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Portugal: há 40 anos a tentar fugir (sem sucesso) dos contratos a prazo

No mercado de trabalho português, os contratos a prazo têm um peso maior do que na média da Europa. Há décadas que os governos tentam desincentivar a utilização excessiva deste mecanismo. Até agora, sem consequências práticas.

O secretário de Estado do Emprego - aqui no Parlamento - defendeu que o problema português já não é rigidez excessiva. Bruno Simão
24 de Novembro de 2016 às 21:15
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"Há 40 anos que os contratos a prazo são a forma usada [pelas empresas] para contratar novos trabalhadores", explicou esta tarde, 24 de Novembro, o advogado Pedro Furtado Martins, sócio da Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados. "Os Governos têm imposto cada vez mais restricções nos contratos a prazo, mas não foram eficazes."

 

A declaração foi feita durante um seminário organizado pela Representação da Comissão Europeia em Portugal sobre segmentação do mercado de trabalho. Isto é, um mercado dividido entre aqueles que têm contratos sem termo e aqueles que têm contratos a prazo (e recibos verdes). Os oradores descreveram as experiências feitas em França, Itália, Holanda, Polónia, Espanha e, claro, Portugal, com o objectivo de olhar para aquilo que funcionou (ou não) no passado recente e tentar encontrar soluções para o futuro.

 

A abrir a conferência esteve Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego. Durante a sua intervenção, pintou um cenário de excesso no recurso aos vínculos mais precários em Portugal. "De facto o uso excessivo e abusivo de contratos a termo e de outras formas de trabalho não permanente assume dimensão muito séria em Portugal. E que tem consequências directas, e graves, para os trabalhadores: acesso condicionado a protecção social, maior risco de desemprego, menor estabilidade e previsibilidade. Mas também para o Estado, dado que mais de metade dos novos subsídios de desemprego se devem ao fim de contratos não permanentes", afirmou.

 

O Governante prometeu que o Executivo de que faz parte irá intervir no sentido de corrigir este cenário, garantindo que haverá "afinações no regime dos contratos a termo", nomeadamente na diferenciação das contribuições sociais pagas pelas empresas e na limitação da contratação a prazo de jovens e desempregos de longa duração "pela simples razão de o serem".

 

Esta luta contra os contratos a prazo não é propriamente nova. Assim como a decisão das empresas a ignorarem. Há dez anos que os contratos prazo representam mais de 20% dos vínculos laborais, a terceira maior percentagem da União Europeia. Mas a tendência recua bem mais do que dez anos, como referiu Pedro Furtado Martins. "Os empregadores e os trabalhadores ignoram que os contratos a prazo têm de ter um motivo", explicou. "A grande maioria dos contratos a prazo não estão de acordo com a lei."

 

A sua experiência profissional como advogado diz-lhe que as empresas querem apenas saber que risco correm ao violar as regras e assumem-no. "As empresas não trocam a flexibilidade por benefícios financeiros", adiantou, referindo-se a algumas das vantagens dos contratos sem termo, como isenções de contribuições sociais. Mostrou-se também pessimista sobre a possibilidade de mais actuação do Governo fazer aquilo que 40 anos não foram capazes.

 

Não foi o único Pedro Martins a intervir durante a tarde de hoje. O antigo secretário de Estado do Emprego (2011-13) e professor da Queen Mary (University of London), que tem o mesmo nome, falou das experiências recentes em Portugal. Um dos seus estudos mais recentes avalia o impacto de uma medida em concreto: a extensão do período máximo dos contratos a prazo de três para quatro anos e meio. Anteriormente, ao final de três anos com contratos a prazo, o trabalhador saía da empresa ou era colocado nos quadros. A partir de Janeiro de 2012, passou a haver a possibilidade de estender esse vínculo por mais ano e meio. Ao olhar para os dados, a principal conclusão a que chega Pedro Martins é que se registou uma quebra de 20% da passagem de trabalhadores para os quadros, o que já seria de esperar. No entanto, não houve efeitos substanciais - positivos ou negativos - no emprego, que seria uma ambição da medida. Por outro lado, a passagem de trabalhadores para outras empresas caiu entre 10% e 20%, o que pode ter um impacto positivo na produtividade.

 

O ex-governante considera que é mais urgente intervir junto dos vínculos permanentes do que dos outros contratos. "O problema da segmentação do mercado tem mais a ver com a rigidez dos contratos permanentes e menos com a flexibilidade dos contratos a prazo ou de prestação de serviços", defende, argumentando que é necessária menos incerteza legal nos despedimentos, compensações mais baixas por despedimento e acesso mais facilitado e abrangente ao subsídio de desemprego.

 

Miguel Cabrita, que tem hoje a pasta que Pedro Martins deteve até há três anos, não tem a mesma opinião. "O problema do mercado de trabalho português não já não é de rigidez", explicou, falando de um equilíbrio entre "flexibilidade" e "trabalho digno". "É certo que a contratação a termo não tem de ser sinónimo de precariedade. E que faz, e fará, parte dos necessários mecanismos de flexibilidade e adaptação das empresas. Mas não tem de ser a regra, não pode ser a norma", sublinhou. Falta saber se será mais eficaz do que esforços anteriores.

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