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Feriado de Carnaval pode tornar-se direito adquirido
Sendo um feriado facultativo, o Carnaval depende da contratação colectiva. Certo? Não só. Se as empresas decidirem conceder reiteradamente esse dia, o gozo pode tornar-se um direito adquirido. Foi o que decidiu num caso concreto o Supremo Tribunal de Justiça.
O dia de Carnaval é feriado nas empresas privadas quando a contratação colectiva assim o define. Mas as empresas que ao longo de anos concederem o gozo deste dia – quando a isso não sejam obrigadas – arriscam vê-lo consagrado como um direito dos trabalhadores. Foi o que aconteceu a uma empresa industrial que garantiu o feriado durante 19 anos. Quando decidiu suspendê-lo e marcar falta injustificada a quem não se apresentou ao trabalho – numa altura em que o governo recusava dar tolerância de ponto no Carnaval, em 2014 – os sindicatos levaram o caso a tribunal. E conseguiram que o Supremo lhes desse razão.
Desde 1994 que esta empresa com 87 trabalhadores permitia o gozo do dia de Carnaval, sem perda de salário, mas a convenção colectiva que a isso obrigava caducou em 2009. O empregador continuou a atribuir a "folga" já depois de a convenção ter caducado, até 2013, tanto aos sindicalizados como aos restantes trabalhadores, alguns deles com mais de 30 anos de antiguidade.
Analisando a questão do ponto de vista dos "usos laborais", o STJ concluiu que "o direito ao gozo da terça-feira de Carnaval" retirado em 2014 "não teve fundamento legal". Entenderam os conselheiros que estavam perante "uma prática espontânea da empresa". "Por outro lado, tratou-se duma prática constante, uniforme e pacífica, sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, pois face aos anos em que a mesma vigorou, criou nestes as convicção de que o empregador a prosseguiria no futuro", lê-se no acórdão do STJ de Novembro de 2016."Quebrando-a unilateralmente, foi abalada esta confiança na sua continuidade, pois tratando-se duma prática reiterada", assumiu "a natureza dum ‘uso’ relevante."
A decisão fundamenta-se no Código Civil e, nomeadamente, no artigo 1.º do Código do Trabalho, que considera que "o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como os usos laborais que não contrariem o princípio de boa-fé."
A decisão do Supremo foi ainda mais favorável à associação da federação da CGTP (A Fiequimetal) do que a de primeira instância, que apenas salvaguardava o feriado municipal.
Alerta geral, decisão caso a caso
Que conclusões se podem tirar? Como explica Sofia Serra, da Abreu Advogados, a sociedade que publicou uma nota sobre a questão, "não se trata de um acórdão uniformizador de jurisprudência, logo não é uma decisão que vincule outras decisões futuras. Mas é uma decisão com impacto relevante e certamente será tida como referência por outros tribunais". Ainda assim, " é importante sublinhar que situações desta natureza implicam uma análise casuística".
Neste caso "o que ficou provado é que existia um uso independentemente da aplicação da convenção colectiva de trabalho": o feriado foi concedido tanto antes como depois da convenção. A questão é relevante porque "muitas vezes a caducidade de uma convenção não é imediatamente conhecida pelas empresas". E nos casos em que a empresa continua a conceder o direito durante anos – por desconhecimento ou não – e a depois decide parar de o atribuir "o que este acórdão vem dizer é: atenção, já há um direito adquirido por via de uso laboral".
De uma forma geral, conclui a advogada que analisou a questão, "é preciso ter alguma atenção com estas práticas em relação às quais o empregador se auto vincula", em inúmeras circunstâncias da vida da empresa. Porque a prática "pode ter reflexos no princípio da confiança e gerar um uso laboral, um direito adquirido, porque cria no trabalhador a expectativa de ver continuada essa prática reiterada".
Poderia o Tribunal decidir de forma idêntica em relação à Função Pública? A advogada acredita que não. No Estado, o "uso" que existe é diferente, argumenta: o feriado não é dado como adquirido porque todos os anos se aguarda a decisão sobre se há tolerância de ponto.
Governo volta a dar tolerância de ponto à Função Pública
António Costa assinou um despacho que dá tolerância de ponto à Função Pública na próxima terça-feira de Carnaval, dia 28, tal como no ano passado, avançou a Lusa. O Governo recupera uma tradição que, (independentemente das regras) acaba por servir de exemplo ao sector privado. A tradição foi interrompida durante o programa de ajustamento, mas não só: Cavaco Silva também recusou dar tolerância, no início dos anos 90. Em protesto, houve funcionários que foram mascarados para as repartições, num dia de pouco trabalho.
Quem tem direito ao feriado?
No privado, o feriado é facultativo, podendo tornar-se obrigatório se tal estiver previsto no contrato ou na convenção colectiva. Na Função Pública, depende da vontade do Governo em funções.
Privado: depende das convenções
O Código do Trabalho define a terça-feira de Carnaval como um feriado facultativo. Isso significa que as empresas só estão obrigadas a dar este dia livre aos trabalhadores quando tal está definido, por exemplo, nas convenções colectivas, que podem ser de empresa ou sectoriais. É por isso necessário consultar a convenção para perceber, em cada sector, que regra se aplica. Nada impede que a empresa consagre este dia como feriado no contrato individual ou que o faça por livre vontade. O Governo chumbou há semanas uma proposta para tornar este feriado obrigatório para todos.
O que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça também vem mostrar é quando uma empresa não está obrigada a dar o feriado de Carnaval, mas o faz de forma reiterada no tempo, este pode tornar-se um direito do trabalhador. A decisão pode servir de referência, mas não tem obrigatoriamente que ser seguida pelos outros tribunais. Cada caso será analisado separadamente.
Função Pública: Governo decide
Explica a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que "a observância da terça-feira de Carnaval como dia feriado depende de decisão do Conselho de Ministros ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas" sendo nulos os contratos ou convenções colectivas que disponham em sentido contrário. Na próxima terça-feira, dia 18, haverá tolerância de ponto, anunciou esta terça-feira o Governo.