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Fim do duopólio a caminho na Irlanda. Porque demora tanto a contagem de votos?
Apesar de as legislativas irlandesas terem sido realizadas no sábado, o complexo sistema eleitoral implica uma morosa contabilização dos votos que poderá obrigar a que os resultados finais ainda demorem dias até serem conhecidos. O Negócios troca por miúdos o porquê de tanta demora.
O Sinn Féin deverá ser o vencedor das eleições irlandesas, acabando com o histórico duopólio da direita que permitiu ao Fine Gael é ao Fianna Fáil dominar a política da Irlanda ao longo de décadas.
Numa altura em que as segundas preferências já estão a ser contabilizadas, os resultados provisórios apontam para uma surpreendente vitória da forma de esquerda nacionalista, que lidera tanto no número de votos como de assentos parlamentares.
Mas porque demora tanto tempo a contar os votos num país com apenas cerca de 4,5 milhões de habitantes? A explicação reside no intrincado sistema instituído em 1922 na sequência da declaração de independência da República irlandesa.
São três os pilares sobre os quais assenta o sistema irlandês e que se traduzem num processo moroso: círculos eleitorais com assentos parlamentares múltiplos, voto único transferível e múltiplas contagens que têm de ser feitas aos boletins de voto. Além de demorada, a contagem dos votos é também peculiar.
Tudo começa com a forma como os eleitores irlandeses exercem o direito de voto no boletim. Em vez de uma cruz, podem votar em vários candidatos, do mesmo partido ou de múltiplos, escolhendo com recurso a números ordinais a ordem dos candidatos (ex: 1º, 2º, 3º).
A isto chama-se voto único transferível, que basicamente significa que um determinado eleitor pode transferir o seu voto, por exemplo para a sua segunda escolha. Isto se o primeiro candidato escolhido já tiver ultrapassado a quota necessária à eleição ou se, pelo contrário, já tiver sido eliminado por falta de apoios. Se também a segunda escolha já tiver sido eleita ou eliminada, o voto é transferido para a terceira opção. E por aí adiante.
O eleitor pode escolher vários ou somente um candidato, em função das próprias preferências. Se, a título de exemplo, um eleitor quiser evitar a eleição de um determinado candidato, pode votar em todos os candidatos menos naquele que não quer ver eleito.
A complexidade do sistema continua. É que apesar do reconhecido desenvolvimento tecnológico do país, não só o voto mas também a contagem é analógica.
São três os tipos de pessoas envolvidas no processo. Os "tallymen", observadores apontados pelos partidos e candidatos, e que são incumbidos da observação de todo o processo de contagem e de abertura das urnas de votos.
Há também os "counters", que como o nome indica estão encarregados da contagem dos votos e, por fim, os "supervisors", incumbidos de controlarem todo o processo.
Os candidatos são considerados eleitos no momento em que atingem uma determinada quota de votos: o mínimo de votos válidos que um candidato necessita para ser eleito. Esta quota é calculada de forma diferente em cada circunscrição, com base no número de eleitores participantes e no número de assentos parlamentares elegíveis em determinada circunscrição eleitoral.
Sempre que um candidato atinge a quota definida, todos os votos que receber posteriormente são considerados em excesso. E são posteriormente distribuídos pelos restantes candidatos mediante o rácio das segundas preferências dos eleitores em novas contagens. Depois da primeira contagem, só os votos que ultrapassam a quota são examinados e utilizados para decidir o rácio para a alocação dos votos adicionais.
Por fim, depois de um candidato ter sido eleito na segunda contagem, ou numa posterior, somente os votos que os coloquem acima da quota são contabilizados para depois serem distribuídos. Por outro lado, quando há dois ou mais candidatos a excederem simultaneamente a quota, o maior excesso é o primeiro a ser distribuído. O excesso tem de ser distribuído sempre que dele dependa a eleição de um candidato, a salvação de um candidato em risco de ser eliminado.
Passos da contagem dos votos
1 - Os votos são abertos e contados
2 - A quota é calculada
3 - Os votos são ordenados de acordo com as preferências e são contados
4 - Qualquer candidato que atinja a quota depois da primeira contagem é considerado eleito
5 - Se o candidato tiver votos extra, estes votos são redistribuídos pelos restantes candidatos que surjam a seguir na ordem de preferências expressa nos boletins de voto.
6 - Se depois de feita a distribuição dos votos nenhum novo candidato tiver sido eleito, o candidato com menos votos é eliminado e os seus votos são distribuídos de acordo a segunda preferência (ou a próxima preferência dependendo da etapa do processo em causa)
7 - Este processo de eleição, distribuição do votos em excesso e eliminação de candidatos decorre até que todos os assentos parlamentares tiverem detentor.
8 - Por vezes, o último assento parlamentar disponível acaba por ser ocupado por um candidato que não tenha atingido a quota.