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Papa pede Europa centrada na "pessoa humana" e não só na economia (act)
O Papa Francisco apelou hoje aos deputados europeus para construírem "uma Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana" e criticou a centralidade das "questões técnicas e económicas" no debate político.
O Papa Francisco apelou hoje aos deputados europeus para construírem "uma Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana" e criticou a centralidade das "questões técnicas e económicas" no debate político.
O Papa Francisco discursou esta manhã no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, 26 anos depois de João Paulo II ter feito o mesmo, em 1988, tendo recordado logo no início do discurso que o mundo é hoje diferente, já sem os "blocos contrapostos" que então dividiam a Europa, mas também "mais complexo e em intensa movimentação".
Sobre a União Europeia (UE), em específico, o papa argentino considerou que, nos últimos anos, "tem vindo a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições", vistas não só como "distantes" dos povos mas que, mais do que isso, tomam medidas "prejudiciais" aos próprios povos.
"Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atracção, em favor do tecnicismo burocráticos das suas instituições", disse Francisco, no hemiciclo, em Estrasburgo, perante os mais de 700 deputados mas também dos comissários europeus e do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
O chefe máximo da Igreja Católica acrescentou que, na UE, "constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas" no debate político, em vez da centralidade da pessoa que devia existir.
No discurso proferido em italiano em que referiu por várias vezes a necessidade de reforçar a dignidade da pessoa humana, Francisco disse que um debate marcadamente técnico e económico corre o risco de reduzir o ser humano a uma "mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado". E que é descartado quando não é mais útil a esse sistema.
"Na vossa vocação de parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade dos povos e das pessoas", apelou.
Francisco instou ainda os parlamentares para manterem "a democracia dos povos da Europa". Para isso, afirmou, é necessário evitar que a força dos povos seja sacrificada pela "pressão de interesses multinacionais não universais", que enfraquecem as democracias e "as transformam em sistemas unificadores de poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos".
Ainda sobre a dignidade humana, o Papa lembrou a importância do trabalho para o ser humano, considerando que é preciso "devolver dignidade ao trabalho, garantindo também as condições adequadas para a sua realização". Isso, adiantou, implica combinar a flexibilidade do mercado com "as necessidades de estabilidade e certeza das expectativas de empreso".
Neste discurso, que terminou com bastantes aplausos do hemiciclo, o Papa considerou ainda que a doença "mais difusa na Europa é a solidão", presente tanto nos idosos como nos jovens "privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro", e que foi "agravada pela crise económica".
Para devolver a esperança, o Papa falou do fresco de Rafael 'Escola de Atenas' para falar da necessidade de, tal como Platão e Aristóteles, a Europa apontar, por um lado "para o alto, o mundo das ideias" e, por outro lado, "para a terra, a realidade concreta", juntando à realidade terrena ao transcendente e, logo, ao cristianismo.
"Esta contribuição [do cristianismo] não constitui um perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no respeito pela dignidade da pessoa", defendeu Francisco, que considerou que a conservação das raízes religiosas da Europa será menos "imune a extremismos".
No hemiciclo europeu, o Papa Francisco -- que sucedeu a Bento XVI em Março de 2013, por renúncia pessoal deste -- falou ainda da necessidade de valorizar a família, de a educação não dar apenas conhecimentos técnicos, mas de "favorecer o crescimento mais complexo da pessoa humana na sua totalidade", e referiu ainda a importância da protecção do ambiente e da natureza.
Considerou ainda intolerável que "milhões de pessoas no mundo morram de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas diariamente" e, do mesmo modo, disse que "não se pode tolerar" que o Mediterrâneo "se torne um grande cemitério" para milhares de homens e mulheres que tentam chegar à Europa, criticando a falta de políticas comuns da União neste campo.
"A falta de apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais", afirmou, recordando que é preciso à Europa "agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos".
Os problemas recorrentes na região dos balcãs também mereceram a atenção do chefe da Igreja, que vê em eventuais adesões de países da Península Balcânica à UE como uma "resposta ao ideal da paz numa região que tem sofrido enormemente por causa dos conflitos do passado".
Depois da visita ao Parlamento Europeu, o Papa seguiu para o Conselho da Europa, organização sediada em Estrasburgo de defesa dos direitos humanos, de que fazem parte 47 Estados-Membros.
(notícia actualizada com mais informação às 12h40)