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Guia para acompanhar as eleições italianas
Este domingo, Itália vai a votos para eleger o próximo Parlamento. Com uma lei eleitoral nunca experimentada e uma radicalização política que há muito não era vista, o resultado final e consequências destas eleições são ainda mais incertos no país da instabilidade política.
Os eleitores italianos vão votar este domingo, 4 de Março, para eleger os deputados e senadores das duas câmaras do Parlamento transalpino. A votação decorre entre as 07:00 e as 23:00 locais (menos uma hora em Lisboa).
A partir das 23:00 serão divulgadas as primeiras projecções à boca das urnas, no entanto a contagem dos votos vai prolongar-se até segunda-feira, existindo mesmo o risco de os resultados finais serem conhecidos apenas ao final da tarde, ou início da noite, de 5 de Março.
A dificultar a antevisão do resultado final e o escrutínio dos votos está o facto de ser testada, pela primeira vez, a nova lei eleitoral (Rosatellum). Por outro lado, a grande polarização partidária e radicalização política faz antever um resultado renhido e imprevisível.
Como é que se chegou a esta situação?
A insatisfação do eleitorado italiano cresce há anos, razão pela qual a abstenção tem vindo a aumentar a cada eleição. A corrupção e um sistema que permite a passagem de deputados de um partido para outro durante a mesma legislatura, são factores que contribuem para o afastamento dos cidadãos relativamente ao sistema político.
A insatisfação também decorre da fragilidade económica. Apesar de ser a terceira maior economia do euro, desde a entrada na moeda única o PIB transalpino está praticamente estagnado. E nem a recuperação económica conseguida nos últimos trimestres permite superar os ainda muitos indicadores negativos. Apesar de em 2017 o PIB ter crescido 1,5% (o melhor desempenho desde 2010), este foi um dos menores avanços verificados na UE. A taxa de desemprego continua acima dos 10% e o desemprego jovem persiste nos 35%. A dívida pública ascende a 135% do PIB, a segunda maior na Zona Euro, só atrás da dívida grega.
Este conjunto de factores alimentaram sentimentos eurocépticos e anti-sistema e discursos discurso populistas. Foi com este pano de fundo que nasceu o anti-sistema Movimento 5 Estrelas fundado por Beppe Grillo ou que a Liga Norte tem vindo a reforçar o seu peso eleitoral.
Que lei eleitoral é esta?
Apesar de antecipadas, as eleições gerais transalpinas teriam de decorrer em 2018, já que a legislatura de cinco anos completa-se este ano. A derrota do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi no referendo constitucional, em Dezembro de 2016, deixou Itália à beira de um caos anunciado, com Paolo Gentiloni como chefe de Governo.
Renzi queria reformar o sistema político italiano com o objectivo central de criar um enquadramento mais favorável à obtenção de maiorias (a Constituição aprovada depois da Segunda Guerra foi escrita de forma a dificultar maiorias e o regresso do autoritarismo). Porém, o chumbo da proposta de Renzi implicou que ficassem em vigor duas leis eleitorais, uma para cada câmara do Parlamento.
Foi já em Novembro que entrou em vigor a nova lei eleitoral (Rosatellum), que "mistura" os sistemas proporcional (elege cerca de dois terços das duas câmaras) e uninominal (elege cerca de um terço) e que dificulta ainda mais a obtenção de maiorias de um só partido. O Rosatellum reforça a histórica necessidade de coligações interpartidárias, tradicionalmente um factor de bloqueio no país.
Os principais partidos e candidatos
Movimento 5 Estrelas: A força política anti-sistema apresenta como cabeça-de-lista o jovem (31 anos) Luigi Di Maio, responsável nos últimos dias por um volte-face na estratégia do partido.
Apesar do discurso anti-sistema, eurocéptico e populista, e de sempre ter rejeitado qualquer tipo de acordo com outras forças políticas, Di Maio assume agora estar disponível para negociar coligações pós-eleitorais. Uma disponibilidade indissociável do actual sistema eleitoral, que favorece coligações. A confirmar uma maior moderação do partido está também a desistência da promessa de um referendo à pertença do euro.
Mas se o 5 Estrelas moderou a retórica para conquistar eleitores mais moderados, o partido também não quer alienar os italianos mais insatisfeitos com o sistema. Por isso, no último dia de campanha Di Maio prometeu que, se for primeiro-ministro, a primeira coisa que fará é aprovar um decreto com três pontos: corte para metade do salário dos parlamentares; retirar os benefícios vitalícios dos políticos; e reduzir em 30 mil milhões de euros os benefícios e privilégios dos políticos, canalizando esse dinheiro para o apoio às famílias com filhos, ao desempregados e aos pensionistas.
Partido Democrático (PD, centro-esquerda): Matteo Renzi candidata-se pela primeira vez em legislativas e não o faz na melhor altura, pelo menos olhando para os níveis de popularidade do ex-primeiro-ministro. Renzi continua a ser penalizado pela forma como personalizou o referendo constitucional, prometendo demitir-se se perdesse. Perdeu e demitiu-se, deixando por créditos alheios o entusiasmo criado, dentro e fora de portas, pela aparente capacidade de Renzi finalmente implementar as reformas políticas e institucionais há muito esperadas.
Desde então o também militante do PD, Paolo Gentiloni, assumiu a liderança do governo e tornou-se no político mais popular do país. Mas Renzi não prescindiu de ser figura cimeira e não permitiu que fosse Gentiloni o candidato, o que parece prejudicar o PD nas sondagens. O egocentrismo de Renzi e as reformas laborais e ao sistema de pensões levou à cisão de vários deputados.
