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Constâncio: Alemanha também tem culpa nos juros negativos
O antigo vice-governador do BCE, o português Vítor Constâncio, discorda da opção dos alemães de acumular excedentes orçamentais e diz que está ao alcance desta potência europeia aumentar as taxas de juro - um fardo que, acredita, não deverá ser atribuído unicamente ao BCE.
O antigo vice-governador do Banco Central Europeu (BCE), Vítor Constâncio, afirma que esta instituição não é a única responsável pelos juros cada vez mais baixos, ao mesmo tempo que critica a postura alemã na gestão da sua economia. O português acredita que Berlim poderia resolver "vários problemas de uma só vez", incluindo aumentar as taxas de juro.
"Os bancos centrais ou o BCE não estão sozinhos por detrás de toda esta tendência de juros cada vez mais baixos", defende Vítor Constâncio, em entrevista ao jornal alemão Der Spiegel, confrontado com as críticas sobre a gestão das taxas de juro feita pelo BCE. "Tudo isto resulta de um fenómeno que os economistas chamam de estagnação secular: nas economias desenvolvidas, há falta de procura agregada - ou, noutras palavras, um excedente de poupanças face aos investimentos planeados", diz Constâncio.
Confrontado com a possibilidade de os alemães estarem a "poupar demais e a não gastar o suficiente", Constâncio concorda. A motivar este comportamento estará uma maior aversão ao risco decorrente da última crise e o envelhecimento da população, explica.
Nestas circunstâncias, "todos procuram investimentos seguros", diz o antigo vice-governador. E esta "elevada procura" dita que os juros alemães estejam em níveis negativos, atira o jornal, levando Constâncio a voltar a criticar a postura germânica. "A oferta das obrigações (de rating AAA, como as alemãs e as holandesas) não aumentou, aliás caiu, desde a crise financeira", o que "aumenta o preço das obrigações" e "significa que as yields recuam e descem mesmo a níveis negativos". Ainda na mesma entrevista, reforça: "claro que um aumento dos empréstimos da parte do Governo alemão também aumentaria a oferta de instrumentos financeiros seguros".
Para o antigo vice-governador, a opção dos alemães de contarem com excedentes orçamentais é uma atitude que "não faz qualquer sentido económico". "Se o setor privado quer poupar mais do que quer investir, três coisas poderão estar a acontecer. Primeiro, há um excedente na conta corrente. Segundo, as taxas de juros ficam cada vez mais baixas e os preços dos ativos, incluindo os preços do imobiliário, sobem de forma acentuada. E terceiro, o Estado pode entrar em défice para compensar o "excesso" de poupança privada", explica. Desta forma, defende que a Alemanha deve aumentar o défice e o nível de investimento, o que, prevê, resultaria em taxas de juro mais altas. "A Alemanha poderia, assim, resolver vários problemas de uma só vez", remata – incluindo alguma hostilidade dos Estados Unidos.
A ação além da Alemanha
Constâncio concede que as taxas de juro possam elevar-se até ao intervalo dos 3 aos 5%, como era apanágio há cerca de dez anos, no caso das empresas e governos reforçarem o investimento e estimularem a procura nas economias, uma frente na qual "os bancos centrais estão a tentar ajudar", defende, ao estimular os gastos na tentativa de controlar a inflação.
Outra solução avançada pelo português ao longo da entrevista é a criação de obrigações europeias.
O antigo vice-governador assume ainda que conta que novas medidas expansionistas sejam anunciadas no próximo mês de setembro pelo BCE. "O problema, contudo, é que a política monetária por si só não será suficiente se o mau momento económico conduzir a uma recessão", ressalva. Neste caso, será necessária atuação ao nível orçamental, defende.