um potencial acordo para a emissão de dívida conjunta haviam sido esvaziadas antes ainda do Eurogrupo, a verdade é que as coronabonds voltaram a dividir.

Uma vez mais coube à Holanda liderar a oposição à pretensão reiterada no encontro pelo italiano Roberto Gualtieri. Roma insistiu que a hipótese de, no futuro, haver partilha de riscos mediante a colocação de obrigações de dívida europeia teria de constar das conclusões da reunião, porém Haia fez finca-pé, desta feita com apoio de Berlim.

A Holanda, assim como os outros países do norte da Europa já referidos, consideram que os mecanismos existentes são suficientes para responder às necessidades imediatas.

Para contornar o bloqueio à emissão de dívida conjunta que os países do norte veem como passo na direção da rejeitada união de transferências orçamentais, ganhou palco a proposta francesa com vista à criação de um novo fundo de resgate para apoiar a reabilitação da UE com base em investimentos.

A ideia de base desta solução acabou por não gerar grande discórdia. No entanto, os ministros das Finanças da moeda única discordam sobre o momento em que tal instrumento pode ser criado. Berlim defende que essa questão deve ser decidida apenas no outono, priorizando, por ora, um acordo sobre o pacote de 540 mil milhões de euros.

O ministro gaulês Le Maire propõe que esta espécie de Plano Marshall seja financiado por dívida comum a 15 ou 20 anos, porém mediante obrigações exclusivamente destinadas a financiar a recuperação das consequências do surto. Para não suscitar os conhecidos anticorpos, Paris sugeriu que as conclusões desta reunião não fizessem referência a obrigações europeias (eurobonds).

Comissão também dividida
O fundo de resgate preconizado pela França suscita divisões inclusivamente no seio da Comissão Europeia.
Os comissários Paolo Gentiloni (Assuntos Económicos) e Thierry Breton (Mercado Interno) defendem um "fundo europeu expressamente concebido para emitir obrigações [de dívida] de longo prazo", proposta em linha com a medida apresentada pela França, a presidente do órgão executivo comunitário. Com assento nas reuniões do Eurogrupo em representação da Comissão, Gentiloni apelou "ao sentido de responsabilidade necessário numa crise como esta".

Já Ursula von der Leyen afasta essa necessidade e propõe que o pretendido Plano Marshall seja integrado no orçamento de longo prazo da UE, cuja negociação persiste num impasse há vários meses.

Ainda aquém de uma resposta robusta e comum à crise, continua também a faltar à Europa o mínimo denominador comum necessário a uma reação conjunta aos efeitos da pandemia.
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