O PD lidera a aliança de centro-esquerda que inclui o +Europa de Emma Bonino, a Lista Juntos, que é apoiada por Romano Prodi, a Cívica Popular de Beatrice Lorenzin, e ainda outras pequenas forças centristas.
Livres e Iguais (esquerda): O presidente do Senado, Pietro Grasso, protagonizou a principal cisão no seio do PD. Grasso formou este partido de esquerda que, tudo indica, deverá conseguir o mínimo de 3% que garante entrada no Parlamento. Contudo, Grasso rejeitou integrar a aliança de centro-esquerda liderada por Renzi, diminuindo significativamente as possibilidades deste sector político chegar à maioria absoluta.
Força Itália (FI, centro-direita): O partido de Silvio Berlusconi posiciona-se para assumir um papel charneira após as eleições. O ex-primeiro-ministro poderá ser o pivot de uma eventual solução governativa que venha a ser forjada depois das eleições. Apesar de estar impedido de assumir cargos públicos pela condenação por fraude fiscal (2013), Berlusconi quer candidatar o actual presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, a primeiro-ministro.
O FI lidera a aliança de centro-direita que inclui maioritariamente forças da extrema-direita tais como a Liga (antiga Liga Norte), o Irmãos de Itália de Giorgia Meloni, ou o Nós com Itália de Raffaele Fitto. O acordo desta aliança pressupõe que o partido mais votado indicará o candidato a primeiro-ministro. Com o FI e a Liga muito próximos nos estudos de opinião, há a possibilidade de ser Salvini o candidato.
Liga Norte (extrema-direita): O partido fundado pelo nacionalista Umberto Bossi, com o objectivo de lutar pela independência da Padânia, alterou a estratégia e apresenta-se a estas eleições com cara renovada. Tendo deixado cair o "Norte", a candidatura designada Liga com Salvini pretende adquirir dimensão nacional e não apenas regional. Matteo Salvini mantém o discurso xenófobo, anti-imigração e populista, mas moderou a retórica anti-europeia numa clara tentativa de captar os eleitores mais moderados.
O que é que dizem as sondagens? E que coligações podem ser feitas?
Os últimos estudos de opinião foram publicados em 16 de Fevereiro (não são permitidos nos 15 dias anteriores à eleição) e confirmaram as tendências dos últimos meses. O 5 Estrelas vence com uma votação entre 26% e 28%, seguido pelo PD (21%-22%), Força Itália (15%-17%) e Liga (14%-15%). A aliança de centro-esquerda liderada pelo PD fica muito distante da maioria e apenas o centro-direita pode alcançar um valor próximo dos 40%.
Se, com a escolha de Tajani, Berlusconi consegue recentrar o FI numa posição crítica da UE, deixa descontentes os parceiros Salvini, Meloni e Fitto. Um descontentamento que poderá destes partidos a procurar outras soluções, dado que nenhuma força política é obrigada a prosseguir as coligações pré-eleitorais uma vez realizado o acto eleitoral.
Não havendo maioria absoluta, começam os cálculos para a formação de coligações. E aqui os cenários são múltiplos. O 5 Estrelas pode aliar-se ao PD ou mesmo à Liga de Salvini. Uma aliança com o partido de Renzi tenderia a moderar o partido de Di Maio, enquanto um acordo com a Liga representaria algo completamente imprevisível.
O PD poderia aliar-se ao FI, reeditando o Pacto de Nazareno forjado em 2014 por Renzi e Berlusconi com o objectivo de proceder a reformas importantes. Esse acordo não permitiu avançar com as medidas acordadas após Berlusconi ter "roído a corda", deixando o governo de Renzi fragilizado no parlamento. Este é seria um governo bem-visto em Bruxelas mas que os analistas consideram precário no que concerne à estabilidade e durabilidade.
Todavia, no momento em que as sondagens foram publicadas o nível de eleitores indecisos fixava-se entre 35% e 40%, o que significa que o resultado final poderá diferir bastante das projecções. Os estudos de opinião apontam ainda para um recorde de abstenção.
O presidente da República Sergio Mattarella será o responsável por indicar um candidato a primeiro-ministro. Se não houver nenhum acordo entre os partidos, Mattarella poderá pedir a Gentiloni que continue a chefiar um governo de transição e de perfil tecnocrático, no que seria uma solução a prazo até prováveis novas eleições antecipadas.
A Europa tem razões para estar preocupada?
A campanha eleitoral foi muito marcada pelo confronto em torno da imigração ilegal, o que se explica pelo facto da Itália ser, juntamente com a Grécia, o país mais afectado pelos movimentos migratórios provenientes do Norte de África e do Médio Oriente. Qualquer tipo de governo que integre forças como o Força Itália, a Liga ou o 5 Estrelas tenderá a adoptar uma posição de maior confronto com a União Europeia nesta matéria.
Mas o facto daqueles partidos apresentarem posições eurocépticas poderá ter maior impacto nas discussões em curso para o aprofundamento da integração na Zona Euro. Nesta altura, Itália é liderada pelo europeísta Paolo Gentiloni, um nome que recolhe simpatia nas principais capitais europeias. E qualquer cenário que passe por um primeiro-ministro menos pró-europeu tenderá a dificultar o processo de reforma da União Europeia. A tentação existe com estudos a mostrarem que cerca de 45% dos italianos acreditam que Itália estaria melhor fora da UE.